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13 jul
Hidrogênio Verde: um combustível para o futuro

Artigo escrito por Gabriel Furtado, doutor em Direito, e Luís Guilherme Tavares, advogado

A transição para fontes de energias mais sustentáveis, objetivo compartilhado da comunidade global, recebeu um impulso de aceleração com as recentes tensões geopolíticas entre alguns dos países com maior capacidade de produção energética. Buscando respeitar os compromissos já formalizados e ambiciosas metas de redução na emissão de gases poluentes – e.g. Acordo de Paris–, os países direcionam olhares e investimentos para alternativas energéticas consideradas verdes.

É nesse contexto que o hidrogênio verde tem recebido especial atenção como uma das mais promissoras fontes de energia sustentável. Essa nomenclatura é utilizada para o hidrogênio, gás inflamável, produzido como resultado da quebra da molécula de água – H2O – por meio de um processo de eletrólise. A característica verde decorre da utilização de uma fonte de energia renovável como base desse processo (e.g. eólica, solar, hidrelétrica).

Além de não emitir gases poluentes ao longo de sua produção, o hidrogênio verde detém grande capacidade energética e versatilidade na sua utilização, podendo ser empregado diretamente como fonte de combustível, destinado à descarbonização de setores industriais como a siderurgia e metalurgia, bem como transformado em amônia verde e aplicado ao setor agrícola como base fertilizante.

No entanto, essa produção ainda possui desafios econômicos e logísticos, especialmente quanto ao significativo custo e gasto energético, o que tem estimulado discussões nos setores empresarial e público acerca de instrumentos de viabilização e regulamentação desse novo combustível. Nesse ponto, o Brasil possui vantagem competitiva em razão da sua matriz energética – rica em fontes hidrelétricas, eólicas e solares –, atraindo interesses e investimentos países e regiões com menor potencial geográfico de produção.

Surge então o questionamento para os gestores e líderes nos campos público e privado acerca da posição que almejam assumir nessa transformação energética, aliando-se à inovação na matriz de combustíveis ou permanecendo sob as limitações de uma inevitável superação das fontes não renováveis. As décadas seguintes revelarão as repercussões ambientais e econômicas dessa decisão, sendo o hidrogênio verde uma grande oportunidade para um primeiro e significativo passo.

Observando as experiências com outras fontes enérgicas de caráter sustentável, percebe-se que os projetos de maior repercussão demandam uma parceria entre o setor privado e as entidades governamentais. Respondendo às preocupações empresariais acerca dos custos para viabilizar a operação, cumpre ao setor público oferecer o ambiente de normas que permitam essa construção de um mercado competitivo na área sustentável.

No Brasil, a demanda por um arcabouço legislativo no tema foi acolhida pelo Senado Federal, que instituiu em março de 2023 uma “Comissão Especial destinada a debater políticas públicas sobre o Hidrogênio Verde (CEHV)”, atualmente presidida pelo Senador Cid Gomes (PDT-CE). No plano de trabalho definido para o ano de 2023, a Comissão apresenta objetivos ambiciosos, principalmente promover o debate que servirá de base às normas relativas ao Hidrogênio Verde, realizando audiências públicas com setores da sociedade civil, de empresas do ramo energético, profissionais de referência técnica e representantes diplomáticos dos países com maior interesse no tema.

Apesar da urgência com que a Comissão aborda o tema – destacando a necessidade de que em até dois anos seja produzido relatório capaz de fundamentar normas no tema –, os esforços na esfera federal são insuficientes para exaurir os desafios do Hidrogênio Verde. Diante da extensão territorial e particularidades climáticas do Brasil, as iniciativas locais ganham destaque e servem de auxílio ao Governo Federal, indicando as necessidades de cada Região/Estado, vantagens competitivas em algumas etapas de produção e insumos de menor disponibilidade.

Esse empreendimento conjunto serve para ilustrar a complexidade da real implementação do Hidrogênio Verde e cuja solução demanda uma verdadeira coordenação de esforços nas medidas de maior efetividade e em um cronograma condizente com a realidade nacional. Desafio mitigado pelo otimismo com o surgimento de importantes iniciativas de incentivo à produção e comercialização como o “Programa Nacional de Hidrogênio” do Conselho Nacional de Política Energética, a Chamada Pública para projetos de Hidrogênio Verde do Programa de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), cujo edital está aberto até o dia 24 de julho, e as diversas visitas técnicas dos representantes do Legislativo e do Executivo, a nível federal e estadual, a países com grande potencial tecnológico no tema ou interesse no investimento para produção nacional futura.

Resta acompanhar os frutos desses encontros, discussões e estudos sobre a realidade do Hidrogênio Verde, momento que exige do Setor Governamental a urgência própria dos modelos empresariais em prol do crescimento sustentável interno.

Entender as possíveis utilizações comerciais do Hidrogênio Verde ajuda a esclarecer as razões que dão base ao intenso interesse que ele tem recebido dos mais diversos setores econômicos, destacadamente nos campos siderúrgico/mineração, transporte, energético e agrícola.

Um dos setores de maior relevância na economia nacional, a Mineração/Siderurgia oferece alguns dos principais produtos de exportação – e.g. minério de ferro –, de modo que o Hidrogênio Verde poderá ser utilizado como alternativo para a produção de “minerais verdes”, servindo como substituto para os combustíveis fósseis atualmente empregados na produção e transporte de insumos como o aço e o ferro-esponja.  Além disso, o Hidrogênio Verde poderá ser empregado nos meios de transporte e nas próprias instalações das siderúrgicas e mineradores, integrando assim diversos pontos da cadeia produtiva e reduzindo significantemente a emissão de gases poluentes.

Outra utilização proveitosa do Hidrogênio Verde será no campo de transporte, especialmente para descarbonizar veículos de maior porte/de carga, visto que nestes a utilização de matriz elétrica não é tão indicada devido à dimensão das baterias eventualmente necessárias. Além disso, o Hidrogênio Verde poderá ser integrado na produção de combustíveis diversos como a amônia, o metanol, o metanol sintético e alguns combustíveis líquidos sintéticos, oportunamente aplicados na substituição de fontes como o gás natural.

Uma área de especial atenção e demanda é o mercado de fertilizantes agrícolas, especialmente aqueles produzidos à base de amônia, no qual a utilização do Hidrogênio Verde possibilitaria o atendimento às demandas dos “cinturões agrícolas” sem comprometimento econômico – gás natural nacional com valor historicamente alto e pouco competitivo  – ou ambiental. A conversão em amônia facilitaria inclusive o transporte e distribuição deste Hidrogênio sem comprometer a sua capacidade energética, características que têm estimulado a implantação de projetos nacionais direcionados a esse setor do mercado.

As alternativas aqui apresentadas são apenas uma parcela das utilizações potenciais desse novo vetor energético, demonstrando a sua versatilidade e relevância como instrumento no crescimento econômico nacional. Assim, admite-se que o presente do Hidrogênio Verde ainda reserva muitas descobertas, mas já se tornou impossível não o aceitar como parte indispensável do futuro do setor energético brasileiro.

As decisões com maior potencial de repercussão pressupõem uma escolha difícil, em que não há uma solução óbvia e consensual, mas caminhos a serem eleitos por quem esteja na posição de decidir. Essa dificuldade aumenta quando ainda não existe um conjunto de normas a orientar os comportamentos recomendados, os objetivos almejados e as condutas proibidas. Esse é um dos principais desafios na consolidação do Brasil como uma potência no campo do Hidrogênio Verde; entender como regular esse novo ativo significa formalizar decisões difíceis, mas indispensáveis ao sucesso dessa empreitada energética.

Buscando cooperar na solução desse obstáculo, diversos atores dos setores privado e público têm desempenhado um intenso papel nos debates para a construção de um “Plano Nacional para o Hidrogênio Verde”, ou seja, as normas que incentivarão e regulamentarão as etapas produtivas e o objetivos a elas correspondentes. Um dos fatores que tem pautado o debate legislativo é a recente aprovação pelo Parlamento Europeu do arcabouço de normas para o Hidrogênio Verde, marco legal que detalha os parâmetros mínimos de exigência deste material, as condições de importação e exportação, e as ferramentas econômicas à disposição nesse novo segmento comercial.

Considerando que a Europa é um dos principais consumidores em potencial para a produção nacional, torna-se importante que as normas aqui construídas não destoem, ao menos na essência, das regras atinentes ao mercado europeu, a fim de não inviabilizar futuras transações comerciais. Com o objetivo de fornecer os materiais necessários à construção legislativa dessas normas para cenário brasileiro, foi constituída pelo Senado Federal uma “Comissão Especial para o Hidrogênio Verde (CEHV)”, objetivando o contato e difusão das experiências locais e internacionais com essa fonte energética, bem como o diálogo com as referências técnicas no segmento para a obtenção dos estudos de maior relevância no campo.

No compromisso mais recente dessa Comissão, em Audiência Pública realizada no Porto do Pecém no Estado do Ceará, o Senador Cid Gomes, que preside a Comissão, destacou os esforços de membros do Legislativo e do Executivo para que em tempo hábil possam elaborar a base de normas que será utilizada nos projetos e investimentos para a produção e comercialização do Hidrogênio Verde. Ainda nessa oportunidade, destacou-se a existência de projetos legislativos afins, como o PL 725/2022, de relatoria do Ex-Senador Jean Paul Patres, atual presidente da Petrobrás.

Neste Projeto de Lei, busca-se a inserção do Hidrogênio na política energética nacional, promovendo alterações nas Leis Federais nº 9.478/97 e nº 9.847/99, que disciplinam o setor de combustíveis no Brasil, visando à transição para uma econômica de baixo carbono e ao incentivo à produção em bases competitivas e sustentáveis. Esse PL também ingressa em pontos essenciais à atividade de produção e comercialização dessa fonte energética, como a conceituação do que seria o “Hidrogênio Sustentável”, os órgãos responsáveis pela fiscalização do segmento e os percentuais mínimos exigidos no setor de abastecimento.

No entanto, ainda que projetos como esse representem um avanço na materialização do debate, a efetivação do Hidrogênio Verde demanda a consolidação de normas que promovam verdadeira segurança jurídica para aqueles envolvidos nesse empreendimento ascendente. Assim, esforços como os aqui mencionados devem ser acompanhados e incentivados para que não haja um prejudicial descompasso entre a legislação vindoura e as necessidades desse campo econômico.

Ao expressar o objetivo de apresentar um verdadeiro “Plano Nacional do Hidrogênio Verde” ainda no ano de 2023, e a entrega dos projetos de lei correspondentes no primeiro semestre de 2024, o Presidente da Comissão Especial do Hidrogênio Verde pôs em palavras e datas a urgência que esse setor exige. Apenas reconhecer a imponência do desafio não o soluciona e nem garante que todos compartilharão dessa urgência, mas os caminhos de maior recompensa exigem decisões difíceis. É esse, pois, o desafio legislativo posto.

Essa nova fonte energética não é um assunto que se pode esgotar em tão breves textos, e com certeza retornará em novos questionamentos e discussões, mas o encerramento desse ciclo de publicações deve ser voltar para uma questão interna: como está o Piauí nessa corrida pelo desenvolvimento?

Considerando o estágio ainda inicial das discussões e investimentos específicos nessa fonte de energia, os Governos Estaduais têm buscado firmar memorandos de entendimentos e acordo comerciais com empresas e setores governamentais internacionais sobre potenciais investimentos para a produção e exportação desse Hidrogênio produzido de forma sustentável. O Piauí tem se consolidado como um dos expoentes nesse movimento, construindo fortes laços comerciais com grandes empresas do ramo e buscando parcerias que ajudem a desenvolver o Estado como um verdadeiro hub do Hidrogênio Verde.

Ciente da importância de utilizar esse estágio de desenvolvimento para demonstrar o interesse e capacidade de suprir as demandas da comunidade internacional – especialmente a União Europeia e as metas de redução na emissão de gases poluentes –, o Piauí tem apresentado aos consumidores em potencial as vantagens competitivas que possui, como a capacidade de aumento da produção energética, a forte presença de fontes renováveis de energia na sua matriz atual, e a configuração dos recursos naturais de que dispõe, no caso, a Energia Eólica e a Energia Solar.

O desenvolvimento do Estado como um dos polos de produção e exportação de Hidrogênio Verde e seus derivados – e.g. amônia verde–, dependerá em grande parte da confiança que o Piauí conseguir obter da comunidade internacional quanto à viabilidade da utilização de sua matriz energética rica em fontes sustentáveis para a implementação definitiva desse Hidrogênio limpo e essencial às metas de preservação.

Reconhece-se que esse processo demandará esforços contínuos e graduais, mas o privilégio de recursos naturais o Piauí já possui, bem como a implementação de projetos recentes que vão ao encontro dessa projeção internacional – e.g. o Terminal Portuário em Luís Correia, e a Zona de Processamento de Exportação do Piauí (ZPE) em Parnaíba. Resta acompanhar a concretização de um potencial energético que tem as credenciais necessárias para catapultar a capacidade econômica do Estado, e quem sabe transformar a história local, utilizando sol, vento, calor e rios de que o Piauí abundantemente dispõe.

 

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