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30 maio
Direito Digital e Proteção de Dados: dicas para proteger os dados dos seus clientes e colaboradores

Você já ouviu falar sobre Proteção de Dados e Direito Digital? Basicamente são ramos do Direito, criados para regulamentar as relações no mundo digital, isso porque o direito digital está cada vez mais presente no dia a dia. Assim, a partir dessa ideia vamos traçar um conceito e buscar entender a Lei Geral de Proteção de Dados.

Nesse sentido, você sabe como funciona essa lei na prática e se existe ou não responsabilidade do profissional que atua em desacordo com as normas estabelecidas? Continue a leitura e descubra mais sobre este assunto!

O que é o Direito Digital?

Vejamos, o direito digital surgiu com o intuito de regulamentar as relações do ambiente virtual, sabia? Como dito anteriormente, o mundo sofre constantes evoluções, isto é, estamos em constante transformação e junto com esse progresso surge a necessidade de regulamentar o ambiente digital e desenvolver regras e normas para contribuir com o desenvolvimento das relações e evitar assim práticas que podem ser lesivas.

Diga-se, de passagem, que a transformação do direito digital está em curso e a Lei Geral de Proteção de Dados entra no sentido de tentar solucionar os problemas ligados à proteção do indivíduo nas redes. Hoje, o mercado necessita se adaptar a essa nova realidade da era digital.

Então, é possível dizer que o mercado digital se torna naturalmente uma excelente área para os profissionais do direito que desejam atuar diretamente nessa área, que vem crescendo constantemente.

O direito digital virou uma excelente área para novos profissionais, você sabia?

Como já mencionado, percebemos que as empresas estão cada vez mais migrando para o digital de modo a se adaptar a essa nova era. Na medida em que as empresas começam a migrar para o mercado digital surge a necessidade de regulamentar e fiscalizar essas relações, bem como surge a possibilidade de atuação.

Sabe-se que, existe a prática de crimes cibernéticos que são indivíduos que por meio do computador utilizam recursos ilegais para desenvolver e executar meios de fraudes pela internet.

A exemplo, temos a falsificação de identidade por meio de dados pessoais que são roubados e utilizados para aplicar golpes e o roubo de dados financeiros como acesso a contas de pagamento.

Como é a atuação do Profissional no Direito Digital?

Você pode até não acreditar, mas o direito digital vem se consolidando como um área em crescimento no mercado jurídico. É como se o mercado exigisse profissionais que atuassem diretamente nesta área.

Então, com o vazamento de dados pessoais surge a necessidade de danos morais e indenização ao indivíduo pela violação de seus dados. Assim, o profissional que atua no direito digital trabalha no sentido de regulamentar a relação entre contratante e contratado.

Ademais, existem vários tipos de serviços que esse profissional pode realizar, podemos citar:

  • Consultoria para empresas e profissionais;
  • Formalização de contratos;
  • Representação de pessoas que sofreram com vazamento de dados pessoais;
  • Direito autoral;
  • Direito digital na área criminal em relação a crimes digitais envolvendo hackers.

Na situação narrada é possível dizer que esse profissional vai buscar formalizar contratos e acordos com os clientes, prestar consultoria a empresas e orientar como a empresa deve guardar esses dados para não acontecer vazamentos de informações.

Podemos dizer que atualmente existe uma demanda grande de empresas que procuram profissionais especializados na área e que necessitam de contratos estratégicos que visem contemplar questões relacionadas a dados pessoais e direito de imagem.

Imagine que você deseja investir nessa área, é necessário então buscar se atualizar sobre o ramo digital e ter uma base sobre informática. Isso porque, o conhecimento em tecnologia enriquece e contribui para uma boa atuação do profissional acerca das interpretações das leis e normas possibilitando o desenvolvimento de teses jurídicas e análise de contratos.

Afinal, qual o conceito da lei geral de proteção de dados?

Apesar de já ter comentado sobre o assunto no tópico anterior, vamos às definições mais claras. A Lei Geral de Proteção de Dados surge com a finalidade de preservar os direitos fundamentais. O termo “proteção de dados” diz respeito ao método de proteger dados relevantes e que não podem ser perdidos ou corrompidos.

O interessante é que a LGPD foi criada em 2018 e entrou em vigor somente em 2021, com foco no cenário atual de promover a preservação de dados pessoais de todo mundo.

É importante dizer que conforme dispõe a Lei nº 13.709/2018 é fundamental regulamentar o tratamento de dados pessoais nos meios digitais, com o intuito de proteger os direitos fundamentais da privacidade, livre desenvolvimento da personalidade natural e liberdade.

Qual a importância da lei geral de proteção de dados?

Vejamos, é certo que a LGPD é um instrumento importante para a proteção de usuários do digital e favorece os indivíduos e as empresas. Apesar disso, é necessário dizer que a LGPD é uma lei nacional e versa somente sobre a proteção de dados em território nacional.

É importante ressaltar, porém, que empresas internacionais que têm sede no Brasil devem se adequar a LGPD, pois toda operação que contenha dados pessoais devem se adequar a norma.

Nesse sentido, são considerados alguns dados pessoais:

  • Nome;
  • Comprovante de Situação Cadastral (CPF);
  • Carteira de Identidade (RG);
  • Data de nascimento;
  • Telefone;
  • Endereço;
  • Dados Bancários;
  • Endereço de IP.

Como consequência, dados como vida pessoal do indivíduo são encarados como dados sensíveis, pois são dados que versam sobre questões particulares de cada um e não podem ser divulgados sem o consentimento do titular.

Com a proteção de dados pessoais o usuário pode escolher não compartilhar e não ter seus dados pessoais compartilhados e divulgados. Algo importante é passar segurança com a organização e o armazenamento de dados pessoais com o intuito de ganhar a confiança do indivíduo, pois o vazamento de informações geram enormes prejuízos.

E como proteger os dados de clientes e colaboradores?

Agora que já sabemos o significado de Direito Digital e LGPD, vamos falar sobre meios de proteger esses dados. Assim, situações decorrentes de vazamento de dados não são casos raros, considerando, que dados pessoais são qualquer tipo de informações que podem ser utilizadas para identificar uma pessoa. Certo?

Desta forma, é indispensável o consentimento do cliente e o seu interesse legítimo em fornecer seus dados para a finalidade que a empresa propõe. Invista em tecnologia, faça a adoção de backups frequentes, armazene as cópias em servidores e tenha o controle de acesso se o seu ramo de atuação lida com dados importantes.

Então vamos prever a seguinte situação na qual um cliente procura uma determinada empresa para fechar um contrato de serviço e aceita receber e-mails e informações sobre promoções da empresa no seu e-mail pessoal. Desta maneira, podemos afirmar que o cliente consentiu fornecer suas informações.

Como explicado, toda empresa, setor ou escritório que utilizam dados pessoais estão sujeitos às normas da legislação digital. É necessário compreender que os dados só podem ser utilizados para a finalidade informada e pretendida cabe a empresa deixar claro como estão sendo manuseados esses dados.

Seguindo a mesma lógica, é necessário colher somente informações que sejam realmente necessárias. Ademais, à medida que os usuários estão migrando seus dados para a internet com abertura de contas digitais, investimos digitais, redes sociais e cadastro em lojas virtuais são necessários buscar soluções para proteger essas informações.

Caso a LGPD não seja cumprida a empresa poderá sofrer sanções que vão deste a uma simples advertência a uma proibição total ou parcial de suas atividades. Então a LGPD serve somente para servir como base para aplicações de sanções? Claro que não! A nova legislação veio para proteger, regulamentar e evitar o vazamento de informações.

Agora que você já entendeu mais sobre o assunto, conclui-se que a finalidade da lei LGPD é possibilitar a proteção de bens jurídicos como o direito à privacidade. Logo, o profissional que deseja atuar nessa área deve se especializar e se manter atualizado.

Dando continuidade, observa-se que o número de demandas de vazamento de dados estão aumentando no judiciário. No entanto, podemos verificar que ainda existem poucos profissionais especializados na área.

Por fim, para diminuir casos de vazamento de dados é necessário respeitar o direito pessoal de cada um, sempre estando de acordo com as normas estabelecidas pela LGPD e outras leis que podem ser aplicadas de forma subsidiária.

 

Publicado por JurisBlog

24 maio
Advogado cria petição no ChatGPT e leva multa do TSE

Um advogado protocolou uma petição redigida pelo ChatGPT e acabou multado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, condenou o profissional a pagar R$ 2,4 mil em até 30 dias por agir de má-fé ao usar a inteligência artificial para fazer seu trabalho.

O advogado teria usado a inteligência artificial para tentar ser admitido no processo que analisa a conduta do ex-presidente Jair Bolsonaro durante uma reunião de 2022, em que ele teria atacado o sistema eleitoral brasileiro.

O profissional, que não seria ligado a nenhuma parte da investigação, apresentou ao TSE argumentos preparados pelo ChatGPT na tentativa de participar como amicus curiae (“amigo da Corte”) — pessoa interessada em contribuir com esclarecimentos para o julgamento de uma causa.

Na avaliação da petição, o ministro Gonçalves disse que o advogado enviou uma “fábula” para o tribunal. “Causa espécie que o instituto [amicus curiae], que exige que o terceiro demonstre ostentar representatividade adequada em temas específicos, tenha sido manejado por pessoa que afirma explicitamente não ter contribuição pessoal a dar e, assim, submete ao juízo uma fábula, resultante de conversa com uma inteligência artificial”, pontuou o corregedor.

Para o magistrado, o advogado entende que a petição era inadequada, considerando sua experiência na área jurídica.

Uso indevido de IA gera problemas

Desde o boom das IAs generativas, surgiram discussões acerca do uso das ferramentas para automatizar ou reproduzir trabalhos humanos — e, lógico, muitas questões éticas acerca disso. Um dos tópicos mais debatidos envolve a autoria de imagens geradas por máquina, afinal elas devem ser creditadas a quem: bot, usuário que inseriu o prompt ou ao artista cujo material serviu de inspiração?

15 maio
Marketing jurídico: Como divulgar o seu trabalho?

Agora mais que nunca é importante nos preocuparmos, cada vez mais, com a visibilidade do nosso serviço, durante a pandemia fomentou-se mais ainda sobre o marketing e o reconhecimento de marca, e claro, a área jurídica não ficaria de fora. Mas existem algumas restrições em publicidade e no marketing jurídico, e aqui vamos pontuar algumas dessas restrições, para não infringir o Código de Ética da OAB.


O mercado jurídico é competitivo? Sim, atualmente os advogados já ultrapassam mais de 1 milhão no Brasil, segundo dados da própria OAB. O fato é que advogados que lidam com marketing, planejam e testam estratégias, são capazes de se destacar e atrair o público certo em qualquer situação, seja com 30 ou 300 concorrentes.

Para você que ainda não sabe ou tem dúvidas de como iniciar seu projeto de marketing, confira algumas dicas essenciais em nosso artigo 5 tarefas preliminares do marketing jurídico de resultado

E aqui pontuaremos algumas práticas muito eficientes de divulgação do seu trabalho. Confira a seguir:

Invista em identidade visual

A identidade visual deve compor a estratégia de marketing jurídico, afinal, é um ponto fundamental para quem quer transmitir profissionalismo e por isso deve estar entre as primeiras ações. Por isso é importante definir a identidade da marca, ou seja, como os clientes devem enxergar seu trabalho. Dessa forma, é possível planejar o logotipo, as fontes usadas para o nome da empresa e as cores para replicar na fachada do escritório, no cartão de visitas da empresa, no site, na assinatura de e-mails e em toda comunicação.

Defina as redes sociais a serem usadas

O uso das mídias sociais impulsiona bastante a comunicação com muitos potenciais clientes, simplificando a tarefa de levar esses visitantes para seu website. Para isso, além de estratégia, é necessário determinar em quais redes sociais você deve estar.

Um público engajado? O Twitter é uma opção, já que é fácil começar um debate e comentar as atualidades de forma bem rápida. Trabalha atendendo empresas? O LinkedIn pode ser uma ponte entre seu negócio e novos clientes.
Visibilidade e Branding? Instagram, nesta rede é possível se posicionar mais presente e imersivo com seus clientes, além de poderem acompanharem o dia a dia da sua marca. É uma ferramenta potente de marketing.

O Facebook também é uma mídia social útil aos advogados. A rede permite anúncios com bom alcance e a custos baixos. O segredo para não errar é, sim, se adaptar aos formatos nos diferentes canais, mas sem deixar de lado o discurso da empresa, o que é essencial para novos e atuais clientes.

Tenha um site

Para muitos segmentos, estar online ainda é algo novo. Porém, cabe ressaltar que um site não é somente uma página estática na web, ele pode ter várias funções, tanto para escritórios quanto para profissionais autônomos do direito. Ter um site é essencial para:

  • Estar disponível a qualquer momento: O site pode ser um canal de contato fora do horário comercial. Desse modo, quem pesquisa sobre serviços como o que você fornece ou quiser enviar alguma mensagem, pode ter essas informações rapidamente;
  • Demonstrar autoridade: Conteúdos dentro do site por meio do Blog sobre assuntos do seu domínio, agregam uma autoridade sobre o que se fala, para clientes e possíveis clientes.
  • Conquistar novos clientes: O site facilitará que visitantes, ou seja, novos clientes, ao verificar as informações disponibilizadas  entrem em contato para solicitar um orçamento ou conhecer um pouco mais do seu serviço, seja por e-mail ou telefone;
  • Manter as informações atualizadas: Seja uma mudança no local da empresa, no telefone ou nos serviços, isso deve constar no site. Desse modo, todos os clientes e possíveis clientes sempre poderão te encontrar.

Aplique práticas de marketing local

Um escritório de advocacia ou mesmo um advogado autônomo com um raio de atuação menor pode utilizar o marketing local. Ele se traduz em parcerias, eventos e até nas instalações físicas da empresa.

Por meio de parcerias é possível receber menções e indicações. Nesse contexto, é uma boa opção conhecer outros escritórios que prestem uma assessoria diferente da sua para que indiquem clientes para você fazer o mesmo pelo parceiro.

Outro meio de se destacar em seu raio de atuação é por meio de eventos. Há uma feira de empreendedores em sua cidade onde seu público-alvo pode estar presente? Se não for possível palestrar, por exemplo, ou falar 10 minutos sobre algo interessante, patrocine esse evento para tornar o nome da empresa conhecido.

Ainda em termos de marketing local, também cabe promover seu espaço físico para ser atrativo para visitantes e clientes. Possuir uma sala de espera, música ambiente agradável, estacionamento, se possível, e uma localização estratégica, próxima a um fórum, por exemplo, facilitam a chegada de clientes até você.

Incentive as indicações

Além das indicações por meio de parcerias, os próprios clientes podem ser incentivados a fazer isso. No contexto jurídico, é possível aplicar ações que serão úteis também para fidelizar. Quer um exemplo? Caso o nível de satisfação de clientes esteja bom, defina uma premiação para quem indicar novos clientes, assim ele entrará em um sorteio para ganhar ingressos para o teatro, por exemplo, ou aquilo que você julgar mais conveniente para seu público, outra opção é fornecer um brinde, como uma agenda com seu logotipo, para o cliente e a indicação dele.

Ao estimular indicações, lembre-se que não se trata de uma ação do tipo “varejo”. Faça o que interessa seu público e seja compatível com a identidade da sua empresa.

Restrições do Marketing Jurídico

Código de Ética da OAB é que regula todos os tipos de divulgação da área, assegurando que não haja fraudes ou maiores problemas, tanto para os advogados, quanto para os clientes, além do sigilo de dados e informações. E para você, profissional do Direito, é essencial dominar essas restrições para evitar qualquer punição futuramente.

O código está devidamente listado como:

  • Título I – Da Ética do Advogado – Art. 1º ao Art. 54
    • Capítulo I – Dos Princípios Fundamentais (Art. 1º a Art. 7º)
    • Capítulo II – Da Advocacia Pública (Art. 8º)
    • Capítulo III – Das Relações com o Cliente (Art. 9º ao Art. 26)
    • Capítulo IV – Das Relações com Colegas, Agentes Políticos, Autoridades, Servidores Públicos e Terceiros (Art. 27 ao Art. 29)
    • Capítulo V – Da Advocacia Pro Bono (Art. 30)
    • Capítulo VI – Do Exercício de Cargos e Funções na OAB e na Representação da Classe (Art. 31 ao Art. 34)
    • Capítulo VII – Do Sigilo Profissional (Art. 35 ao Art. 38)
    • Capítulo VIII – Da Publicidade Profissional (Art. 39 ao Art. 47)
    • Capítulo IX – Dos Honorários Profissionais (Art. 48 ao Art. 54)
  • Título II – Do Processo Disciplinar – Art. 55 ao Art. 72
    • Capítulo I – Dos Procedimentos (Art. 55 ao Art. 69)
    • Capítulo II – Dos Órgãos Disciplinares (Art. 70 ao Art. 72)
    • Seção I – Dos Tribunais de Ética e Disciplina (Art. 70 ao Art. 71)
    • Seção II – Das Corregedorias Gerais (Art. 72)
  • Título III – Das Disposições Gerais e Transitórias – Art. 73 ao Art. 80

É importante que o profissional atente-se a todos os pontos e siga a risca, sendo assim não haverá nenhum problema e conseguirá se destacar cada vez mais neste mercado.

Quais efeitos esperar da divulgação?

O marketing tem um efeito muito eficaz para se tornar conhecido, trazendo muitos benefícios como novos clientes, novas parcerias e oportunidades dentro do próprio segmento de Direito. Isso garante maior autoridade à sua marca, e uma visibilidade mais amigável, que hoje é o que os clientes procuram em um profissional.

Publicado por JurisBlog 

12 maio
Lei das Fake News: o que é o PL 2630?

Nas últimas semanas, um tema que tem gerado muita discussão é a chamada Lei das Fake News (PL 2.630/2020). Devido aos intensos debates provocados em todo o país, nesse texto, te explicaremos os principais pontos abordados pela projeto de lei.

(Imagem: Freepik)

O que é a Lei das Fake News?

Em maio, foi apresentado no Senado Federal o PL 2.630/2020. Também denominado como Lei das Fake News, o projeto de lei foi proposto pelo Senador Alessandro Vieira (CIDADANIA – SE) e definido como a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

A votação da proposta estava marcada para o início de junho. No entanto, até então, o projeto não havia recebido um parecer de seu relator, o Senador Angelo Coronel (PSD – BA). Além disso, devido à falta de consenso entre os senadores e as divergências apresentadas pela sociedade, a votação foi adiada até que ocorresse no dia 30 de junho. Através de uma sessão virtual, o texto final do PL foi aprovado com 44 votos favoráveis e 32 votos contrários, seguindo para tramitar na Câmara dos Deputados.

Destaques principais da Lei das Fake News

Desde a apresentação do texto inicial até a votação, o PL recebeu 152 emendas. Após as intensas manifestações da sociedade e as discussões promovidas durante as sessões, o projeto sofreu importantes modificações em relação ao seu conteúdo inicial.

Aprovada pelo Senado Federal, a versão final do texto nos indica no caput de seu art. 1º que a Lei

estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência para provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada a fim de garantir segurança, ampla liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento.

A matéria exclui das suas determinações provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada com menos de dois milhões de usuários brasileiros registrados. Nesse ponto, vale lembrarmos que mídias como Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, WhatsApp e Telegram, amplamente utilizadas no Brasil (com dezenas de milhões de usuários), deverão se enquadrar às novas regras.

Conforme a proposta, a Lei das Fake News busca a aplicação de um programa de boas práticas a partir de “medidas adequadas e proporcionais no combate ao comportamento inautêntico e na transparência sobre conteúdos pagos”. Para tanto, em seu art. 3º, o texto estabelece que devem ser protegidos princípios como:

a) a liberdade de expressão e de imprensa;

b) a garantia dos direitos de personalidade, dignidade, honra e privacidade;

c) o respeito à formação de preferências políticas e de uma visão de mundo pessoal do usuário;

d) o compartilhamento da responsabilidade de preservação de uma esfera pública livre, plural, diversa e democrática;

e) a garantia da confiabilidade e da integridade de sistemas informacionais;

f) a promoção do acesso ao conhecimento de assuntos de interesse público;

g) a proteção dos consumidores; e

h) a transparência nas regras para anúncios e conteúdos patrocinados.

Após as pressões sociais das últimas semanas, que alertavam para os riscos do PL 2.630/2020 à liberdade dos usuários frente à rede, podemos destacar que a versão final aprovada pelo Senado Federal destaca entre seus objetivos “a defesa da liberdade de expressão e o impedimento da censura no ambiente online” (art. 4º, II).

Medidas de responsabilidade

Como medidas de responsabilidade, as redes sociais e os serviços de mensageria privada devem vedar o funcionamento de contas inautênticas e de contas automatizadas não identificadas (ou seja, cuja automatização é desconhecida por provedores e usuários), além de definir que conteúdos patrocinados devem ser identificados para todos os usuários.

Vale destacar, ainda, que outra medida a ser tomada é a restrição, através de políticas de uso, do número de contas por usuário (art. 6º, § 5º). Além disso, o texto permite que sejam exigidos dos usuários a sua identificação por meio de documento de identidade válido, em caso de descumprimento às determinações da Lei ou por ordem judicial específica.

No caso de contas em desacordo com a legislação, os provedores responsáveis por plataformas virtuais (como o Twitter, por exemplo) também devem tornar públicas informações e documentos relacionados às contas identificadas. Publicações com conteúdos considerados inapropriados (como incitação à violência, exploração sexual infantil ou fake news contra candidatos) poderão ser excluídos imediatamente após a sua postagem.

Novas práticas da Lei das Fake News

Entre as inovações previstas pela matéria, os serviços de mensageria privada deverão possibilitar aos usuários que aceitem ou rejeitem a sua inclusão em grupos de mensagens e listas de transmissões, além de que deverão desabilitar, por padrão, a inclusão de usuários no encaminhamento de mensagens para múltiplos destinatários (art. 9º, III, IV). Porém, permanecem exigidos o limite de encaminhamentos de uma mesma mensagem a usuários ou grupos (no WhatsApp, esse limite é de cinco encaminhamentos), bem como o número máximo de 256 membros por grupo de mensagens.

Para fins judiciais, torna-se obrigatório que as redes sociais detenham a guarda de registros de envios massivos de mensagens para mais de mil usuários e cujo conteúdo tenha sido identificado como ilícito. Além disso, é vedado o uso e a comercialização de ferramentas externas de disparo em massa de mensagens, devendo os provedores de aplicação coibi-las, dentro de seus limites técnicos.

Relatórios

Conforme a versão final do texto, as redes sociais e os serviços de mensageria privada passam a ter a responsabilidade de publicar, trimestralmente, relatórios de transparência com padrões tecnológicos abertos, contendo uma série de informações relacionadas ao programa de boas práticas proposto pela Lei.

Além da obrigatoriedade em apontar possíveis redes artificiais de disseminação de conteúdo e em permitir o compartilhamento facilitado de dados com instituições de pesquisas acadêmicas, conforme o art. 13 do PL, os relatórios devem conter, no mínimo, informações com números totais:

a) de usuários brasileiros e de usuários localizados no Brasil;

b) de medidas de moderação de contas e conteúdos adotadas, com a motivação e o tipo de metodologia utilizada na detecção da irregularidade;

c) de contas automatizadas, redes de distribuição artificial, conteúdos impulsionados e publicitários não identificados, com as medidas, motivações e tipo de metodologia adotadas para a detecção da irregularidade;

d) de medidas de identificação de conteúdo e os tipos de identificação, remoções ou suspensões que foram revertidas pela plataforma;

e) de características gerais do setor responsável por políticas aplicáveis a conteúdos gerados por terceiros, incluindo informações sobre a qualificação, a independência e a integridade das equipes de revisão de conteúdo por pessoa natural;

f) de médias de tempo entre a detecção e a adoção de medidas em relação às contas ou conteúdos;

g) de dados relacionados a engajamentos ou interações com conteúdos que foram identificados como irregulares, incluindo número de visualizações, de compartilhamentos e alcance; e

h) de atualizações das políticas e termos de uso feitas no trimestre, a data da modificação e a justificativa para a sua adoção.

Além disso, torna-se obrigatória a garantia de acesso à informação e à liberdade de expressão dos usuários quanto à elaboração e aplicação dos termos de uso de redes sociais e serviços de mensageria privada.

Para tanto, a matéria propõe o combate à disseminação de desinformação e às redes artificias de distribuição de conteúdos, principalmente através do desencorajamento de compartilhamento de conteúdos inautênticos, à medida que também busca defender o fomento à diversidade de informações, desde que livre de automatização.

Questões eleitorais

Sob as exigências da Lei Eleitoral (Lei nº 9.504/1997), o PL prevê que as redes sociais disponibilizem à Justiça Eleitoral todos os anúncios identificados como propaganda eleitoral e que tenham sido impulsionados, além de conteúdos que mencionem candidato, coligação ou partido, identificando características gerais como: valores gastos para propaganda na internet; CNPJ ou CPF do responsável pela contratação da propaganda; e tempo de veiculação da propaganda.

De acordo com o art. 16 da matéria:

Art. 16. Os provedores de redes sociais devem disponibilizar mecanismos para fornecer aos usuários as informações do histórico dos conteúdos impulsionados e publicitários com os quais a conta teve contato nos últimos 6 (seis) meses.

Responsabilização do poder público

Quanto ao poder público, o PL estabelece uma série de responsabilidades relacionadas à Administração Pública brasileira. Conforme o art. 18, tornam-se de interesse público as contas de agentes políticos ocupantes de mandatos eletivos. Nesse caso, ficam sujeitas as contas oficiais de vereadores, deputados estaduais/distritais, deputados federais e senadores, bem como de prefeitos e vice-prefeitos, governadores e vice-governadores e presidente e vice-presidente, além de outros cargos de gestão de órgãos públicos diretos e indiretos.

No entanto, o art. 24 do PL resguarda:

Art. 24. É vedado perseguir e de qualquer forma prejudicar o servidor público em função de conteúdo por ele compartilhado em caráter privado, fora do exercício de suas funções e que não constitua material cuja publicação tenha vedação prevista em lei.

Além disso, o texto cria o Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, que deverá ser composto por 21 conselheiros, com indivíduos de diferentes setores da Administração Pública e da sociedade civil e que ficará responsável pelo acompanhamento das medidas estabelecidas pela proposta.

Sanções

De acordo com o Capítulo VI do PL 2.630/2020, que trata das sanções:

Art. 31. Sem prejuízo das demais sanções civis, criminais ou administrativas, os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada ficam sujeitos a:

I – advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas; ou

II – multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício.

§1º Na aplicação da sanção, a autoridade judicial observará a proporcionalidade, considerando a condição econômica do infrator, as consequências da infração na esfera coletiva e a reincidência.

§2º Para os efeitos desta Lei, será considerado reincidente aquele que repetir no prazo de 6 (seis) meses condutas anteriormente sancionadas.

Além disso, para o caso de aplicação de multas, observamos que no art. 33 da matéria que “os valores das multas aplicadas com base nesta Lei serão destinados ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) e serão empregados em ações de educação e alfabetização digitais”.

Debates e argumentos

Como visto, a versão final do PL 2.630/2020 estabelece uma série de medidas válidas para redes sociais e usuários com a intenção de coibir o compartilhamento de desinformações na internet.

No início do artigo, mencionamos que a Lei das Fake News tem dividido opiniões entre a sociedade e os parlamentares envolvidos no processo de construção da proposta. Por esse motivo, destacamos os principais argumentos favoráveis e contrários ao projeto de lei, que têm sido manifestados por diversos usuários nas principais redes sociais utilizadas no Brasil e que foram expostos nas sessões virtuais do Senado Federal.

 

Argumentos favoráveis

Entre os usuários que apoiam a aprovação da Lei das Fake News, podemos destacar que há o entendimento de que é necessário o combate à desinformação nos ambientes virtuais de interação social, sobretudo as redes sociais. Além disso, há o reconhecimento da dificuldade de muitos indivíduos em identificar conteúdos desinformativos, devido à comum realidade de grande parte dos usuários, que utilizam as redes sociais apenas como meio de entretenimento, sem colocar todos os conteúdos que veem sob análise crítica.

Outra questão apontada em favor da proposta trata da proteção das privacidades individual e coletiva na internet, que deverá ser assegurada após a Lei entrar em vigor, caso seja aprovada no Congresso Nacional. Por fim, também ganharam destaque a necessidade de controle do disparo massivo de mensagens (que hoje ocorre através de redes de disseminação artificial de conteúdos) e a preocupação com a propaganda irregular de candidatos a cargos eletivos, em períodos eleitorais.

Argumentos contrários

Por outro lado, em oposição às propostas do PL 2.630/2020, os usuários contrários à sua aprovação destacam, em primeiro lugar, a falta de consenso sobre o assunto, visto que não existe hoje uma visão única que garanta a eficácia do poder público em aplicar às determinações da Lei das Fake News.

Outra questão é a possibilidade de cerceamento dos usuários frente à rede e o risco à liberdade de expressão em um ambiente plural, já que, conforme a proposta, as redes sociais poderão exigir apresentação de documento de identidade válido aos usuários (em casos específicos, como abordado ao longo do texto) e, além de cobrar uma série de informações a partir dos relatórios periódicos que serão apresentados pelas redes sociais, o Estado deverá realizar a checagem e o controle de mensagens consideradas inadequadas e/ou desinformativas.

Considerações finais

Hoje reconhecemos que, ao longo das últimas décadas, a disseminação do acesso ao mundo digital por pessoas de diferentes classes socioeconômicas tem contribuído para a ampliação do envolvimento da sociedade na esfera pública.

Diante desse cenário, as redes sociais assumiram um importante papel no compartilhamento de ideias e conteúdos por pessoas comuns, permitindo com que os cidadãos assumam todos os dias posições de protagonismo frente à realidade. A partir do surgimento de ferramentais digitais de participação política, a internet foi transformada em um instrumento importante de exercício do poder pelo povo.

Entre outros benefícios, as ferramentas digitais possibilitam com que os cidadãos tenham acesso àquilo que antes estava restrito à elite política e permitem com que a própria sociedade, munida de informações e conhecimentos, promova debates e dialogue com maior frequência tanto com o poder público quanto com outros setores sociais. Em especial, podemos destacar as conquistas obtidas através da Lei nº 12.527/2011, denominada de Lei de Acesso à Informação (ou, simplesmente, LAI).

A LAI determina um conjunto de obrigações aos órgãos e entidades do poder público quanto à divulgação de informações, dados e documentos para livre acesso da população, principalmente por meio de canais digitais (excetuando-se casos previstos como imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado).

Logo, observamos que, através de mecanismos como os que são oferecidos pela LAI, a sociedade brasileira pode participar de forma democrática da vida política do país e cobrar cada vez mais responsabilidade do poder público, utilizando-se da conexão e da interação proporcionadas pelos canais digitais, sobretudo as redes sociais e os serviços de troca instantânea de mensagens.

Sabemos que o século XXI trouxe muitas inovações à humanidade, mas também impôs desafios muito grandes. Vivemos em tempos nos quais complexos algoritmos têm a capacidade de induzir nosso comportamento, notícias falsas insistem em ser compartilhadas de maneira desenfreada e somos condicionados a viver lidando com pós-verdades.

Cabe-nos destacar que a Constituição Federal, nos seus incisos II, IV e IX de seu art. 5º, estabelece que:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Logo, devemos lidar com a responsabilidade de examinar de forma calma e lúcida como o poder público tem buscado regular a maneira como vivemos e agimos, a fim de que não sejamos submetidos no futuro a estruturas distópicas como as apresentadas por Aldous Huxley, em sua obra Admirável mundo novo, e George Orwell, em 1984, nas quais o Estado determina exatamente como será a vida de cada um de seus cidadãos e os condiciona a penalidades incontornáveis.

Publicado por Politize 

08 fev
ChatGPT-3: primeiras impressões – Nazareno Reis

Artigo escrito pelo professor da Escola de Direito Aplicado Nazareno Reis

Nos últimos dias, virou febre na internet conversar com o robô ChatGPT-3[1]. Trata-se de um poderoso modelo de Inteligência Artificial para o processamento de linguagem natural (PLN), pertencente à empresa OpenAI, que consegue manter uma conversa por escrito com um ser humano sobre praticamente qualquer tema.

A coisa ainda está num estágio experimental, mas já aberta para uso por qualquer um que se interesse. Basta acessar o site https://chat.apps.openai.com/auth/login e seguir as instruções.

Já há notícias de que o ChatGPT conseguiu ser aprovado nos testes de proficiência para ser médico, advogado e concluir um MBA nos Estados Unidos[2]. Uma mulher britânica de 37 anos, residente em Londres, decidiu deixar o marido e assumir o amante que conheceu online, depois de ser aconselhada pelo ChatGPT[3]. No Brasil, o robô escreveu, em 50 segundos, uma redação sobre o tema do Enem2022, com um nível bem razoável de expressividade[4]. Um homem publicou um livro infantil escrito e ilustrado inteiramente pelo GPT-3[5], em poucos dias, suscitando a revolta de alguns artistas com o uso da criatividade humana por máquinas.

(Imagem: freepik)

É possível pedir ao ChatGPT-3 para traduzir e resumir um livro em outro idioma, escrever poesias ou músicas, gerar diálogos entre personagens de um livro ou filme, com base nos perfis oferecidos pelo usuário etc. Enfim, o ChatGPT-3 pode funcionar como um assistente pessoal superinteligente; um oráculo capaz de responder virtualmente a qualquer pergunta que se faça sobre qualquer tema, em questão de segundos e com satisfatória redação. Lembra um pouco aqueles assistentes pessoais de super-heróis dos quadrinhos e do cinema, como o J.A.R.V.I.S., do Homem de Ferro. Com o detalhe de que, por enquanto, o robô GPT-3 se comunica apenas por escrito com o usuário.

A grande novidade desse chatbot é que ele foi treinado numa colossal base de dados e dispõe de nada menos que 175 bilhões de parâmetros para decidir sobre o texto que vai escrever como resposta a alguma demanda que lhe é apresentada. Para que se tenha uma ideia do tamanho disso, o ChatGPT2 tinha “apenas” 1,5 bilhão de parâmetros.

Como resultado dessa vasta “experiência” com dados, o ChatGPT-3 pode responder por escrito, sem nenhum ajuste especial, desde questões filosóficas, até receitas de bolo, passando por matemática, ciências, biologia, astronomia etc. O GPT-3, por isso mesmo, pode em tese ser usado como tradutor, programador, professor, escritor de ficção, jurista, conselheiro amoroso, poeta, e por aí vai.

Apesar dessa grande versatilidade, não dá para dizer ainda que o ChatGPT-3 é uma Inteligência Artificial Geral (AGI, na sigla em inglês para Artificial General Intelligence) — até porque a inteligência humana, que seria o parâmetro absoluto para medir o que é a inteligência em si, não atua apenas por meio de textos, mas também por meio de imagens, sons, sensações táteis e até pelo silêncio e pela inação. Mas, sem dúvida, é o mais próximo que se chegou de uma AGI, até este momento.

Os algoritmos Processamento de Linguagem Natural (PLN) de última geração eram treinados em tarefas particulares — como, por exemplo classificação de sentimentos e classificação textual —, usando aprendizado supervisionado. O ChatGPT-3 foi pensado para lidar com qualquer assunto a respeito dos quais ele tenha sido treinado, desde que a pergunta seja feita por escrito em certos idiomas, e isso tudo sem qualquer supervisão humana específica dos seus desenvolvedores.

(Imagem: freepik)

Os modelos GPT têm sido concebidos para aprender um modelo de linguagem usando dados não rotulados, isto é, sem significado explicitamente indicado pelo programador. Apenas para ajustar o modelo são fornecidos exemplos de tarefas específicas. Nos modelos de aprendizado supervisionado, o programador apresenta o objeto e o associa ao respectivo nome (rótulo); no GPT, os objetos e os nomes são apresentados como aparecem no dia a dia e o programa deve inferir as conexões entre eles pela massa dos exemplos que são oferecidos. Mal comparando: no aprendizado supervisionado, a máquina aprende uma língua com um professor; no não supervisionado, tem que aprender sozinha, por superexposição aos dados e inferência estatística de padrões, com correções e ajustes sendo feitos a partir dos feedbacks dos “nativos” do idioma.

Em todo caso, mesmo no aprendizado não supervisionado, o desenvolvimento do modelo não se faz por exposição a dados brutos. Os dados de treinamento são tratados antes de serem apresentados ao modelo de linguagem, num procedimento conhecido como pré-processamento de dados. Isso é para dizer que, mesmo num programa tão avançado e complexo como o GPT, o recorte inicial do que a máquina deve conhecer é escolhido pelo desenvolvedor. Há um efeito de enquadramento aqui e isso tem consequências posteriores sobre o design final do modelo.

É impossível dizer agora quais serão as consequências sociais da incorporação de “motores de conversação”, como o ChatGPT-3, à vida cotidiana das pessoas, das empresas e dos governos. Mas certamente elas serão muitas.

Em primeiro lugar, o uso da internet deve mudar bastante. Quando olhamos para a maneira como a web é usada hoje pela maioria das pessoas — com exceção das redes sociais, que têm uma lógica diversa — percebemos que ela ainda é muito tributária da visão original de Tim Barners-Lee, o pai da web, a saber: há um grande livro (hipertexto), formado por muitas páginas (sites), que podemos “navegar” (não seria melhor “folhear”?) conforme o nosso interesse, com a ajuda de índices móveis ad hoc, dos quais o Google é o mais importante.

(Imagem: freepik)

Com os motores de conversação, deverá ocorrer uma mudança importante: as fontes das informações passarão a segundo plano e o usuário focará em um resultado interpretado, ou seja, um resumo bem estruturado do tema, em vez de vários textos para ler (muitos deles irrelevantes).

Vamos a um exemplo, típico da área jurídica, para esclarecer melhor o que dizemos: imaginemos que um aluno de graduação (ou mesmo um bacharel), deseje saber o que é “hipoteca”. Ele então digita a palavra “hipoteca” no Google. O motor de busca produz mais de 34 milhões de resultados em 0,45 segundos. Na prática, dificilmente alguém passa da primeira página dos milhões de resultados, o que indica haver certa desproporção dos resultados em relação à expectativa média dos usuários. Enfim, os resultados são vários links sobre o tema, com artigos, notícias e toda ordem de postagens que tangenciam o tópico e sobre os quais o usuário deverá ainda se debruçar para extrair a informação que deseja.

Agora, se o mesmo usuário fizer a pergunta “O que é hipoteca?” para o ChatGPT-3, a resposta será essa (ou algo aproximado, já que o modelo evolui): “Hipoteca é um empréstimo garantido por uma propriedade imobiliária. Ela é concedida pelo banco ou outra instituição financeira e é usada para financiar a compra de uma casa ou outro imóvel. O mutuário, ou tomador do empréstimo, coloca a propriedade como garantia para o empréstimo e se compromete a pagar as parcelas do empréstimo, juntamente com juros e outros encargos, de acordo com as condições acordadas no contrato de hipoteca. Se o mutuário não pagar as parcelas do empréstimo, a instituição financeira pode tomar posse da propriedade e vendê-la para recuperar o valor do empréstimo.”

Certo, essa não é uma resposta perfeita. Ela contém algumas imprecisões, mas é mais do que suficiente para que se tenha uma boa ideia do que é hipoteca. E o mais interessante é que vem num formato imediatamente legível e compreensível (e “colável”, infelizmente), sem a necessidade de novos cliques em inúmeros outros links para aumentar a legibilidade da pesquisa.

(Imagem: freepik)

Comparando esses dois formatos de resultados de pesquisa, é justo supor que o design dos motores de busca — e até o modelo de negócios de empresas responsáveis por eles — deve mudar em breve, dada a concorrência dos motores de conversação. Hoje o Google e seus homólogos têm importante fatia do seu faturamento atrelada à colocação de páginas patrocinadas no topo de seus resultados de busca. Como não haverá “resultados de busca” nos motores de conversação, senão a própria resposta já formulada em formato imediatamente legível pelo usuário, então provavelmente esses serviços serão oferecidos por meio de streaming, mediante assinatura mensal, visto que não será viável, em princípio, a promoção explícita de certas páginas patrocinadas.

Em contrapartida, uma preocupação importante trazida pelo uso do ChatGPT-3 é que ficará ainda mais difícil para os produtores de conteúdo controlar o uso de suas criações. O ChatGPT-3 não indica especificamente de onde extrai as suas respostas diretas e sucintas, embora seja claro que ele tira de conteúdos hospedados na web.  Indagado sobre quais são as bases de dados que usa para produzir as suas incríveis respostas sobre tudo que há, o ChatGPT-3 respondeu: “Eu sou treinado com uma variedade de fontes de dados, incluindo artigos de notícias, livros eletrônicos, sites e fóruns na internet. Isso me permite responder a uma variedade de perguntas e tópicos.” Resposta bastante elusiva, como se vê.

A questão da fraude em provas e trabalhos acadêmicos é outro ponto sensível. Os maus alunos de cursos de graduação ou pós-graduação poderão, em tese, assumir para si a autoria de textos produzidos mediante perguntas ao ChatGPT-3. Isso evidentemente é uma manipulação da IA para um propósito malicioso — que, no entanto, por infelicidade pode ocorrer na prática.

Para além dos eventuais controles pedagógicos das universidades, colégios e instituições de ensino em geral, estima-se que a solução para isso talvez esteja na criação de outros algoritmos, capazes de sondar o texto para saber se ele foi produzido por máquinas; ou então na incorporação no próprio design do ChatGPT-3 de uma espécie de “marca d´água” digital que aponte a origem do texto[6]. Essa é uma questão que promete muitas vicissitudes ainda.

(Imagem: freepik)

Os vieses também merecem cuidadosa atenção. Já se sabe que um dos grandes problemas dos algoritmos é que eles tendem a reproduzir visões distorcidas da realidade, o que se torna mais grave por causa da escala que isso alcança na internet. Se, em vez de dar uma lista de fontes, como nos motores de busca, o algoritmo de conversação tem de dar uma resposta resumida sobre o que foi perguntado pelo usuário, aumentam proporcionalmente as chances de enviesamento, por conta da condensação que precisa ser feita para produzir a síntese de tudo que foi encontrado, deixando de lado detalhes contextuais que eventualmente podem ser relevantes para uma boa compreensão de certos temas.

A superação dos vieses depende fundamentalmente de um conjunto de dados de treinamento apropriado e de ajustes posteriores no design do algoritmo, conforme sejam apresentados elementos objetivos que indiquem a efetiva ocorrência de enviesamento. Esse não é um problema exclusivo ou particularmente mais grave no ChatGPT-3, mas antes é típico de todos os algoritmos que lidam com grandes conjuntos de dados. É provável, inclusive, que medidas de profilaxia anti-viés se tornem rotineiras em algoritmos que operem com o público em geral, dada a inerente tendência para o enviesamento de modelos estatísticos.

Olhando pela perspectiva do trabalho, o ChatGPT-3 tem potencial para abalar uma série de profissões. Se, no passado, as tecnologias eliminaram postos de trabalho entre os menos letrados, agora parece que estamos diante de uma ferramenta que tem capacidade para abalar profissões intelectuais — na verdade, principalmente elas.

Com efeito, a existência de uma coisa que pode responder bem, por escrito, a dúvidas sobre tudo, é uma clara ameaça, em tese, a todas as profissões que se baseiam em conhecimentos técnicos e que se exercem predominantemente por escrito (assim, por exemplo, as profissões jurídicas em geral). É claro que temos de considerar também a contracorrente formada pelas pressões de ordem política, econômica e mesmo cultural que se farão para manter os postos de trabalho nas mãos das pessoas, mas não podemos desprezar a força dos fatos. Há empregos e profissões em perigo, sim.

(Imagem: freepik)

Para ilustrar isso, convém lembrar que recentemente Joshua Browder, dono da empresa DoNot Pay, anunciou pelo Twitter que um robô de sua empresa daria assistência, como se advogado fosse, a uma pessoa num tribunal americano. Convenientemente, ele deixou de mencionar onde e quando se daria o julgamento e qual seria o processo, para evitar impugnações. Mas, poucos dias depois do anúncio, o conselho dos advogados locais conseguiu impedir a experiência[7], ameaçando de prisão Joshua Browder. Outro exemplo que, graças a uma reportagem da revista Wired de 2019[8], sempre é lembrado quando se fala de perda de postos de trabalho para computadores, é o de robôs-juízes que estariam atuando na Estônia. Tal fato, no entanto, foi categoricamente negado pelo Ministério da Justiça daquele país[9]. Isso não quer dizer, claro, que a ideia não possa ser cogitada em algum momento no futuro, aqui ou no exterior.

Ao lado desses senões e de muitos outros que ainda se apresentarão, não podemos deixar de ver, já nesses primeiros contatos, muitas coisas boas que o ChatGPT-3 e seus similares poderão trazer. De fato, ter um assistente virtual superinteligente que responda a todas as nossas dúvidas, a qualquer hora do dia ou da noite, pode nos poupar tempo e energia, simultaneamente aumentando a nossa produtividade. Basta pensar no próprio Google, que tem desempenhado, ao longo dos últimos anos, função semelhante à de assistente pessoal em algumas circunstâncias. Quantas tarefas do dia a dia e do trabalho foram facilitadas pelo Google? Inúmeras! O mesmo deve ocorrer quando o ChatGPT-3 entrar em operação para valer e se incorporar aos hábitos cotidianos.

Yann LeCun, uma das maiores autoridades do mundo em Inteligência Artificial, fez um prognóstico auspicioso, numa recente publicação em uma rede social. Ele disse que, num mundo em que todos tiverem acesso a um assistente pessoal com Inteligência Artificial, o conhecimento e a inteligência se tornarão menos importantes do que a motivação, o senso moral e a habilidade para ouvir, assim como se passa com grandes líderes, que são cercados por gente que sabe mais do que eles mesmos, e nem por isso perdem a sua proeminência.

Esse é um destino possível e francamente desejável, mas receio que, para chegar lá, tenhamos ainda um longo e acidentado caminho a percorrer.


[1] O “Chat” é de conversa, em inglês, e o “GPT-3” é para se referir à terceira geração de um algoritmo de Generative Pretrained Transformer.

[2] ChatGPT: inteligência artificial é aprovada em provas para médico, advogado e MBA nos EUA | Exame

[3] Mulher decide se divorciar de seu marido e ficar com seu amante porque o bot de IA ChatGPT lhe disse para | Daily Mail Online

[4] Robô ‘ChatGPT’ escreve redação do Enem em 50 segundos; saiba quanto ele tiraria na prova | Educação | G1 (globo.com)

[5] AI-generated kids’ book using ChatGPT, Midjourney caught in art debate – The Washington Post

[6] Há possibilidade técnica de se fazer isso, conforme se vê em: A Watermark for Large Language Models (arxiv.org)

[7] AI-powered “robot” lawyer won’t argue in court after jail threats – CBS News

[8] Can AI Be a Fair Judge in Court? Estonia Thinks So | WIRED

[9] Estonia does not develop AI Judge | Justiitsministeerium

30 jan
STF e a desnecessária agitação midiática em torno da “demissão sem justa causa”: na prática, nada mudará para as empresas

Artigo escrito por Raphael Miziara, Doutorando em Direito do Trabalho (USP)

Os primeiros dias do ano de 2023 começaram agitados para o Direito do Trabalho. Circula nas redes sociais, com alguma intensidade, a notícia de que o STF poderá “proibir demissão sem justa causa”. O fato tem causado pânico e preocupação em muitos empresários.

Não poderia ser diferente, pois a imprensa, como tem sido praxe nos tempos de “caça cliques”, tem propagado a notícia de forma totalmente deturpada e sem o devido compromisso técnico, sempre com o objetivo de atrair e chocar o leitor. Contudo, o que mais causa espanto, é a quantidade de comentários e postagens recheadas de equívocos feitas pelos próprios profissionais da área trabalhista nas super confiáveis dicas de instagram e de tiktok, algumas, inclusive, com erros banais, tal como tratar como sinônimos os institutos da despedida sem justa causa e o da despedida imotivada.

Diante das considerações acima, tornou-se necessário um texto que tenha por objetivo esclarecer importantes pontos sobre a tão divulgada notícia. Em síntese, é preciso explicar os motivos pelos quais não há praticamente nenhuma chance de, na prática, os empregadores não mais poderem realizar despedidas sem justa causa e, inclusive, de forma imotivada. Na prática, para fins de despedida imotivada e/ou de demissão sem justa causa, nada vai mudar com o julgamento do STF, como será explicado a seguir, sendo que toda a repercussão midiática em torno do assunto tem mais a “cara” de terrorismo desnecessário do que o real propósito de informar.

De forma sucinta, porém, sem descuidar de detalhes necessários ao entendimento da questão, além das colocações até aqui descritas, o texto ainda está dividido em quatro partes: i) inicialmente, apresenta ao leitor o que é e do que trata a Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); ii) posteriormente, o texto apresenta a discussão existente quanto aos requisitos ou pressupostos necessários para que uma Convenção da OIT seja retirada do ordenamento jurídico brasileiro; iii) em terceiro lugar, busca o texto apresentar um breve resumo do que está em jogo perante o STF, ou seja, tenta demonstrar o que envolve a controvérsia que o STF irá julgar e o motivo pelo qual esse caso está sob julgamento. É o que no meio jurídico se denomina, em síntese, de “objeto” da ação; iv) por fim, objetiva o texto explicar os motivos pelos quais não há praticamente nenhuma chance de, na prática, os empregadores passarem a ser obrigados a terem que motivar suas despedidas, ou seja, na prática, para fins de demissão imotivada e sem justa causa, nada vai mudar com o julgamento do STF.

 

Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

No ano de 1982, a OIT aprovou a Convenção n.º 158, intitulada “Convenção sobre o Término da Relação de Trabalho”, que impõe aos empregadores a obrigação de justificar o término da relação de emprego, conforme previsto em seu artigo 4º, a seguir transcrito: “Art. 4 — Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”. Como se nota, de acordo com a referida norma internacional, a extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregador deve ser, necessariamente, justificada (motivada). Dito de outro modo, a Convenção proíbe a despedida imotivada do empregado, o que não se confunde com despedida sem justa causa.

Neste ponto, uma importante distinção se mostra necessária. Despedida sem justa causa é aquela na qual o empregador, por sua iniciativa, põe fim ao contrato de trabalho sem se basear em alguma das hipóteses de justa causa previstas no artigo 482 da CLT. Instituto diverso é o da despedida imotivada, entendida como aquela por meio da qual o empregador coloca fim ao contrato sem que exponha os motivos que ensejaram a ruptura do contrato. Em nenhum momento a Convenção n.º 158 da OIT proibiu a despedida sem justa causa. O objetivo da norma internacional é evitar a despedida imotivada. Apenas por essa distinção já é possível notar os equívocos das manchetes dos principais noticiários do país que relacionam o caso do STF com a despedida “sem justa causa”.[1]

Para que uma norma internacional tenha validade e vigência dentro do Brasil é necessário que ela passe por uma sistemática procedimental de internalização. Em apertada síntese, o procedimento possui quatro fases: a) assinatura, em regra, pelo Presidente da República; b) aprovação da norma internacional pelo Parlamento brasileiro; c) ratificação; d) publicação do decreto executório.

A Convenção n.º 158 da OIT teve a sua aprovação pelo Congresso Nacional brasileiro por meio do Decreto Legislativo n.º 68, de 16.09.1992. Sua ratificação se deu em 05.01.1995 e a sua promulgação se pelo Decreto n.º 1.855, de 10 de abril de 1996. Ocorre que pouquíssimo tempo depois, o Presidente da República, sem a participação do Congresso Nacional, denunciou a Convenção, por meio do Decreto n.º 2.100, de 20.12.1996. E, foi justamente em razão dessa denúncia que se instaurou a controvérsia perante o STF, pois uma das questões mais controvertidas em relação à denúncia dos tratados é a legitimidade do Poder Executivo ou do Poder Legislativo na iniciativa unilateral para denúncia de um tratado. A controvérsia gira em torno da aplicação dos chamados princípios do ato contrário e o da continuidade da vontade nacional.

Pelo princípio do ato contrário, se a participação do Congresso Nacional é obrigatória para a ratificação dos tratados internacionais, a sua desconstituição (denúncia) também torna imprescindível a participação do Congresso Nacional. Sucintamente, o tratado só pode ser denunciado caso sejam observadas as mesmas condições que o originaram. Logo, se das duas vontades tiverem de somar-se para a conclusão do pacto, é preciso vê-las de novo somadas para seu desfazimento.

Por outro lado, a teoria da Continuidade da Vontade Nacional propugna que se ambas as vontades (Executivo e Legislativo) são necessárias para que o Estado possa se obrigar originariamente, lançando-se numa relação contratual internacional, reputa-se suficiente a vontade de apenas um daqueles dois poderes para desobrigá-lo por meio da denúncia. Isso quer dizer que nenhum tratado pode continuar vigendo contra a vontade de um dos poderes. Assim, para Franciso Rezek, por exemplo, o ânimo negativo de um dos dois poderes em relação ao tratado há de determinar sua denúncia, visto que significa o desaparecimento de uma das bases em que se apoiava o consentimento do Estado.

Tradicionalmente, a praxe brasileira sempre acolheu a teoria da Continuidade da Vontade Nacional. Mas, o STF terá agora a chance de impor a adoção do princípio do ato contrário. O resultado desta ADI passará a balizar a problemática de legitimidade ou não do Executivo e do Legislativo na primazia de denúncia de tratados.

A discussão, que não é nova, foi recentemente retomada em razão do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 1625. Referida ADI foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura – CONTAG com o objetivo de questionar a constitucionalidade do Decreto n.º 2.100/1996, por meio do qual o então Presidente da República deu publicidade à denúncia à Convenção n.º 158 da OIT. Na ADI, sustenta-se que o Decreto que denunciou a Convenção é inconstitucional por violar a separação dos poderes, pois, ao fim e ao cabo, seria necessária a participação do Parlamento, como bem orienta o princípio do ato contrário.

Em resumo, a discussão consiste em saber qual é o procedimento a ser adotado no âmbito do direito interno para promover a denúncia de preceitos normativos decorrentes de acordos internacionais. Enfim, se a norma constitucional (artigo 49, I, CRFB/88) só se refere à aprovação ou também à denúncia.

Alguns Ministros já votaram. O saudoso Ministro Teori Zavascki acompanhou a orientação de que é necessária a participação do Poder Legislativo na revogação de tratados e sugeriu modulação de efeitos para que a eficácia do julgamento seja prospectiva. Em seu voto, propôs tese segundo a qual “a denúncia de tratados internacionais, pelo presidente da República, depende de autorização do Congresso Nacional”.

Já nas palavras da Ministra Rosa Weber, “a derrogação de norma incorporadora de tratado pela vontade exclusiva do presidente da República, a meu juízo, é incompatível com o equilíbrio necessário à preservação da independência e da harmonia entre os Poderes (artigo 2º da Constituição da República), bem como com a exigência do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV) […] por isso, não se coaduna com o Estado Democrático de Direito”.

Atualmente, a situação é a seguinte: já foram proferidos 8 (oito) votos. Dos ministros que já votaram, já há maioria formada pela necessidade de participação do Congresso Nacional na denúncia de um tratado, o que indica que prevalecerá a tese do princípio do ato contrário.

Até 03.11.2022, o feito estava com vista ao Ministro Dias Toffoli, que na referida data proferiu voto-vista no sentido de julga improcedente o pedido formulado na ADI, mantendo a validade do Decreto nº 2.100, de 20 de dezembro de 1996, mas com a proposta de tese no sentido de que “a denúncia pelo Presidente da República de tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, para que produza efeitos no ordenamento jurídico interno, não prescinde da sua aprovação pelo Congresso, entendimento que deverá ser aplicado a partir da publicação da ata do julgamento, mantendo-se a eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal, formulando, por fim, apelo ao legislador para que elabore disciplina acerca da denúncia dos tratados internacionais, a qual preveja a chancela do Congresso Nacional como condição para a produção de efeitos na ordem jurídica interna, por se tratar de um imperativo democrático e de uma exigência do princípio da legalidade”.

Em seguida ao voto do Ministro Dias Toffoli, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes. Já o Ministro Ricardo Lewandowski antecipou seu voto e acompanhou o voto da Ministra Rosa Weber (Presidente). Não votam no caso os Ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia por sucederem, respectivamente, aos Ministros Teori Zavascki, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Maurício Corrêa (Relator) e Nelson Jobim, que já proferiram voto em assentadas anteriores.

Contudo, mesmo que a ADI seja julgada procedente e a Convenção nº 158 se reestabeleça, o efeito prático poderá ser nenhum, pois é preciso lembrar que no julgamento da medida cautelar na ADI 1480, que questionava a constitucionalidade da Convenção 158 da OIT (sobre término da relação de trabalho por iniciativa do empregador), o STF entendeu que as normas da Convenção não eram inconstitucionais, desde que fossem interpretadas como sendo não autoaplicáveis, pois a sua aplicação direta violaria a reserva de Lei Complementar do art. 7º, I, da CR/88. (ADI 1480, Relator: Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/1997, DJ 18/05/2001), de modo que a Convenção teria conteúdo meramente programático, ou seja, uma mera intenção sem efeito vinculante.

Além da questão da reserva de Lei Complementar, outro ponto mostra-se importante para demonstrar que, na prática, nada mudará: mesmo que a ADI seja julgada procedente, por certo o STF modulará os efeitos da decisão, de modo que o novo entendimento só vincule a partir do julgamento, ou seja, com efeitos para o futuro, mantendo-se a eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal. Isso porque, caso os efeitos não sejam modulados, o que geraria eficácia ex tunc (desde a data da publicação do decreto de denúncia), todas as despedidas realizadas seriam consideradas nulas, o que geraria, sem dúvidas, caos desnecessário com o consequente ajuizamento de milhares de ações judiciais.

[1] Isto É: “Sem justa causa? Sindicatos e STF podem arrasar o mercado de trabalho”. Disponível em <https://istoe.com.br/sem-justa-causa-sindicatos-e-stf-podem-arrasar-o-mercado-de-trabalho/>; Folha: “O que está em jogo no julgamento do STF sobre demissões sem justa causa”. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/01/o-que-esta-em-jogo-no-julgamento-do-stf-sobre-demissoes-sem-justificativa.shtml>; O Globo: “STF pode proibir demissão sem justa causa? Entenda”. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/01/stf-pode-proibir-demissao-sem-justa-causa-entenda.ghtml>

 

Artigo escrito por

Raphael Miziara

Doutorando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) – Mestre em Direito do Trabalho e das Relações Sociais (UDF) – Especialista em Direito do Trabalho e Governança Global pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha) – Advogado e Consultor Jurídico nas áreas trabalhista e de proteção de dados

18 jan
Assumindo crimes para salvar a empresa: lições de mediação para uma solução de conflitos a partir do filme “7 años”

Artigo escrito pelo professor da Escola de Direito Aplicado Leandro Lages

(Imagem: divulgação Netflix)

Você assumiria um crime, com prisão de 7 anos, a fim de proteger os seus sócios e salvar a empresa? Essa é a premissa do filme espanhol “7 años”, da plataforma Netflix.

O filme inicia com uma tensa reunião entre quatro sócios. Seus crimes fiscais foram descobertos e poderão ser presos, o que acarretará a falência da empresa.

O setor jurídico propõe uma solução: um deles assumir os crimes, permitindo que os demais sócios continuem à frente da empresa, evitando a falência. Ao final do período de prisão, o sócio retornaria à empresa. A questão é: quem assumirá o crime? Um mediador é contratado para auxilia-los na difícil escolha.

Logo no início, o mediador indaga se os sócios têm conhecimento da situação e das consequências para as suas vidas, se estão seguros para resolver via mediação. Todos concordam, o que representa o “princípio da autonomia da vontade na mediação”, no qual o consentimento deve ser genuíno e os participantes se tornam protagonistas de suas decisões e responsáveis por seus destinos.

 

Em seguida, são informados a respeito das seguintes regras básicas da mediação:

(1) permanecer de forma voluntária, quem se sentir incomodado poderá sair a qualquer momento, inclusive o próprio mediador;

(2) ser imprescindível escutar e se respeitar, as pessoas envolvidas não representam um problema, mas sim parte da solução;

(3) o mediador não se posiciona a favor de ninguém e nem julga, apenas facilita a comunicação na busca da solução mais confortável. Isso corresponde aos princípios da “imparcialidade na mediação” e da “busca do consenso”.

(Imagem: divulgação Netflix)

A explanação de todas essas regras corresponde ao “princípio da decisão informada”, segundo o qual as pessoas precisam compreender o funcionamento da mediação para assumirem decisões de forma segura e consciente.

A sessão prossegue com muito diálogo, mas sem registro em ata ou anotações em documento, o que representa o “princípio da oralidade”, essencial para que a mediação se desenvolva, possibilitando que a pessoa perceba ser destinatária de atenção quando escutada com respeito. Também uma evidência do “princípio da confidencialidade”, permitindo que todos se expressem livremente quanto a questões íntimas e informações sensíveis. Isso facilita a identificação dos interesses envolvidos, primordial para que uma negociação progrida.

A condução da mediação com a livre fala de todos e a análise de propostas lançadas reflete o “princípio da informalidade”. Uma informalidade no sentido de simplicidade, pois a mediação não possui regras fixas e rígidas, o que deixa as pessoas mais à vontade na negociação, favorecendo a comunicação.

Em um determinado momento do filme, alguém propõe a escolha por meio de sorteio. Um dos sócios recusa, argumentando que uma decisão de tamanha importância não pode ser decidida na sorte. O mediador esclarece que o sorteio, apesar de ser um método simples, não representa a melhor forma, sendo essencial compreender quais os interesses de cada sócio.

(Imagem: divulgação Netflix)

E todos têm algum interesse considerado essencial e que não admitem perder: um deles tem uma filha menor de idade, outro possui um pai com problemas de saúde, todos possuem família necessitando de alguma atenção. Nesse momento, o mediador esclarece que não se deve abordar o assunto sob a ótica da perda, pois há soluções em que todos ganham.

E ilustra com um caso em que duas pessoas disputavam uma laranja. Várias soluções foram apontadas, sem que chegassem a um consenso. Não foi possível, por exemplo, resolver por meio de sorteio e nem partindo a laranja ao meio, pois todos desejavam a laranja inteira. Também não chegaram a um consenso sobre o pagamento de um valor pela fruta. A solução foi alcançada quando ambos expuseram os motivos pelos quais desejavam a laranja. Um deles tinha interesse na casca para um produzir doce e o outro necessitava a polpa para suco. E assim foi possível utilizar a laranja de forma a atender a ambos.

Com esse exemplo, o mediador convenceu os sócios de que precisavam focar nos interesses da empresa, ocasião em que decidem escolher aquele que fosse mais “dispensável”, ou seja, o que fará menos falta à empresa durante os sete anos de prisão.

(Imagem: divulgação Netflix)

Cada um deverá expor os seus argumentos, para em seguida procederem a uma votação. Nesse momento o filme atinge o seu clímax, com debates e argumentos entre os sócios conduzidos com maestria pelo mediador.

Enfim, além da temática “Mediação”, o filme comporta discussões no campo do direito empresarial, compliance, ética e argumentação.

Ao analisar o filme sob a ótica da mediação, percebe-se a necessidade de reformular a pergunta do início desse texto. Ao invés de indagar se alguém assumiria um crime para proteger os sócios e salvar a empresa, um bom mediador indagaria: “que interesses devem ser considerados para que alguém assuma um crime no intuito de proteger os sócios e salvar a empresa?”

Uma simples mudança na perspectiva da indagação induz a um debate mais propositivo, com possibilidade de respostas que exprimam interesses válidos, alcançando uma solução em que todos ganhem.

Reunião do grupo de extensão “Direito, Cinema e Literatura” comandado pelo professor Leandro Lages

Assim deve agir um mediador, conciliando os “interesses” em conflito e não as “conveniências” das pessoas em litígio. Aliás, assim devemos agir na vida, identificando os nossos reais interesses sem desrespeitar ou comprometer os interesses alheios.

E você, já parou para refletir sobre os reais interesses em sua vida?

O filme foi debatido na disciplina “Conciliação, Mediação e Arbitragem” e no projeto de extensão “Direito, Cinema e Literatura”, do iCEV

09 jan
O metaverso e as relações de trabalho

O avanço do metaverso afeta relações de trabalho e rotina das empresas, que precisam se adaptar

Ao longo dos últimos anos, as relações de trabalho vêm se modificando com bastante rapidez. Com o início da pandemia, por exemplo, o teletrabalho e o home office avançaram e a atualização de novas práticas e legislações foram necessárias para a adequação dessas relações, conforme vimos com a publicação da Lei 14.442/22.

Agora, estamos vivendo o início de um novo espaço virtual, o metaverso, e o seu avanço tem gerado discussões e questionamentos no âmbito das relações de trabalho neste ambiente.

Mas, afinal, o que é o metaverso?

Trata-se de um mundo virtual que integra e replica o mundo real por meio de dispositivos digitais. É um ambiente compartilhado, coletivo e imersivo, constituído pela soma de realidade virtual, realidade aumentada, tecnologia, internet e hologramas.

Nesse ambiente, as pessoas são representadas por seus avatares para desempenhar suas atividades como se as estivessem realizando no mundo físico.

De acordo com a pesquisa realizada pela Gartner e divulgada no Fórum Econômico Mundial, a estimativa é de que um quarto da população mundial passará pelo menos uma hora por dia no metaverso em 2026.
Assim, com o avanço desse novo ambiente afetando, principalmente, as relações de trabalho, inevitavelmente a rotina das empresas, colaboradores e da sociedade sofrerá grandes mudanças, tornando necessária a atenção das empresas o quanto antes.

Metaverso e as relações de trabalho

É importante destacar que, até o momento, não há uma legislação específica aplicável às relações trabalhistas inseridas no metaverso. Assim, inúmeras dúvidas irão surgir em relação à formalização da relação de trabalho, execução dos serviços e condições de trabalho nesse ambiente exclusivamente virtual.

Contudo, a contratação de empregados para atuarem direta e exclusivamente no metaverso já é uma realidade. É possível que, com o aumento dessas relações, surjam demandas judiciais e, consequentemente, um posicionamento a respeito de como se dará a aplicação da lei nesses casos.
Recentemente, houve denúncias de assédio e importunação sexual ocorridas no metaverso. Embora os fatos não tenham ocorrido no contexto de uma relação de trabalho, a realidade atual das relações presenciais será inevitavelmente transportada para o mundo virtual e temas como assédio nas relações de trabalho no metaverso passarão a ser objeto de ações na justiça do trabalho.

De certo é que as empresas deverão agir preventivamente e se atentar aos riscos dessa nova realidade, como, por exemplo, os impactos na saúde mental e física dos empregados. Em que pese os benefícios trazidos pela tecnologia, o metaverso não é capaz de substituir totalmente interações da vida real e esse novo ambiente deve ser tratado com cautela.

A tecnologia utilizada para viabilizar o metaverso também poderia resultar em maior controle de jornada e produtividade dos empregados (o que pode aumentar os resultados da empresa), mas também promover melhor avaliação do empregado e garantir maior reconhecimento e pagamento de remuneração baseada em performance.

Contudo, em contrapartida, não sendo feito o devido controle de jornada, também poderia acarretar um aumento no número de horas trabalhadas pelos empregados e, consequentemente, um aumento no número de horas extras a serem pagas. Dessa forma, é importante cautela e atenção de todos os envolvidos na utilização dessa nova tecnologia.

De todo modo, ainda que a prestação de serviços ocorra pelo avatar em um ambiente totalmente virtual, é necessário que as empresas se conscientizem e pensem em medidas efetivas de proteção e segurança do trabalhador. Isso porque o avatar é apenas a representação de uma pessoa do mundo físico real.
Temos visto que o direito do trabalho vem se adequando às novas realidades e com o metaverso não será diferente. É importante que todas as partes envolvidas se atentem à nova modalidade de prestação de serviços na tentativa de garantir segurança jurídica para todos.

Publicado por Olhar Digital 

04 jan
11 tendências de 2023 para escritórios de advocacia

Ano após ano, se fala sobre o aumento do número de advogados no Brasil. Isso se dá a diversos fatores como o aumento populacional e a facilitação do acesso ao ensino superior. Estima-se que em 2023 o Brasil atingirá a marca de 2 milhões de advogados. Isso pode significar, além de uma oportunidade para o futuro da sociedade, uma maior competitividade no mercado. Assim, entender as tendências 2023 para escritórios de advocacia passa a ser primordial para quem deseja se destacar no mercado.

1 – Metodologias ágeis

Não é necessariamente uma novidade falar em metodologias ágeis na advocacia. Mas, isso não significa que elas não estejam entre as tendências 2023 para escritórios de advocacia.

A utilização de metodologias ágeis, inicialmente criadas para o desenvolvimento de softwares, ficaram muito populares no mundo corporativo e há algum tempo já ocupam parte do dia a dia da advocacia. E cada dia mais, utilizá-las para facilitar a produção jurídica é indispensável.

Essas metodologias tem como prioridade o trabalho em equipe e a divisão parcial deste. Pelo que se observa, isso tem funcionado na advocacia. Isso porque, devido à comunicação intensa exigida por esses métodos, as soluções tem sido melhores. É como dizem popularmente “duas cabeças pensam melhor do que uma”.

E para 2023, parece ser uma atividade que continuará em alta. Ainda mais, para os escritórios que pretendem manter seus modelos remotos ou híbridos. Citando mais um ditado popular “não se mexe em time que está ganhando”. Logo, a tendência é utilizar ainda mais esses métodos.

Mais uma vez o Legal design aparece na lista de tendências para a advocacia. O tema também já vem sendo discutido há algum tempo e promete não parar por aí.Caso você não saiba, acho que vale uma rápida explicação do Legal design por aqui. Também chamado e muito confundido com o Visual Law, o Legal design é a aplicação das técnicas do design para a produção jurídica. Facilitando assim a leitura das peças jurídicas.

Um designer é preparado para entender diversas nuances do pensamento humano para a realização de sua produção. Quando trazemos isso para a advocacia, por exemplo, não se trata de apenas tornar uma peça mais lúdica, mas sim, de entender como facilitar para que essa peça seja lida. E principalmente, lida com facilidade e a velocidade necessária para que o processo seja célere.

Atualmente, devido ao crescimento das redes sociais, textos maiores – especialmente no computador – passaram a ser considerados cansativos. Os textos jurídicos, de maneira geral, além de grandes, também são extremamente eruditos. Um prato cheio para não serem lidos por completo.

Veja, não é necessariamente uma crítica, mas é uma realidade social. Assim, convém fazer com que as peças jurídicas sejam mais claras e fáceis de ler, afinal, elas precisam ser lidas, concorda? Vale lembrar, o texto pode ser mais claro e fácil de ler, sem necessariamente ser um texto ruim.

É aí que entra o Legal Design. Entendendo este comportamento da sociedade, o Legal design traz uma proposta para que os textos jurídicos continuem sendo lidos com a atenção merecida. É por essa razão que ele seguirá sendo uma das tendências em 2023 para escritórios de advocacia.

3 – Direito Digital

Também uma tendência continuada do ano anterior, o Direito digital segue sendo uma área que estará em alta em 2023. Como já dito, a sociedade tem cada vez mais se adaptado ao mundo digital. Não à toa, também foi parte da programação da Fenalaw em 2022.

O Direito digital é a área que será responsável tanto pela antecipação de possíveis problemas no digital, como a segurança de dados, liberdade de expressão, entre outros.

Além disso, é uma área que abrange tanto pessoas físicas, quanto pessoas jurídicas e se relaciona com outras áreas do Direito, como Direito Civil, Direito Penal, etc.

4 – Segurança de dados e LGPD

Seguindo com as tendências 2023 para escritórios de advocacia, outro tema que seguirá em alta é a segurança de dados e a LGPD. Mais uma temática que foi parte da programação da Fenalaw 2022. Um dos motivos foi a atualização da lei no início do ano, que flexibilizou as regras para micro e pequenas empresas.

Ademais, o tema é essencial à advocacia. Isso vale tanto para os escritórios que visam se especializar no digital e na área de segurança de dados, como para a aplicação correta da coleta de dados no próprio escritório jurídico.

5 – Business-oriented

Falando de um conceito ainda novo no mercado jurídico, a Robert Half Talent Solutions, responsável por um dos guias salariais anuais mais famosos do mundo corporativo, já havia apontado em 2020 que a área de Business-oriented era uma área promissora para o futuro da advocacia. Este ano, o instituto líbano de pós-graduação apontou novamente para este termo que tem crescido no mundo jurídico.

O termo é utilizado para designar a área de aconselhamento jurídico para empresas. Ele representa o papel estratégico de advogados e advogadas no planejamento estratégico de empresas. Papel que, em geral, está relacionado às questões de segurança e como ela é imprescindível para o crescimento das empresas.

Vale destacar que, neste caso, a segurança não se trata apenas da segurança digital. Trata-se, no entanto, da segurança em todos os âmbitos da empresa.

Assim, escritórios das mais diversas áreas podem buscar entender sobre o assunto e se especializar para atuar como consultores jurídicos para esse fim. Vale lembrar que, escritórios multidisciplinares conseguiram crescer ainda mais nesse sentido.

Isso significa, por exemplo, que um escritório focado em Direito Trabalhista poderá atuar junto de um profissional de segurança do trabalho e fazer um aconselhamento sobre o assunto. E isso valerá para as mais diversas áreas do mundo jurídico.

Em relação ao Business-oriented sendo uma das tendências 2023 para escritórios de advocacia, é nesse sentido de consultoria que se percebe maior foco e possibilidade de crescimento nos próximos anos.

6 – Área civel

Na pandemia, a área cível foi bastante afetada. Renegociações aconteceram, bem como reestruturação de dívidas e etc… Nesse sentido, esta área promete continuar sendo uma das tendências 2023 para escritórios de advocacia.

Assim, outras renegociações de dívidas, novas compras e vendas, entre outros aspectos que se relacionam com o cidadão podem voltar a acontecer.

Para se destacar e aproveitar a tendência positiva, então, é necessário que o advogado ou a advogada tenham muitas skills desenvolvidas. Algumas delas são: flexibilidade, liderança, capacidade de se adaptar, de trabalhar em equipe, entre outras.

O instituto Líbano aponta ainda que o inglês fluente pode vir a se tornar uma skill essencial no ramo.

7 – Criptomoedas e Blockchain

Marcelo Sampaio, CEO da Hashdex disse em reportagem do portal “Valor Econômico” que em 10 anos, todos os ativos serão digitais. Esse é uma declaração importante a se pensar, não só na advocacia, como no comportamento social.

Ao longo deste artigo temos falado sobre a mudança no comportamento da sociedade e migração para o digital. Em outros artigos aqui no blog também falamos sobre isso.

Isso porque, já não é possível negar que o Blockchain e as criptomoedas serão comuns daqui a um tempo em nossas vidas.

Desse modo, não existe como negar que estes temas também são tendências de 2023 para os escritórios de advocacia. Assim sendo, é primordial que os escritórios de advocacia entendam sobre esta matéria e saibam onde se encontra e como os escritórios podem se adaptar a esta nova realidade.

Um exemplo de como tudo isso pode começar a acontecer e na assinatura de contratos e preenchimento automático de informações.

8 – Metaverso e NFT

Também já falamos sobre o tema por aqui e ele também foi parte da programação “Inovação, Inteligência Artifical e Proteção de Dados” da Fenalaw 2022. Basta dar um Google para perceber que, metaverso e NFT já são realidades no mundo jurídico e continuarão sendo tendência em 2023.

Desde o anúncio do metaverso da “Meta”, empresa responsável pelo Facebook, Instagram e WhatsApp, a internet foi à loucura pela volta do tema “metaverso” no mundo. O ponto é, no mundo jurídico este ainda é tema controverso, mas já existem escritórios de advocacia com sede na realidade virtual.

O ponto é, essa realidade ainda deverá ser muito discutida pelo direito digital, e se existe discussão de algo que já está em prática, não demorará muito a ser utilizado em grande escala.

9 – Lawtechs e Legaltechs

E já que estamos falando sobre novas tecnologias, não podemos deixar de citar as lawtechs e legaltechs. Hoje, empresas como a Softplan/Projuris, oferecem soluções tecnologias para o funcionamento de escritórios de advocacia que há algum tempo não existiam.

O projuris ADV é um exemplo de sistemas que automatizam e facilitam a gestão do escritório de advocacia de fora rápida, segura e eficaz. Vale lembrar ainda que, a Softplan oferece ainda tecnologias complementares, a fim de automatizar ainda mais o dia a dia de advogados e advogadas.

10 – Marketing jurídico

Já não é mais nenhuma novidade: o marketing jurídico veio para ficar. Entretanto, não impede que continue sendo parte de uma das tendências 2023 para escritórios de advocacia.

Com a flexibilização da publicidade na advocacia, o marketing jurídico se tornou ainda mais popular. Foi possível, durante o período pandêmico, observar inclusive a crescente concomitante entre advogados e advogadas produzindo conteúdos jurídicos de qualidade nas redes sociais e o crescimento dos reels e tik toks.

Essas duas ferramentas, permitiram a diversos advogados e advogadas que criassem um bom posicionamento digital de forma simples e rápida, fazendo com que ganhassem visibilidade, credibilidade e posicionamento.

Vai falar que você não conhece o famoso “Pode não”, da Dra. Fayda Belo?

11 – Compliance

Assim como o Business-oriented, a área de compliance será imprescindível no mundo jurídico, especialmente quando falamos de departamentos jurídicos. Acontece que, a área também engloba as tendências 2023 para escritórios de advocacia.

Isso porque, além da atuação em conjunto com departamentos jurídicos para o alinhamento do compliance de empresas, os próprios escritórios precisam ter uma área específica de criação e fiscalização de regras empresariais e diretrizes.

Qual o perfil do advogado para se destacar no mercado jurídico e acompanhar as tendências 2023 para escritórios de advocacia?

Com todas essas tendências de 2023 para escritórios de advocacia, fica o questionamento acerca de quais as skills necessárias e qual o perfil do profissional para o ano que está por vir.

Devido à grande concorrência que se observa atualmente e que será ainda mais em 2023, percebe-se que uma das características que destacarão um profissional da advocacia no ano seguinte é a inovação.

Atenção às notícias de comportamento social e inovações tecnológicas são os principais pontos de partida. Vale lembrar que, apesar do aumento de competição, as oportunidades geradas pelas mudanças sociais e novas tecnologias também permitem continuar sendo relevantes.

Apesar de já estar acontecendo há algum tempo, advogados e advogadas especialistas em determinados assuntos têm se mostrado mais bem sucedidos do que aqueles que se mantém em escritórios “faz tudo”.

O público, hoje, também busca por essa especialização. E isso não somente para a advocacia, mas para qualquer área. Alguns estudiosos de marketing já começam a apontar, por exemplo, o fim da era dos influenciadores “lifestyle”, cujo modo de vida é ter dinheiro, por exemplo.

O público busca saber o que você faz, porque você faz e qual a sua especialidade.

 

Publicado por blog ProJuris

26 dez
STF derruba orçamento secreto

Por 6 votos a 5, a Corte entendeu que falta transparência nas emendas do relator.

No dia 19 de dezembro, por 6 a 5, o STF julgou inconstitucional as emendas do relator ao orçamento geral da União, que ficaram conhecidas como orçamento secreto. O Supremo concluiu que a prática, por seu caráter anônimo, sem identificação do proponente, viola aos princípios da transparência e publicidade.

A Corte determinou, ainda, que no prazo de 90 dias, as unidades orçamentárias e órgãos da administração que, nos exercícios financeiros de 2020 a 2022, realizaram despesas classificadas sob o indicador orçamentário RP9, façam a publicização dos dados referentes aos serviços, obras e compras realizadas com tais verbas públicas.

Sobre o tema, foi fixada a seguinte tese:

“As emendas do relator geral do orçamento destinam-se exclusivamente à correção de erros e omissões nos termos do art. 166, parágrafo 3º, inciso III, alínea A da Constituição Federal, vedada sua utilização indevida para o fim de criação de novas despesas ou de ampliação das programações previstas no projeto de lei  orçamentária anual.”

O orçamento secreto é inconstitucional?

Entenda

Na primeira sessão foram feitas as sustentações orais e o relatório. Na segunda sessão, a ministra Rosa Weber, relatora, votou no sentido de declarar que a prática, por seu caráter anônimo, sem identificação do proponente, é incompatível com a Constituição. Acompanharam o entendimento a ministra Cármen Lúcia e os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.

Na terceira sessão, ministro André Mendonça inaugurou a divergência ao concluir que as emendas do relator são constitucionais, desde que o Congresso as torne mais transparentes. Os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli acompanharam o entendimento. Na segunda-feira, 19, na quarta sessão sobre o tema, a Corte retomou o julgamento com o voto Ricardo Lewandowski, que acompanhou a relatora e consolidou a maioria no sentido de que a falta de transparência do orçamento secreto viola a Constituição.

O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que apesar do Congresso na última sexta-feira, 16, ter aprovado proposta que trata da transparência nas emendas
de relator geral, a medida não se adequa totalmente às exigências do STF em relação ao tema.

“As adequações não conseguiram solver uma importante questão, qual seja a plena e eficaz identificação do parlamentar solicitante da emenda de relator geral. (…) O novo texto não estabelece regras transparentes acerca de como os recursos serão subdivididos entre os parlamentares, uma vez que caberá ao líder de cada legenda levar à efeito a repartição.”

Em seu entendimento, a nova regulamentação aprovada pelo Congresso, apesar de constituir um progresso em relação à sistemática anterior, não resolve os vícios de constitucionalidade apresentados nas iniciais das ações.

“Embora agora a distribuição das verbas seja menos arbitrária, porquanto deverá ser proporcional ao tamanho das bancadas, ela não será equânime. O fato é que alguns parlamentares continuarão recebendo mais e outros menos. E o líder partidário poderá distribuir o dinheiro dentro da legenda sem seguir critérios claros e transparentes, abrindo espaços para barganhas políticas”, asseverou o ministro.

Na ocasião, por outro lado, o ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergência. O ministro ressaltou que o mecanismo questionado realmente precisa de mais transparência, todavia, entende não ser viável apenas declarar inconstitucional a possibilidade de emendas de relator prever despesas. “O simples fato de essas despesas não gozarem de execução obrigatória, não é suficiente para afastar a aplicação”, afirmou.

 

Publicado por Blog Migalhas 

19 dez
Professora Isabella Paranaguá é coautora de livro lançado no STJ

Obra tem prefácio da ministra Nancy Andrighi

A professora do Direito iCEV e Conselheira Federal da OAB, Isabella Paranaguá, é coautora do livro lançado no Espaço Cultural do Supremo Tribunal de Justiça. Intitulado “Regimes de Separação de Bens”, a obra é um dos volumes da coleção “Direito de Família conforme interpretação do STJ” e tem o respaldo de grandes juristas brasileiros.

Foto: Acervo pessoal Isabella Paranaguá

Isabella Paranaguá ressaltou que esse é o maior compilado sobre o regime de separação de bens no Brasil. “A obra tem o respaldo de grandes juristas brasileiros. O artigo de minha autoria é sobre separação de bens digitais, um assunto muito atual. Estou aqui pelo Piauí e fico muito feliz com a representatividade feminina na literatura jurídica nacional”, afirmou.

A obra, que conta com o prefácio da ministra Nancy Andrighi, analisa exclusivamente as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Além disso, o livro tem como foco as análises temáticas dos regimes de bens entre cônjuges e companheiros.

A Obra

A organização do livro foi feita pelo desembargador do TJ-RS, Rui Portanova; o juiz Rafael Calmom e o servidor do STJ, Gustavo D’Alessandro. Além da Conselheira Federal, Isabella Paranaguá, entre os coautores está o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

A coletânea reúne juristas de todo o Brasil, inclusive várias mulheres, contribuindo para o aumento do número de publicações especializadas assinadas por elas.

O lançamento contou também com a presença da Conselheira Federal e presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, Cristiane Damasceno.

 

02 dez
Esperança Garcia é reconhecida como a primeira advogada brasileira

Em momento histórico para o Piauí, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), reconheceu Esperança Garcia como a Primeira Advogada do Brasil. O Conselho aprovou também a construção do busto da advogada no átrio do prédio sede.

A Conselheira Federal da OAB-PI, Élida Fabrícia, destacou a importância desse momento. “Ela foi uma mulher negra escravizada, submetida a diversas agruras advindas de sua condição vulnerável. Mas nada disso a deteve na busca de seus ideais. Essa luta começou há muitos anos no Piauí, quando em 2017 conseguimos o reconhecimento na Seccional. Agora, o reconhecimento vem da OAB Nacional, em uma verdadeira reparação histórica dos prejuízos que a Advocacia negra e feminina já sofreu”, disse.

 

Símbolo de resistência, Esperança Garcia lutou pelo Direito e sua natureza jurídica foi vista logo cedo, quando, no dia 6 de setembro de 1770, escreveu uma petição ao então Governador da Capitania de São José do Piauí denunciando os maus-tratos que ela e sua família sofriam, tendo sido inclusive separada de seu marido e impedida de batizar os filhos. Essa carta foi considerada o primeiro Habeas Corpus feito por uma mulher. A carta foi encontrada em 1979 no arquivo público do Piauí.

Um documento com a relação de escravizados da fazenda em que vivia, de 1878, oito anos após o envio da carta, menciona o casal “Esperança e Ignácio”, ela com 27 anos e ele com 57. Ela teria, portanto, 19 anos quando escreveu a carta ao Governador.

A voz de Esperança Garcia é um brado pela luta contra o racismo e pela igualdade de gênero, raça e classe no Brasil. É também combustível para alimentar a coragem e a resistência do povo brasileiro. Ela compõe memórias de lutas do povo negro e dá voz aos que foram historicamente calados.

Reconhecimento histórico

Em 2017, Esperança Garcia foi reconhecida pela seccional da OAB do Piauí como a primeira advogada piauiense. Em 6 de setembro de 1770, ela escreveu uma petição ao governador da Capitania em que denunciava as situações de violências pelas quais crianças e mulheres passavam e pedia providências.

A data foi instituída, também, como o Dia Estadual da Consciência Negra, em 1999. O documento histórico é uma das primeiras cartas de direito de que se tem notícia. A OAB-PI considerou a carta como o primeiro habeas corpus e, portanto, o encaminhou aos dois colegiados que passaram a também resgatar a história para valorizá-la, em âmbito nacional.

“Resgatar a memória de Esperança Garcia no plenário desta Casa é algo que nos remete à filosofia do ubuntu, que diz que devemos viver a restauração e a justiça no sentido de ver o passado para que não venhamos a cometer novamente aquelas atrocidades. Isso faz com que hoje vossa excelência tome uma atitude histórica, dando sequência a todo o trabalho que o Conselho Federal tem feito sobre as ações afirmativas. Esperança é um marco. Construiu o documento com toda a forma, desde o cabeçalho até o argumento final. Estou extremamente feliz e emocionada”, afirmou Silvia Cerqueira.

Em carta escrita a punho, Garcia denuncia maus tratos — Foto: Reprodução/TV Clube

Silvia Souza, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos, também ressaltou a importância do caminho trilhado pela OAB bem como registrou homenagens à colega Silvia Cerqueira, a primeira conselheira federal negra, aquela que assumiu o projeto de resgate da memória de Esperança Garcia no CFOAB e, também, como lembrou, fez a sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF) na ação que declarou constitucionais as ações afirmativas no ensino superior, a ADPF 186.

A ideia é que seja construído um busto em homenagem a Esperança Garcia e como forma de lembrança do papel que ela cumpriu com firmeza na defesa da comunidade em que vivia. “É muita honra para o Piauí ter a história de Esperança Garcia reconhecida pelo Conselho Federal, e especialmente para nós, mulheres. O Piauí e a advocacia feminina estão em festa”, disse a conselheira federal pelo estado Élida Machado Franklin.

(Imagem: reprodução)

O membro honorário vitalício Cezar Britto celebrou o momento. “A história é a referência que devemos ter para saber os caminhos que devemos seguir ou não seguir. Hoje é um dia extremamente importante neste reconhecimento. São esses gestos, de ação, que acenam para o público que é importante persistir, resistir.”

Quem foi Esperança Garcia?

Esperança Garcia foi uma mulher negra escravizada no século XVIII, em Oeiras, município a 300 km de Teresina.

Segundo pesquisadores, Esperança nasceu na fazenda Algodões, propriedade que pertencia a padres jesuítas brasileiros. No local, ela aprendeu a ler e escrever. Quando completou 16 anos, Garcia casou-se e teve seu primeiro filho.

Contudo, os catequistas foram expulsos pelo diplomata português Marquês de Pombal e a fazenda foi transferida para outros senhores de escravo. Logo depois, aos 19 anos, Garcia foi separada dos filhos e do marido, e enviada para outras terras.

Dossiê Esperança Garcia: Símbolo de Resistência na Luta pelo Direito

Após ser separada dos filhos e do marido, e com o intuito de ser resgatada e encontrá-los novamente, ela denunciou as situações de violência que sofria ao Governo do Piauí.

As denúncias foram feitas uma carta, datada em seis de setembro de 1770, Garcia relatou os maus tratos sofridos por ela, outros homens e mulheres negras em uma fazenda da região. O documento, enviado ao governador do estado, solicitava o resgate do grupo.

Documento é um marco

De acordo com juristas e historiadores brasileiros, o documento pode ser considerado uma petição, pois apresenta elementos jurídicos importantes, como endereçamento, identificação, narrativa dos fatos, fundamento no Direito e um pedido. Não se sabe, contudo, se o pedido de Esperança chegou a ser atendido e se reencontrou sua família.

Em 1979, a carta foi localizada no arquivo público do estado, pelo historiador Luiz Mott. Em 1999, após reivindicações do movimento negro piauiense, o dia 6 de setembro foi oficializado como o Dia Estadual da Consciência Negra.

Com informações de OAB-PI e G1-PI

 

24 nov
Cidades inteligentes e proteção de dados pessoais

Artigo escrito pelo professor da Escola de Direito Aplicado,

Um dos campos mais promissores para a aplicação de aparatos de inteligência artificial (IA) é a administração pública. Há, pelo menos, três motivos para isso: 1º) os agentes públicos têm de seguir regras (legalidade estrita) diante de situações típicas; 2º) as decisões da administração devem ser isonômicas; 3º) é grande o volume da demanda por decisões padronizadas e rápidas da administração.

Essas circunstâncias indicam que as decisões administrativas são, em sua maioria, perfeitamente modeláveis em mecanismos inteligentes, que podem ter escala para absorver, em curto espaço de tempo (isto é, de modo eficiente), a vasta demanda por decisões rápidas de órgãos públicos.

(Imagem: Reprodução)

As administrações municipais são especialmente suscetíveis ao processo amplo de automatização de suas atividades, porque as questões de interesse local guardam certa homogeneidade e repetibilidade e, por isso mesmo, podem ser digeridas por protótipos automáticos alimentados por dados devidamente preparados.

Também é preciso considerar aquela afirmação que é quase um truísmo: as pessoas vivem nas cidades — todos os demais entes estatais têm um quê de ficção jurídica e política. Então, é nas cidades que se passa a maior parte das situações de vida relacionadas tanto aos usos dos serviços públicos, quanto às práticas de atividades econômicas privadas, passíveis de algum policiamento estatal. Daí que é nas cidades também onde mais se fazem necessária e oportuna a adoção de meios técnicos para resolver rapidamente as demandas dos administrados.

Smart Cities 

Não por acaso, surgiu o conceito de cidade inteligente (smart city), para expressar a ideia de um núcleo urbano imerso em tecnologias digitais a serviço do bem-estar dos cidadãos. Nas cidades inteligentes, soluções digitais altamente integradas criam um rico ecossistema digital local, em que a coleta e o tratamento de dados se dão de maneira massiva e onipresente.

Numa cidade assim, edifícios, praças, ônibus, trens, semáforos, postes, dispositivos móveis (drones, por exemplo) — enfim, praticamente todas as coisas e lugares podem funcionar com sensores (câmeras, gravadores, termômetros, pluviômetros, detectores, etc.) que captem dados, tanto pessoais como não pessoais, e os remetam para infraestruturas de tratamento, cujos modelos baseados em IA podem transformar autonomamente esse vultoso e aleatório fluxo de dados em informações/conhecimento, induzindo ações dos funcionários municipais, a emissão de avisos ao público e até mesmo decisões automatizadas (por exemplo, a aplicação ipso facto de multa ao motorista que alguma câmera flagre invadindo o sinal vermelho).

São desconhecidos os limites dos benefícios que podem ser criados por uma cidade inteligente. Maior segurança pública, mais eficiência e comodidade dos serviços públicos em geral (saúde, educação, assistência social, policiamento sanitário e de trânsito etc.), aumento da capacidade de resposta a emergências climáticas, mais sustentabilidade ambiental, maior interatividade dos cidadãos entre si e com a administração da cidade — em suma, pode-se aumentar exponencialmente o conhecimento que se tem sobre a cidade e seus habitantes, em tempo real e com grande acurácia, o que permite respostas perfeitamente ajustadas às circunstâncias, em cada momento.

Bem, esse é o lado bom da implementação de tecnologias da informação e da comunicação em uma cidade, para torná-la “inteligente“. Mas, como normalmente acontece, há o lado ruim. E, para resumir desde logo, os principais pontos negativos são: a) o risco à privacidade e à intimidade dos cidadãos; b) a produção de decisões estereotipadas, com erros grosseiros, que podem acentuar alguns problemas sociais; e c) a opacidade dos modelos em uso, que podem eventualmente ser protegidos por direitos de propriedade intelectual.

A esse respeito, em recente relatório produzido pela organização Eletronic Privacy Information Center (Epic), revelou-se que só na cidade de Washington (DC), funcionam atualmente 29 algoritmos que decidem sobre, entre outras coisas, ranqueamento de candidatos a moradia social, probabilidade de reincidência criminal, indícios de fraudes à assistência social, previsão de abandono escolar e até sugestão de medidas socioeducativas para jovens infratores.

(Imagem: reprodução)

Essas decisões (ou sugestões de decisão) são tomadas automaticamente por máquinas ou por humanos assistidos por máquinas, com base em monitoramento persistente dos cidadãos, por meio de sensores espalhados pela cidade. A depender das condutas das pessoas nas ruas e locais de monitoramento em geral, o sistema atribui a correspondente pontuação (positiva ou negativa) para cada indivíduo em cada situação, o que irá constituir um escore que determinará ou, no mínimo, influenciará as decisões sobre os temas já referidos (de moradia social, risco de reincidência criminal e fraudes, etc.).

 

Como fica a garantia de direitos dos cidadãos das Smart Cities?

Do ponto de vista jurídico, a questão mais premente — que se coloca como premissa lógica para a garantia de direitos em face do uso de algoritmos por cidades inteligentes — é assegurar que o público tenha ciência inequívoca dos locais e situações em que dados pessoais são coletados para alimentar modelos automatizados de decisão. Parece claro também que cada pessoa deve ter acesso fácil e rápido à sua pontuação e à forma do seu cálculo, assim que requerer. Sem esses elementos, não é possível sequer pensar em fazer alguma reclamação por mau uso da IA, porque possivelmente o cidadão não saberá que está sendo avaliado por mecanismos de IA.

No relatório da Epic, já citado, observou-se que há resistência, por parte de agências públicas, em compartilhar informações sobre sistemas utilizados e, além disso, muitos desses sistemas são desenvolvidos por empresas privadas que se recusam a explicar os seus modelos de decisão, alegando segredo comercial.

Um projeto desenvolvido na Universidade de Yale , neste ano, tentou contar o número de algoritmos usados pelas agências estatais de Connecticut, mas encontrou embaraços decorrentes de alegações de segredo comercial.

Felizmente, tal problema, no Brasil, não se coloca de forma tão dura. Tendo em vista que a nossa Constituição impõe o princípio da publicidade (CF, artigo 37, caput) e assegura o acesso à informação como direito fundamental (CF, artigo 5º, XXXIII c/c artigo 37, §3º, II), não parece viável a invocação, por qualquer empresa ou mesmo pela administração, de segredo comercial quanto a algoritmos utilizados pelo Poder Público para tomar ou sugerir decisões sobre os direitos das pessoas.

Em todo caso, é preciso que se pense em instrumentos para implementar o direito do cidadão de saber como estão sendo tomadas as decisões administrativas sobre si, com o uso de mecanismos de IA.

Gerenciamento de Policiamento por IA

Um bom exemplo de gestão adequada dessa problemática vem de Nova York. Em 2019, a cidade instituiu um oficial de gerenciamento e policiamento de algoritmos, para orientar o município e suas agências sobre o desenvolvimento e uso responsável, assim como a avaliação de algoritmos, e para engajar e educar o público sobre questões relacionadas ao uso dessas ferramentas.

O oficial deverá estabelecer princípios orientadores da utilização ética de ferramentas de IA, assim como critérios para identificá-los; deverá também estabelecer protocolos de comunicação entre agências sobre o tema do uso da IA; e, por fim, deverá criar uma plataforma que permita adequada e fácil comunicação com o público, para receber reclamações e sugestões.

Esse já é um passo importante para a institucionalização de uma política de uso racional e ético de algoritmos na administração pública, que pode e deve servir de fonte de inspiração para cidades que desejem se transformar em Smart Cities.

(Imagem: reprodução)

Outra iniciativa interessante no sentido da transparência foi tomada pelas cidades de Amsterdam e Helsinque, em 2020. Essas duas cidades criaram listas de seus algoritmos em uso e deixaram-nas online. Mas há alegações de que tais listas têm lacunas, e que são omitidos nelas justamente os algoritmos cujo uso é mais preocupante.

Entre nós, a LGPD contém normas que são suficientes para uma boa gestão dessa questão. Por exemplo, o artigo 18 da LGPD diz que estão entre os direitos do titular dos dados, a faculdade de obter a confirmação da existência de tratamento de dados, o acesso aos dados, o direito à correção, entre outros.

Olhando pela perspectiva do direito constitucional, é certo que o uso de algoritmos pela administração deve seguir o princípio da publicidade (CF, artigo 37), como já disse, de maneira que não é viável que as nossas entidades públicas adotem modelos automatizados sem comunicar ao público e, pior, sem informar os seus critérios decisórios.

 

Clareza da LGPD no uso da IA

Em todo caso, há a necessidade de clareza sobre as formas legítimas de uso de IA, daí porque foi muito oportuna a iniciativa do Senado Federal, no sentido de instituir uma Comissão de Juristas para sistematizar os estudos em torno de propostas legislativas que tratam da regulação da IA no Brasil (PL 21/2020, já aprovado na Câmara; PLs 5.051/2019 e 872/2021). Seguramente, a comissão apontará caminhos para uma boa governança dos modelos de IA no país.

Até lá, é preciso que as instituições de fiscalização, em especial o Ministério Público, se assenhoreie do tema, para evitar usos furtivos ou abusivos de IA. Como se trata aqui, sem dúvida, de um interesse que transcende a esfera individual, cabe mesmo ao MP papel importante no levantamento e na manutenção atualizada de informações sobre o uso de algoritmos pelas administrações públicas locais. Embora a Agência Nacional de Proteção de Dados tenha protagonismo na questão, é impraticável que tal agência fiscalize os mais de 5.000 municípios brasileiros, daí a necessidade de atuação do MP em cada comarca.

Hoje, por exemplo, será que há, em algum lugar, a informação sobre quantos aplicativos e modelos de decisão automatizada existem e estão em utilização nas administrações públicas do país? Particularmente, não tenho essa informação, e creio que ninguém tem ainda. Isso, por si só, demonstra a necessidade de que se avance sobre a institucionalização do tema, aproveitando-se dos bons exemplos que vêm de outros países.

Em conclusão, parece haver uma premissa constante segundo a qual o uso da IA será tanto mais profícuo quanto mais se consiga estruturar mecanismos de controle factíveis e transparentes, que possam minimizar os seus erros e excessos, por meio de uma governança salutar, que não crie embaraços desnecessários à inovação.

16 nov
Testamento por Videoconferência: um dos requisitos da prática do ato notarial eletrônico

Artigo escrito pela professora da Escola de Direito Aplicado Isabella Paranaguá

(Imagem: Reprodução)

O testamento é um ato de disposição de última vontade, de caráter muito pessoal e revogável, só pode ser elaborado pelo testador e pode ser alterado a qualquer momento.

De acordo com o artigo 1.864 do Código Civil, o testamento público deve ser escrito à mão ou mecanicamente por notário ou seu representante legal, lavrado a partir de documento público e lido em voz alta na presença do testador e de duas testemunhas. Os testamentos particulares também devem ser escritos à mão ou mecanicamente, atender aos requisitos estabelecidos no Artigo 1.876, parágrafos 1 e 2, e devem ser assinados pelo testador na presença de três testemunhas.

Temos também o testamento holográfico ou de emergência nos termos do artigo 1.879 do Código Civil, que é um testamento particular assinado pelo testador e deve ser declarado na cédula em circunstâncias excepcionais, sem testemunhas, o que ficará a critério do juiz direito (DELGADO, 2019).

Para fortalecer ainda mais o posicionamento do tema proposto, vale citar o recente provimento n° 100 do CNJ, de 26 de maio de 2020, que dispõe sobre a utilização de sistema notarial eletrônico para atos notariais eletrônicos, a criação do registro notarial eletrônico – MNE, etc.

A julgar pela interpretação dos dispositivos acima, os artigos 2º, 5º e 6º propõem o conceito de notário por videoconferência, da seguinte forma: “Um conjunto de metadados, uma declaração de anuência das partes registrada por cartórios de videoconferência e documentos eletrônicos, correspondentes a um ato notarial”. O artigo 3º do citado Provimento possui a seguinte redação:

(Imagem: Reprodução)

“Art. 3º. São requisitos da prática do ato notarial eletrônico:

I – videoconferência notarial para captação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico;

II- concordância expressada pelas partes com os termos do ato notarial eletrônico;

III- assinatura digital pelas partes, exclusivamente através do e-Notariado;

IV- assinatura do Tabelião de Notas com a utilização de certificado digital ICP-Brasil;

IV- uso de formatos de documentos de longa duração com assinatura digital;

Parágrafo único: A gravação da videoconferência notarial deverá conter, no mínimo:

  1. a) a identificação, a demonstração da capacidade e a livre manifestação das partes atestadas pelo tabelião de notas;
  2. b) o consentimento das partes e a concordância com a escritura pública;
  3. c) o objeto e o preço do negócio pactuado.

Com a referida Portaria CNJ nº 100/2020 em vigor, e diante das considerações acima, parece-me que não há óbice no vídeo quanto à lavratura de testamentos ordinários ou especiais em sua aceitação formal.

Não é impossível a elaboração de testamento público por vídeo para atender às exigências do artigo 1.864 do Código Civil, mas apenas no âmbito do artigo 3º do referido provimento n° 100/2020 do CNJ. E, para garantir a segurança jurídica necessária ao ato, devem ser observadas as regras previstas no parágrafo único do artigo 3º acima, a saber: Consentimento e concordância da parte com a escritura de mútuo; A finalidade e preço do negócio acordado; Uma declaração da data e hora do reconhecimento notarial; Uma descrição do título do livro, as folhas notariais e o cartório onde o ato notarial é proposto.

Com o falecimento do testador, o público pode preencher um testamento público lavrado por vídeo em auto através de acesso direto à plataforma e-Notariado (http://www.e-notariado.org.br), mantida pela Academia Brasileira de Notários – O Conselho Federal, com a infraestrutura técnica necessária para as operações notariais eletrônicas.

(Imagem: Reprodução)

O escopo de tais soluções está no artigo 7º II do provimento n° 100/2020, que prevê a possibilidade de implementar, aprimorar e interligar atos notariais e facilitar seu acesso. Portanto, no que diz respeito à elaboração de testamento público por videoconferência, com base no exposto, entendo que tal comportamento é perfeitamente possível.

Nas urgências ou testamentos holográficos ao abrigo do Código Civil 1.879, não obstante, o testador pode fazer o testamento por vídeo e nele declarar as circunstâncias especiais que o obrigaram a executá-lo, incluo o atual período de pandemia. Neste caso, para publicar o testamento particular e confirmar o testamento holográfico, o tribunal pode proceder abrindo o ficheiro digital (vídeo) e seguindo o procedimento previsto no artigo 737.º do Código de Processo Civil.

Também não há barreiras para fazer um testamento especial sob a seção do artigo 1.886 do Código Civil e seguintes por meio de vídeo, se for legalmente exigido. Neste caso, de acordo com os artigos 1.891 e 1.895 do Código Civil, no prazo de 90 dias após a conclusão da circunstância excepcional, poderá ser feito testamento por meios ordinários, aqui por meio de vídeo, nos termos do provimento n° 100/CNJ 2020. Por fim, como sugestão para abordar testamentos em vídeo, e na eventual suposição de que o formulário aqui apresentado seja inaceitável, intenciono como alternativa, à abertura de testamentos particulares ou especiais feitos por vídeo, detalhando o ato notarial.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil Brasileiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 12 de Jul. de 2022.

BRASIL. Provimento n° 100/2020 do CNJ. Disponível em: https://cabralcastroelima.com.br/provimento-no-100-2020-do-cnj-permite-a-realizacao-de-atos-notariais-na-modalidade-telepresencial-2/#:~:text=O%20Conselho%20Nacional%20de%20Justi%C3%A7a,como%20uma%20chave%20de%20identifica%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 12 de Jul de 2022.

DELGADO, Mário Luiz. Novas tendências da responsabilidade civil. Porto, 2019.

11 nov
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17 out
TRF3 reverte condenação milionária contra Ambev em caso relacionado à 2ª Guerra

F. Laeisz cobra dividendos de ações da Brahma bloqueadas por decreto de Vargas. Valor atualizado supera os R$ 500 milhões

A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) reverteu uma condenação milionária para que a Ambev pagasse todos os dividendos, juros sobre o capital próprio ou qualquer outra forma de remuneração paga aos acionistas desde 10 de abril de 2012 referentes a 74.211.825 ações nominativas ordinárias da cervejeira que a empresa de navegação alemã F. Laeisz sustenta ser a dona. Estima-se que o valor em disputa atualmente já supere os R$ 500 milhões. A Ambev provisionou R$379,8 milhões devido a este processo.

O imbróglio remonta ao bombardeio do navio brasileiro Taubaté no mar Mediterrâneo por um avião da Luftwaffe, a Força Aérea da Alemanha. Isto porque, depois do ataque, o presidente da República Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei nº 4.166/1942 determinando o bloqueio de bens de todos os súditos do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) para garantir uma eventual reparação a danos causados durante a Segunda Guerra Mundial.

Publicidade da Brahma, com rótulos antigos / Crédito: Divulgação

A empresa de navegação alemã F. Laeisz, que transportava insumos para a produção de cervejas da Brahma, passou a investir nas ações da companhia há 118 anos. Mas, com o decreto de 1942, as ações foram tomadas em garantia pela União.

Parte das ações voltou definitivamente para as mãos da F. Laeisz depois de uma decisão favorável no Supremo Tribunal Federal (STF), em 1975, no Recurso Extraordinário 81.834.

Outra parte, mais especificamente 74.211.825 ações ordinárias da Ambev, dona da Brahma, foram redescobertas apenas nos anos 90. A União reivindica as ações para si sob o argumento de que a empresa perdeu o direito de requisitar os papéis pelo decurso do tempo.

 

A sentença contra a Ambev

A F. Laeisz levou o caso ao Judiciário e pediu a condenação da Ambev para que a cervejaria lhe pague os dividendos a que teria direito. Do outro lado, a empresa brasileira argumenta que paira dúvida sobre a titularidade das ações e, consequentemente, sobre quem é o legítimo credor dos respectivos dividendos.

O juiz Djalma Moreira Gomes, da 25ª Vara Cível Federal de São Paulo, havia entendido, em janeiro de 2020, que os alemães é quem tinham razão e, por isso, condenou a Ambev a pagar todos os dividendos, juros sobre o capital próprio ou qualquer outra forma de remuneração paga aos acionistas desde 10 de abril de 2012 referentes às 74.211.825 ações nominativas ordinárias.

Para o juiz, as alegações da União sobre ser a atual dona das ações parecem “as argumentações que o lobo da fábula de Esopo apresentou ao cordeiro para justificar porque iria devorá-lo. Parece dizer: as ações são minhas, e pronto”.

Segundo o magistrado, o decreto de Getúlio Vargas apenas estabeleceu um gravame – retirado por um decreto posterior – que impedia a venda das ações, de forma que não houve apreensão dos títulos.

 

Reviravolta na segunda instância

O relator do caso no TRF3, José Carlos Francisco, resumiu assim a disputa judicial: “A parte-autora [a empresa alemã F. Laeisz] concentra sua argumentação na legislação societária (notadamente na Lei nº 6.404/1976), sustentando que as anotações em livros da empresa investida, o comparecimento a reuniões de sócios e outras tarefas correlatas são suficientes para o reconhecimento do direito a dividendos e outros ganhos de acionistas. A União Federal afirma que essas ações da AMBEV lhe pertencem porque foram incorporadas ao patrimônio público no contexto de indenizações e demais medidas reparatórias exigidas de empresas súditas da Alemanha em razão dos gastos diretos e indiretos decorrentes da Segunda Guerra Mundial, não tendo sido reclamadas pela parte-autora em sucessivas oportunidades que foram dadas desde o final do conflito bélico. Já a AMBEV procura posição que nega o pagamento dos dividendos, embora não seja assertiva quanto ao reconhecimento da propriedade das ações”.

Para ele, “a União Federal tem direito aos dividendos e outros ganhos decorrentes de participações societárias, que não devem ser pagos somente considerado o nome do acionista registrado nos documentos da empresa investida. As disposições dos arts. 31, 35, 109 e 205, todos da Lei nº 6.404/1976, devem traduzir aspectos formais e materiais sobre a propriedade de participações societárias, de modo que uma leitura estritamente procedimental perderia de vista o relevante contexto jurídico que levou o Brasil a editar vários atos normativos com propósitos reparatórios e indenizatórios em face dos fatos e dos custos (sobretudo humanos) comprovadamente relacionados à Segunda Guerra Mundial”.

“Não se trata de fazer leituras revanchistas em detrimento da propriedade privada de estrangeiros na pressão do estado de guerra, muito menos de atribuir a pessoas físicas e a empresas estrangeiras o ônus de reparação por atos de seus governantes autoritários ou totalitários, mas de compreender os imperativos do Estado de Direito em seus objetivos elementares materiais, sem apego a formalismos. Admito a importância da anotação do nome do acionista nos registros societários da empresa investida, mas não ao ponto de negar a legítima reparação de guerra à União Federal porque formalmente não foi feita a transferência, para seu nome, de participações societárias que pertenciam à empresa alemã (sem sede ou filial no Brasil)”, escreve o relator.

Ambev/ Imagem: reprodução

O magistrado fundamenta que é “notório que o Brasil aderiu aos Aliados nas operações da Segunda Grande Guerra Mundial, combatendo e sendo combatido pelos países que integravam o Eixo. Em atitude comum nessas situações (com muitos outros exemplos anteriores, contemporâneos à época e também posteriores), os países envolvidos no conflito militar aplicaram retaliações mútuas, incluindo bloqueios e expropriações de bens e direitos de empresas e de cidadãos originários de países então inimigos. Essas sanções foram utilizadas para pressionar todas as sociedades a desistirem das medidas de guerra bem como para fazerem frente aos custos de operações bélicas e às reconstruções necessárias, incluindo benefícios pagos aos militares e seus familiares e outros gastos relevantes (muitos até hoje ativos no orçamento brasileiro)”.

O desembargador entende que “houve efetiva transferência da propriedade de bens e direitos de alemães (pessoas jurídicas e pessoas físicas) em favor da União Federal. Essas medidas eram coerentes com as práticas que buscavam desestimular a escalada da Segunda Guerra Mundial, além de suas conhecidas finalidades reparatórias”. E “ao que consta dos autos, com exceção do discutido no RE 81.834/RJ (j. 12/12/1975), e a despeito de múltiplas oportunidades e vários prazos reabertos, em nenhum momento a F. Laeisz fez o devido requerimento para a restituição da totalidade das ações da Cervejaria Bhrama (hoje AMBEV) que foram incorporadas ao patrimônio da União Federal (ou seja, pertencem à União desde 1942)”.

“O fato de os livros societários da Brahma (agora AMBEV) ainda indicarem o nome da F.Laeisz como titular da participação societária controvertida não permite reconhecer que as ações e seus frutos lhe pertencem (notadamente dividendos e bonificações), porque houve anterior transferência de propriedade desses bens para a União Federal, porque não foi pleiteada sua restituição na forma da legislação de regência (a despeito de múltiplas oportunidades), porque não existe anuência implícita do ente estatal para essa restituição, e porque a propriedade do poder público não pode ser usucapida ou apropriada por particulares. E mesmo que não tivesse havido transferência da propriedade em 1942 mas mero bloqueio, a parte-autora perdeu os prazos legais para reclamar as participações societárias em questão”, resume o desembargador José Carlos Francisco.

O entendimento do relator foi acompanhado de forma unânime pelos outros desembargadores da Turma, que também julgaram improcedente o pedido da F. Laeisz. O caso tramita com o número 5020297-24.2018.4.03.6100. Cabe recurso da decisão.

À Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Ambev informou que assinou um acordo com F. Laeisz, visando reduzir o valor total em disputa. A Ambev afirma ter concordado com a correção monetária dos valores e que a empresa alemã assentiu em não incluir a aplicação de juros para ajuste dos dividendos em caso de vitória. Antes do julgamento em segunda instância, a Ambev considerava as chances de derrota no processo possíveis, mas independentemente de quem for considerado o titular legítimo das ações em questão, a empresa afirmou à CVM que já faz a devida contabilização de todos os dividendos relacionados.

Procurados, a Ambev e os escritórios Pinheiro Neto, que defende a F. Laeisz, e Mattos Filho, que defende a cervejaria, não se pronunciaram sobre o assunto.

Publicado por JOTA 

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