Boa parte da magistratura não consegue perceber as consequências da aplicação da pena e também os mantras que tocaiam a razão. Não se trata da aplicação burocrática de uma sanção. Ela muda o futuro de pelo menos uma pessoa e, não raro, da família. A sensibilidade em que a questão é trabalhada no livro de Luana Paschoal (O Juiz e a Aplicação da Penal. Lumen Juris, 2014) merece destaque. Isto porque é preciso indagar-se sobre a dimensão do ato, sempre da responsabilidade do sujeito. Muitas vezes os magistrados possuem uma formação manualesca e, como tal, são incapazes de refletir sobre o habitus (Bourdieu), ou seja, “sempre foi assim”. Munidos de um modelo fornecido por colegas mais velhos, a aplicação da pena e seus mantras são entoados como verdades acríticas. E talvez o convite para repensar o que se faz, no piloto automático, muitas vezes, seja por demais áspero. Daí a importância de se discutir A conduta social e a personalidade do agente na fixação da pena, título do virtuoso texto de Luana em sua dissertação na Universidade de São Paulo.
É justamente no momento da aplicação da pena que acontecem as maiores barbaridades de projeção do julgador em face do acusado e não mais sobre a conduta. A aplicação da pena é dirigida ao mundo da vida, sendo necessário que os atores jurídicos e, em especial, o um-juiz, dê-se conta de que sua decisão gera efeitos inexoráveis nos envolvidos (acusado, vítima etc.). Não é uma atividade lúdica, nem desprovida de uma função na estrutura social, como exaustivamente se deixou assentado. Daí é que, comprovada a autoria e materialidade da infração, bem como os pressupostos para aplicação de sanção, reabre-se na aplicação da pena um momento especial de invocação dos pressupostos democráticos, evitando o enxovalhamento arbitrário.
Isso porque se o fundamento da pena é agnóstico (Zaffaroni e Salo de Carvalho), será antidemocrática qualquer pretensão de reforma interior ou moral do condenado, na linha fascista da “defesa social.” A secularização do Direito Penal impede a análise incontrolável, por infalsificável, da subjetividade do agente. A atuação constitucionalizada do Poder Estatal é o de aplicar isonomicamente a pena, independentemente de critérios subjetivos e incontrolados, tudo de maneira fundamentada e falsificável. Todavia, remanesce a aplicação dedutiva do Código Penal (artigos 32-99), sem que se dê a verdadeira dimensão ao processo de secularização nessa etapa processual.
No vasto campo de redefinições semânticas propiciado pelo Código Penal, encontra-se solo fértil para a garantia dos postulados do Estado Democrático de Direito, barrando-se, por assim dizer, as possibilidades de julgamento do acusado, mas sim de sua conduta, deixando-se de conjecturar sobre a subjetividade dele, por absoluta inconstitucionalidade (vale conferir a Súmula 444, do STJ). Assim é que as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos e as circunstâncias e consequências do crime, precisam ser analisadas mais detidamente, uma vez que a pletora de significantes é utilizada de maneira autoritária e inquisitória, desprezando-se o processo de secularização da sociedade contemporânea. Na verdade somente deveriam ser constitucionalmente válidas circunstâncias e consequências. De sorte que o julgamento, bom se lembrar, é da conduta e não da pessoa do acusado que, todavia, na fase de aplicação da pena é esquecido em nome da Defesa Social. E os mantras estão prontos para se usar. São frases feitas repassadas nos “cursinhos para concurso”, como diz Lédio Rosa de Andrade, depois utilizadas na prática forense, sem qualquer reflexão crítica, tornando as decisões absolutamente alienadas e nulas num Estado Democrático de Direito.
A instituição modificou apenas as máscaras, mantendo a ficha de antecedentes como verdadeiro limite entre os que permanecem puros, bons, e os pecadores, maus, “onde a sistemática medieval nos pega: por seu produto apto a passar por várias versões dos signos do Poder: a Lei” (Legendre). A violência simbólica (Bourdieu) atua eficientemente no inconsciente dessa divisão maniqueísta e reducionista da sociedade. Os antecedentes se constituem, pois, na “ficha de pecados” do acusado e devem ser lidos, no mínimo, conforme a Constituição, a fim de se evitar a estigmatização eterna (Carlos Bacila). O condenado jamais se livra da sanção, servindo para sempre e sempre lhe recrudescer a resposta estatal, sendo que tal raciocínio vigora no Brasil.
Nesse momento o autor que passa a ser julgado não pelo que fez, mas pelo que fez no passado e é, em franca violação dos postulados constitucionais e democráticos, funcionando muitas vezes para sustentar a condenação no caso de ausência de certeza. Isto é, em caso de dúvida, consulta-se inconstitucionalmente os antecedentes e se existirem, o julgamento pode acabar em condenação, aplicando-se um indutivismo ingênuo. De sorte que, levando-se a sério os Direitos Fundamentais, nada pode ser considerado como maus antecedentes, eis que as construções positivas, manifestadas pela periculosidade e defesa social foram desterradas de uma sociedade que se quer democrática, sendo o agravamento evidente bis in idem.
Sobre a personalidade do agente, os julgamentos moralizantes desfilam com todo o vigor. Se legitimando imaginariamente em censores de toda-a-ordem-moral, a maioria dos magistrados adjetivam muito mais do que democraticamente poderia se esperar. Julgam, enfim, o “pária” com um desdém demoníaco, em nome da segurança jurídica e do bem, obviamente. Apesar de assim procederem, suas pseudo-constatações são o mais puro exercício de imaginação, quiçá um autojulgamento, projetando no outro seu inimigo interno (Caio Fernando Abreu), sem, ademais, qualquer hipótese comprovada, refutável em contraditório, mas tão-somente impressões pessoais, lugares-comuns, incontroláveis, fascistas. Diz Amilton Bueno de Carvalho: “A valoração negativa da personalidade é inadmissível em Sistema Penal Democrático fundado no Princípio da Secularização: ‘o cidadão não pode sofrer sancionamento por sua personalidade – cada um a tem como entende’. (…) Mais, a alegação de ‘voltada para a prática delitiva’ é retórica, juízes não têm habilitação técnica para proferir juízos de natureza antropológica, psicológica ou psiquiátrica, não dispondo o processo judicial de elementos hábeis (condições mínimas) para o julgador proferir ‘diagnósticos’ desta natureza.”
Conforme assinala Amilton Bueno de Carvalho, não se sabe o que o termo pode significar dada a multiplicidade de teorias e métodos existentes, afora as múltiplas personalidades e, mesmo assim, continuam sendo utilizados jargões morais jurídicos para, retoricamente, fingindo fundamentar, agravar-se a pena. Parte-se, ademais, inconstitucionalmente, de um modelo chapa branca de família, conduta e sociedade dito médio, ou melhor, da classe média à qual o magistrado acredita — ilusoriamente — ter sido incluído ao passar no concurso. Tudo que fugir daquilo que o homem médio, não se sabendo exatamente o que isso significa, serve para majorar a sanção.
Por outro lado, nesse vazio de sentido, a ser preenchido pelo um-juiz, há espaço para que no olhar do outro se julgue a si próprio. A história narrada no conto de Caio Fernando Abreu é a do empresário que passa a receber cartas anônimas em que sua vida é desvelada: cachorradas; aborto da secretária jovem e do interior; abandono da mãe num asilo, onde morreu; suicídio do ex-sócio depois que lhe deu o golpe; fracasso sexual; a mulher que o traía, sem ele saber; até que um dia, após seis meses, cansado, pede à secretária um envelope branco, coloca na máquina e escreve: “Seu verme, ao receber esta carta amanhã, reconhecerá que venci. Ao chegar em casa, apanhará o revólver na mesinha-de-cabeceira e disparará um tiro contra o céu da boca’. Acendeu um cigarro. Depois bateu devagar, letra por letra: ‘Cordialmente, seu Inimigo Secreto’. Datilografou o próprio nome e endereço na parte esquerda do envelope, sem remetente. Chamou a secretária e pediu que colocasse no correio. Como vinha fazendo nos últimos seis meses.”
Enfim, prepondera muitas vezes o ‘inimigo secreto e íntimo’, do conto de Abreu, adjetivando a ‘personalidade’ do outro-eu, cabendo a indagação de Amilton Bueno de Carvalho: “Assim, quantas e quantas vezes, por não se conhecer, o julgador pune, inconscientemente, os outros, quando, em verdade, está cuidando de abafar sua própria e mal resolvida angústia”. E conta um causo: “Um exemplo — que muito tenho referido — já faz parte do anedotário forense. Conta a lenda que determinado julgador, com vida sexual recatadíssima, sempre e sempre, condenava acusados por delitos sexuais. Fez isso durante toda a sua atuação enquanto juiz. Acontece que ele se aposentou e a partir daí se liberou sexualmente. Logo após o jubilamento, revelou-se conquistador inquieto, a ponto de ser motivo de chacota. A explicação entre o juiz que não admitia qualquer relação de sexo e o não-juiz (aposentado) conquistador vulgar está em que, enquanto juiz, não se permitia ter uma vida sexual livre e repudiava aqueles que assim procediam. Sentia-se agredido porque os outros se permitiam ter vida sexual abundante e somente logrou assim agir quando se sentiu homem ‘comum’. Condenava, pois, não aos outros, mas a sua sexualidade não-resolvida. No entanto, quem ia para a cadeia por causa de seu problema sexual era o outro, o réu.”
Quantas e quantas vezes o um-juiz procura se condenar no outro? Não se sabe. A proposta do trabalho encontra o juiz humano, portador de subjetividade e convida: “Necessário que a magistratura se sensibilize que não é uma carreira imune às intempéries inerentes aos humanos, e que por isso, que abra este espaço de compartilhamento de misérias e de êxitos, e acolha seu material humano, de forma a garantir-lhe o devido apoio que o mantenha feliz, satisfeito, íntegro, e, por fim, interessado a entregar à sociedade o seu melhor.”
Inês Pedrosa nos ajudar a finalizar: “acreditamos naquilo de que precisamos, não é? E acreditamos vinte, trinta, quarenta vezes, contra todas as evidências. Vemos o mal como uma nuvem temporariamente pousada sobre a testa do outro, não como uma parte da alma dele. Somos cândidos por desespero, agarramo-nos às paredes da infância com todas as forças.” E um dia crescemos. O trabalho de Luana nos auxilia. Cresce, todavia, quem pode. Não quem quer. E, como adverte a letra da música de Chorão, do Charlie Brown Jr: “A vida é feita de atitudes nem sempre decentes. Não lhe julgam pela razão mas pelos seus antecedentes.”
*Por Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa
Fonte: ConJur
O Direito Internacional subdivide-se em público e privado. Um conflito de fronteiras é regulado pelo Direito Internacional Público porque envolve os Estados na sua função natural. Já um inventário de uma pessoa falecida que deixa bens em vários países suscita problemas de Direito Internacional Privado, por se tratar de um interesse não dos Estados, nos quais esses bens estejam situados, mas principalmente dos particulares que se sucederão na propriedade dos bens.
De acordo com a nossa concepção, o Direito Internacional Privado refere-se tão somente a relações jurídicas de direito privado com conexão internacional, não se adaptando à resolução do conflito de leis interespaciais de direito público. Mas não se pode negar que o direito público repercute e reflete de modo visível na nossa disciplina, influenciando fortemente a aplicação do Direito Internacional Privado. Por quê?
Cada país conhece, no seu ordenamento jurídico, normas de direito público que reivindicam a sua aplicação imediata, por força de seu conteúdo imperativo e cogente, independentemente do direito aplicável a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional. Na doutrina tais normas são denominadas leis de aplicação imediata.
Ao analisar a relação entre Direito Internacional privado e direito público, devemos dirigir a atenção para o próprio conceito de direito privado e direito público, sendo necessário mencionar que nem em todos os sistemas jurídicos diferenciam-se os dois termos. No Brasil, tradicionalmente, usa-se a dicotomia direito privado e direito público.
O critério básico para a distinção entre eles, ou seja, dos dois conceitos, é o de que o direito positivo define expressamente os conceitos ou declara quando uma matéria pertence ao direito privado ou ao direito público. Quando o direito positivo não contém qualquer manifestação a respeito, pode-se recorrer tanto à doutrina quanto à jurisprudência, posto que ambas desenvolveram várias teorias para distinguir os conceitos.
De acordo com a teoria de subordinação, o direito privado soluciona principalmente relações entre particulares, enquanto o direito público tem como objeto a relação do cidadão com o poder público. Segundo a teoria dos interesses, o direito privado serve para a proteção de interesses particulares, enquanto o direito público procura servir aos interesses públicos.
Finalmente, segundo a teoria funcional, as normas de direito público destinam-se, de imediato, à solução de um assunto público ou à satisfação de um interesse coletivo, ao passo que o direito privado está restrito às relações particulares.
Fonte: Portal Educação
Com a avalanche de novas tecnologias, fintechs e startups em geral, é preciso olhar para o mercado e advogar de forma diferente e inovadora. O papel do advogado é defender a melhor medida, com uma participação que seja positiva e em prol do cenário disruptivo do empreendedorismo. Há uma necessidade de colocar-se no lugar dos empreendedores.
Pode parecer uma recomendação complexa para quem foi educado a enxergar o risco e a comparar a prática com a regra posta – sempre com o intuito de proteger seu cliente, diga-se. No entanto, quando o assunto é inovação, a defesa não representa uma prioridade e a regra não está definida: o empreendedor precisa criar um produto que resolva problemas de uma forma que ninguém imaginava ser possível e, consequentemente, de maneira que não se encontra escrita (regulada).
Seguindo por essa linha, então, parece equivocada a busca desenfreada por regulação daquilo que a “startup do dia” propõe, antes mesmo que tais inovações tenham obtido sucesso de público, estejam pacificadas como aplicação ou que interfiram, em maior grandeza, na rotina e na vida comum dos indivíduos.
Essa ânsia positivista parece crucificar toda tese que já não esteja aprovada pelo Congresso; como se fosse proibido inovar, como se o princípio da legalidade (“o que não está proibido, é permitido”) estivesse invertido.
Em um País em que a desigualdade social atrapalha o desenvolvimento, limitar a liberdade de iniciativa é o mesmo que garantir a concentração de poder na mão dos poucos e mesmos de sempre; e quanto menos concorrência, teremos menos espaço para trabalho e menos ofertas diferenciadas para os consumidores. A regulação, por um lado, permite maior segurança nas relações entre os privados, mas protege aqueles que já alcançaram seu espaço.
Vejamos o que ocorre com os chamados criptoativos (como representantes do Banco Central do Brasil tem se referido publicamente) – entre os quais o Bitcoin é o mais notório – e com o blockchain, onde os prováveis impactados (bancos e outras infraestruturas do mercado financeiro) retardam o desenvolvimento do mercado relacionado a tais tecnologias.
Temos acompanhado o movimento dos maiores bancos brasileiros ao cancelar as contas bancárias de corretoras de criptoativos. Todos sabemos que os canais bancários são um meio para desenvolvimento de qualquer atividade comercial e que, portanto, essa decisão das grandes instituições financeiras criam uma barreira para o setor. Um processo que está em votação na Corte brasileira, questiona justamente o possível abuso de direito dos bancos nesse caso.
Esses mesmos bancos tentaram realizar semelhante bloqueio no Chile, mas foram impedidos pelas autoridades locais, que defenderam a liberdade de iniciativa. Tal qual ocorreu no mercado de transporte de passageiros ou de reserva de apartamentos, quando essas mudanças ameaçam o domínio de quem se vê estabelecido, o grito é de que a inovação é ilegal, irregular. Este é o remédio chamado às pressas para curar a dor de saber-se ineficiente, ultrapassado.
Em especial, sobre os criptoativos, embora nenhuma lei defina a sua natureza jurídica, normas gerais permitem acolher tais ativos. Inclusive, esse é o entendimento da Receita Federal do Brasil, ao tratá-las como bens comuns, sujeitos à tributação de ganho de capital como qualquer outro de sua categoria. Diversos bens são negociados em estruturas semelhantes às das corretoras de criptoativos, e nem por isso, os bancos lhes negam, de forma organizada, acesso ao sistema bancário.
Nesse sentido, uma corretora que permite acesso a bitcoins, ether, ripple e outros ativos digitais pode (e deve) seguir as normas que são, também, obedecidas por bolsas de mercadorias físicas, como a Bolsa Brasileira de Mercadorias. Podem (e devem), inclusive, saber quem são seus clientes, realizar monitoramento de operações suspeitas e comunicar ao COAF casos em que percebam indícios de lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo.
A pretensão de muitos advogados que militam no mercado financeiro e de capitais em vê-las tratadas como ativo financeiro ou valor mobiliário deve ser mantida em debates conjuntos com as discussões globais sobre o tema, mas não podem servir de armadilha para que as empresas estabelecidas impeçam a inovação com subterfúgios regulatórios.
Nos Estados Unidos, por exemplo, temos visto o movimento mais favorável ao mercado, ainda que não haja estabilização sobre o tratamento a ser dado pelos reguladores locais. Neste sentido, recentemente, a ICE (operadora de 23 principais bolsas globais, incluindo a Bolsa de Valores de Nova York – NYSE), que já era investidora da Coinbase (maior corretora americana), divulgou que irá montar uma plataforma para desenvolver instrumentos de investimento em criptoativos (Bakkt).
Como em todos os setores da economia, regulado estritamente ou não, a negociação de desses ativos digitais pode atrair pessoas que façam mau uso do negócio. E, como em todos os demais setores, quem opera regularmente irá colaborar para que aquelas pessoas sejam punidas e excluídas do mercado.
Essa tecnologia não pode ser punida no lugar dos infratores, assim como o dinheiro não foi condenado por aparecer em malas, nem se tem notícia de avestruz aprisionado por pirâmides construídas em seu nome.
Por Reinaldo Rabelo de Morais Filho é diretor jurídico, de compliance e riscos do Mercado Bitcoin.
Fonte: Época Negócios
Em 2014, foi sancionada a Lei Federal nº 12.965, que instituiu o Marco Civil da Internet. Entre outras questões, estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Um dos princípios é o da proteção de dados pessoais, garantindo-se aos usuários o direito de não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei.
Em complemento, neste ano foi sancionada a Lei Federal nº 13.709, que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. A disciplina da proteção de dados pessoais foi desenhada em torno dos seguintes fundamentos, entre outros: o respeito à privacidade; a autodeterminação informativa; a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião; e a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem.
Muito embora tenha havido avanços na proteção do tratamento de dados pessoais, perdeu-se boa oportunidade de se instituir uma autoridade independente para fiscalizar o cumprimento da lei, inclusive com competência para fiscalizar o próprio Estado. Foram vetados pela Presidência da República os dispositivos da lei que previam a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, com definições de suas atribuições, competências e composição. A razão do veto foi alegada inconstitucionalidade formal do processo legislativo de sua criação.
Enquanto isso, a União Europeia instituiu o chamado Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), que deu mais poder aos cidadãos, consumidores e usuários sobre seus próprios dados. Houve o reforço do consentimento livre para que qualquer pessoa colha e faça tratamento sobre dados pessoais alheios, em especial os chamados sensíveis (origem étnica, religião, predileções políticas, etc.). Outro grande avanço foi a determinação da obrigatoriedade da destruição dos dados pessoais de contas inativas após um determinado período.
Enfim, é importante que o Brasil institua uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados, que tenha competência não só para fiscalizar o cumprimento da lei de proteção de dados pessoais, mas também para aplicar sanções, como multas e suspensão de atividades. É essa a demanda dos tempos atuais, em que tudo passa pela Internet – inclusive a nossa democracia.
Os 5 melhores sites de notícias para advogados antenados
Que sites de notícias para advogados você costuma visitar? Se existisse uma lista de pré-requisitos para ser um profissional antenado às novidades do mercado, com certeza se manter bem informado estaria entre os primeiros. Afinal, além de aguçar o seu senso crítico, a informação ajuda a guiar o rumo da sua atuação e a manter você e o seu escritório um passo à frente da concorrência.
Mas, para que isso aconteça, é interessante ir além da leitura de periódicos e grandes portais e beber de outras fontes. A boa notícia – com o perdão do trocadilho – é que o acesso ao conhecimento é uma das várias barreiras que a internet ajudou a derrubar. Hoje, existem vários blogs e sites que cumprem muito bem a função de compartilhar novidades, suscitar debates e reflexões sobre temas fundamentais para uma boa advocacia.
Para ajudar você a fazer uma boa curadoria das fontes de conteúdo, decidimos compartilhar o indicações dos principais blogs e sites de notícias para advogados. Para saber quais são e como eles podem ser úteis na sua rotina, é só continuar a leitura.
Em primeiro lugar na lista de portais jurídicos para acompanhar, o Jusbrasil traz informações tanto para advogados quanto para quem está em busca de seus direitos. Por se tratar de uma plataforma de informações, o site de notícias para advogados oferece conteúdos de diferentes assuntos relacionados ao universo do direito e da advocacia. Por lá você encontra artigos, notícias, jurisprudência, legislação e Diários Oficiais.
Partilhando do desejo de democratizar o acesso à informação, a plataforma é alimentada por pessoas (advogados, representantes de negócios jurídicos, entre outros) que querem compartilhar seus conhecimentos jurídicos. O que significa que por lá você encontra conteúdos atuais de diversos assuntos e autorias. O Jusbrasil está entre os portais jurídicos mais visitados do mundo. Se você ainda não conhece, vale a pena dar uma olhada.
No ar há mais de 20 anos, a revista eletrônica é uma publicação independente que se dedica a informar questões fundamentais do sistema judicial. Editada por jornalistas, a Consultor Jurídico é, segundo a nossa pesquisa, a segunda colocada na lista dos melhores sites de notícias para advogados.
Voltada para advogados, juízes, estudantes e professores de direito, além de pessoas que se relacionam periodicamente com o universo jurídico, a revista traz as últimas notícias do setor, além de artigos, pesquisa e entrevistas. Se você tem o hábito de acessar sites de notícias, certamente vai gostar da Conjur.
Dedicado aos profissionais do direito de toda as áreas, o Migalhas é um portal de informações jurídicas que compartilha, além de notícias e reportagens, artigos, jurisprudência, agenda de eventos, doutrina, legislação e vários outros. O objetivo do serviço, que está entre os sites de notícias para advogados mais lidos, é reunir as novidades do mundo jurídico em um mesmo lugar.
Para isso, existem colaboradores externos e várias sessões. O Migalhas Quentes, por exemplo, traz as notícias do dia sobre o universo jurídico e também sobre política, economia, tecnologia e outros temas que, de certa forma, impactam o cotidiano dos advogados.
Já o Migalhas de Peso é uma seção dedicada ao debate jurídico, às novas ideias e aos assuntos relacionados ao direito e à advocacia
Criado por jornalistas especializados na cobertura do Poder Judiciário, o Jota atende, desde 2014, às demandas por informações confiáveis e aprofundadas sobre o que acontece no universo jurídico brasileiro e nos Três Poderes. Com conteúdos jornalísticos desenvolvidos para advogados, juízes, procuradores e estudantes de direito, o Jota tem conteúdos de acesso gratuito e planos pagos, para quem quer ficar por dentro de tudo o que acontece. Eventos, coberturas especiais, carreira, eleições, opinião e análises. Essas são algumas das editorias que você encontra no portal de conteúdos jurídicos.
Não podemos deixar de recomendar o site da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs. Para quem se interessa por inovação, tecnologia para advogados, empreendedorismo e soluções disruptivas, a curadoria dos artigos e notícias da AB2L vai ser uma ótima maneira para se manter bem-informado e preparado para o futuro.
Fonte: Blog da Aurum
Se houvesse um ranking de expressões mais faladas atualmente, certamente “não tenho tempo” ocuparia um dos primeiros lugares. As dicas de produtividade para advogados são cada vez mais valorizadas justamente porque o tempo é um bem escasso e valioso na rotina moderna. Então, se você chegou aqui procurando maneiras de melhorar a sua produtividade e da equipe do seu escritório, veio ao lugar certo! Atenção para as dicas!
1 – O planejamento é a primeira etapa para uma rotina mais produtiva
O planejamento é um processo de organização mental e prático que facilita o cumprimento de todos os passos necessários para um objetivo ser alcançado. Quando falamos em produtividade para advogados, além do estabelecimento de metas, essa etapa inicial ganha uma importância semanal e diária na vida do advogado.
A equipe deve planejar as ações semanais na segunda-feira. Cada colaborador sai da reunião sabendo exatamente quais atividades vai desenvolver e entregar durante a semana. A partir daí, cada pessoa faz a sua organização diária para cumprir a lista de atividades definida em equipe.
Organização individual
Uma dica de produtividade para advogados que ajuda a cumprir o planejamento semanal e diário é o uso inteligente de listas de tarefas e eventos! Eventos são compromissos com data, horário e local para acontecer. Já as tarefas são atividades de rotina, que, apesar de necessitarem organização para acontecer de maneira produtiva, podem ser executadas com um pouco mais de flexibilidade.
Outra dica de produtividade para advogados relacionada ao cumprimento do planejamento é iniciar o dia checando sua agenda. Isso vai ajudar você a relembrar compromissos e a criar sua lista de tarefas diária sabendo quanto tempo você vai ter disponível para executá-la.
2 – Aprenda a priorizar as atividades
Na hora de priorizar ações, todas as tarefas parecem importantes, certo? E não deixam de ser. No entanto, algumas são mais importantes do que outras.
Mensure o esforço das tarefas e dê nota de prioridade para cada uma delas – recebem maior prioridade as atividades que possuem prazo definido, impedem e atrapalham o trabalho de alguém ou solucionam problemas fundamentais para o pleno funcionamento do time ou da empresa.
É claro que a prática de dar notas para as prioridades pode não servir para você e para o seu escritório, e tudo bem (mesmo!). Para facilitar essa divisão, também é possível usar outro critério e separar as atividades em quatro grupos: urgentes, importantes, importantes e delegáveis e, por fim, não importantes e nem urgentes. Esses conceitos fazem parte das melhores dicas de produtividade para advogados!
Atividades urgentes
São aquelas que precisam ser resolvidas o quanto antes! Normalmente, atividades urgentes são tarefas importantes que não foram priorizadas corretamente. Também entram aqui as ações estratégicas que precisam ser feitas rapidamente para evitar possíveis prejuízos ao escritório. Prazo processual próximo de vencer, reuniões com clientes importantes, ações de marketing digital atrasadas, entre outras.
Atividades importantes
Aqui entram as tarefas mais estratégicas, que têm relação com a rotina do escritório e com as metas de como fazer o escritório de advocacia crescer. São as atividades relativas aos prazos previstos, às ações de aquisição de clientes e ao que é imprescindível para o pleno funcionamento do escritório.
Atividades delegáveis
Aqui entram aquelas ações que são muito importantes para o escritório, mas que podem ser executadas por advogados menos experientes ou até por pessoas de outras áreas. Agendar reuniões, redigir peças a partir de modelos de documentos jurídicos, atualizar as redes sociais do escritório, etc.
Atividades não urgentes e nem importantes
Cuidado! Esse grupo reúne atividades capazes de sugar o seu tempo. Brincadeiras à parte, aqui entram as atividades de menor importância para as metas do escritório, mas que ainda assim são relevantes para a sua rotina. Ler emails, checar whatsapp, acompanhar redes sociais, ler notícias e outras ações que podem ser mais produtivas quando criado e respeitado um tempo diário ou semanal para dedicar-se a elas.
3 – Use a tecnologia de maneira estratégica
Hoje em dia existem muitas ferramentas para advogados que ajudam a elevar a produtividade. O melhor é quando você pode contar com uma que resolve mais de um problema ao mesmo tempo e concentra todas as informações no mesmo lugar, facilitando o acesso e otimizando o tempo.
Esse é o caso dos softwares jurídicos. Além das funções de agenda, lista e delegação de tarefa, o sistema para advogados profissionaliza o controle de processos, a gestão de prazos (adeus, perda de tempo alimentando planilhas!), o atendimento ao cliente (olá, fidelização!), a gestão financeira (organização financeira é tranquilidade!) e a rotina de produzir e editar peças jurídicas!
4 – Mantenha o foco
Entre as dicas de produtividade para advogados, essa talvez seja uma das mais importantes. Afinal, de nada adianta estabelecer metas e planejar ações se você não consegue cumpri-las. Manter o foco é importante para não esquecer por que você faz o que faz diariamente! Metas sem foco acabam perdendo o propósito.
Além de planejar suas atividades e as dos seus colaboradores com foco nos objetivos do escritório, dê atenção à sua rotina. Evite interferências na hora de executar as suas atividades. Afaste o celular do seu campo de visão enquanto estiver em atendimento ou em atividade intelectual. Mantenha o aparelho em modo silencioso, defina horários para ler e responder emails, whatsapp e redes sociais.
Se você vai aos compromissos de uber, táxi ou similar, torne esse tempo produtivo. É um excelente momento para responder mensagens, checar as atualizações dos processos, fazer ligações ou meditar (meditação também ajuda na produtividade para advogados).
Ao dirigir em horário de trabalho, aproveite para ouvir podcasts sobre Direito e advocacia ou sintonizar em estações de notícias. Organizando cada atividade “em seu lugar”, dificilmente você vai deixar algo passar batido.
Método pomodoro
Para os momentos de dificuldade de concentração, o método pomodoro é uma das grandes dicas de produtividade para advogados. A técnica de hiperfoco propõe um trabalho em ciclos.
O mais comum é de 25 minutos de foco total em uma tarefa para 5 minutos de descanso (podem ser usados com vídeos no Youtube, Whatsapp ou como você quiser). Ao fim da quarta sequência, você tem direito a 30 minutos de descanso.
5 – Otimize o seu tempo
Direta ou indiretamente, todas as dicas de produtividade para advogados que compartilhamos neste artigo otimizam o tempo. Mas achamos importante dedicar um tópico para ressaltar o quanto esse aspecto deve ser valorizado com a mesma relevância e seriedade da gestão de processos e casos do escritório.
Leve o seu tempo e o tempo da sua equipe a sério! Planeje apenas o que é possível executar no tempo estimado e cobre apenas o que foi delegado. Repensar a maneira como você conduz e participa de reuniões também é muito importante para manter a produtividade lá em cima.
A Lei Geral de Proteção de Dados (13.709) foi sancionada na última semana pelo presidente Michel Temer. A norma, que traz regras sobre a coleta e o tratamento de informações de pessoas por empresas e órgãos do poder público, ainda terá um período de transição de 18 meses antes de entrar em vigor. Ela terá impactos nas atividades cotidianas de usuários, empresas e órgãos da administração pública.
A lei trará consequências especialmente no mundo on-line, uma vez que os usuários têm registros e atividades coletados e tratados diariamente não somente por plataformas (como Facebook ou Google) mas por uma série de outras empresas sem que eles saibam. Mas também valerá no mundo off-line, como no pedido de CPF para compras em farmácias ou na hora de entrar em um prédio residencial ou comercial.
Segundo a norma, dados pessoais são informações que podem identificar alguém. Não se trata, portanto, apenas do nome. Mas um endereço ou até mesmo empego podem ser considerados como tal se permitirem identificar alguém quando cruzados com outros registros.
Dentro do conceito, foi criada uma categoria chamada de “dado sensível”, informações sobre origem racial ou étnica, convicções religiosas, opiniões políticas, saúde ou vida sexual. Registros como esses passam a ter nível maior de proteção, para evitar formas de discriminação. Esse tipo de característica não poderá ser considerado, por exemplo, para direcionamento de anúncios publicitários sem que haja um consentimento específico e destacado do titular. Já registros médicos não poderão ser comercializados.
Mas quem fica sujeito à lei? Todas as atividades realizadas ou pessoas que estão no Brasil. A norma valerá para coletas operadas em outro país desde que estejam relacionadas a bens ou serviços ofertados a brasileiros. Se um site de cursos on-line, por exemplo, comercializa aulas em português ou voltada a brasileiros, deverá cumprir as exigências da norma.
Finalidade específica e consentimento
Uma empresa não poderá coletar dados para fazer o que quiser com eles, mas deverá informar a finalidade. Um site que solicite dados de idade em um cadastro sem que isso tenha a ver com o serviço prestado pode ser questionado. A coleta só poderá ocorrer em situações específicas, sendo a principal delas mediante a obtenção de autorização do titular (o chamado consentimento). A tendência, portanto, é que os usuários passem a ser perguntados mais frenquentemente se dão sua permissão. Neste momento, será importante ler o motivo da coleta para identificar se os dados solicitados têm relação com a finalidade da atividade.
Ao aceitar repassar seus dados, como ao concordar com termos e condições de um aplicativo, as empresas passam a ter o direito de tratar os dados (respeitada a finalidade específica), desde que em conformidade com a lei. Entretanto, as empresas passarão a ter uma série de obrigações, como a garantia da segurança dessas informações e a notificação do titular em caso de um incidente de segurança. Para citar um exemplo, quando o Facebook tomou conhecimento que os dados 87 milhões de pessoas (entre elas brasileiros) haviam sido entregues à empresa de marketing digital Cambridge Analytica, ele não avisou aos usuários afetados.
“Antes, se uma empresa coletasse dados pessoais de clientes, não aplicasse nenhum tipo de segurança sobre esses os dados e depois sofresse algum ataque, dificilmente a empresa sofreria algum tipo de punição. Agora, a empresa terá que comprovar que tem uma estrutura de segurança preparada para assegurar a proteção dos dados e poderá receber multas caso não cumpra as regras”, explica Jeferson Propheta, diretor-geral da McAfee no Brasil, empresa que comercializa programas antivírus.
A norma permite a reutilização dos dados por empresas ou órgãos públicos, em caso de “legítimo interesse” desses. Estabelece, no entanto, que esse reúso só pode ocorrer em uma situação concreta, em serviços que beneficiem o titular e com dados “estritamente necessários”, respeitando os direitos dele. Um desafio da lei será exatamente a avaliação das situações específicas nas quais uma empresa alegue o “legítimo interesse” e se o reúso respeita as exigências.
Direito
De outro lado, o titular ganhou uma série de direitos. Ele poderá, por exemplo, solicitar os dados que a empresa tem sobre ele, a quem foram repassados (em situações como a de reutilização por “legítimo interesse”) e para qual finalidade. Caso os registros estejam incorretos, poderá cobrar a correção. Em determinados casos, o titular terá o direito de se opor a um tratamento. A lei também permitirá a revisão de decisões automatizadas tomadas com base no tratamento de dados (como as notas de crédito ou perfis de consumo).
“O usuário de mídias sociais poderá solicitar a qualquer momento o acesso aos dados pessoais mantidos pelas plataformas. Além disso, terá o direito de solicitar a uma empresa que elaborou o seu score financeiro o acesso aos dados pessoais que justificaram a determinação do seu perfil (ainda que automatizada), inclusive para solicitar a correção de qualquer dado incorreto ou inexato”, exemplifica a advogada especializada em direito digital Vanessa Lerner.
O titular terá ainda direito à portabilidade de suas informações, assim como ocorre com número de telefone. A autoridade regulatória, se criada, deve definir no futuro como isso será feito. Mas a possibilidade de levar os dados consigo é importante para que uma pessoa possa trocar de aplicativo sem perder seus contatos, fotos ou publicações.
Crianças de até 12 anos ganharam garantias específicas na lei. A coleta fica sujeita a uma série de restrições, deve ser informada de maneira acessível para esse público e será condicionada à autorização de pelo menos um dos pais.
Negócios
Ao estabelecer garantias e responsabilidades para as empresas, a lei vai ter impacto importante nos negócios realizados no Brasil e com parceiras estrangeiras. A primeira mudança é que, com sua aprovação, o país passa a atender a exigências de outros países e regiões, como a União Europeia. Sem isso, as empresas nativas poderiam ter dificuldades para fechar negócios.
Na avaliação do gerente executivo de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), João Emílio Gonçalves, as empresas terão que adotar uma série de medidas para se adequar à nova legislação quando entrar em vigor. Para além da garantia da segurança dos dados, terão que eleger um “encarregado de proteção de dados”, que terá a função de receber reclamações, comunicações, orientar funcionários da empresa, entre outras atribuições.
A maior preocupação dele será com as pequenas e médias empresas. Em alguns casos, a adequação à lei poderá exigir revisão de processos. “De modo geral, as empresas que atuam no mercado internacional ou que realizam transferências internacionais de dados estão mais preparadas para lidar com a nova lei, pois já vinham se adaptando aos regulamentos de outros países, como os da União Europeia. O maior desafio será para as empresas menores e aquelas mais restritas ao mercado local”, alerta.
Autoridade regulatória
A normatização e fiscalização ficariam a cargo do que o texto aprovado no Senado chamou de Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Contudo, os artigos que tratavam da criação da agência foram vetados pelo presidente Michel Temer, com a justificativa de que o Congresso não poderia aprovar um novo órgão. O governo informou que deve enviar um projeto de lei ao Congresso prevendo a implantação da autoridade.
Para o pesquisador da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits) Bruno Bioni, a existência da autoridade é fundamental para que ela possa aplicar os princípios previstos na lei aos casos concretos. “A lei não faz menção a uma tecnologia em específico. Por isso, será necessária a figura da autoridade para traduzir esses direitos de acordo com desafios que novas tecnologias vão colocar. Se falamos hoje em Big Data [coleta massiva de dados] e inteligência artificial, daqui a pouco falaremos de computação quântica”, argumenta.
Para João Emílio Gonçalves, da CNI, a autoridade é importante desde já, e não apenas quando a lei entrar em vigor. “A criação da autoridade é fundamental. Sua função vai muito além da fiscalização e repressão. Na verdade, a agência será importante desde já, pois contribuirá para orientar as empresas e os cidadãos sobre obrigações e direitos previstos no novo regulamento”, destaca.
Fonte: IDG Now / Agência Brasil
Quem ingressa em uma carreira, normalmente, tem alguém de destaque no setor para servir de referência e inspiração. Afinal, quem está iniciando sempre busca o exemplo dos maiores profissionais do setor para aprimorar as suas qualidades e encontrar um lugar ao sol.
E no direito isso não é diferente. Por isso, confira a seguir uma relação com alguns advogados que fizeram história no Brasil:
Rui Barbosa
Rui Barbosa é uma das personalidades mais importantes da história brasileira. No início do século 20, Rui Barbosa foi um renomado político, estadista, diplomata e dos maiores juristas do Direito nacional. Em sua carreira, ele atuou firmemente contra a escravidão, apoiou as reformas nas eleições e na educação, foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, assumindo o lugar de presidente após Machado de Assis e se transformou em nome conhecido mundialmente em função de sua participação na Conferência da Paz de Haia, na Holanda, em 1907.
Pontes de Miranda
Pontes de Miranda é um dos principais nomes da advocacia brasileira até os dias de hoje. Afinal, contribuiu intensamente para a construção do Direito no país. Mais do que um advogado, ele também atuou como professor, diplomata brasileiro, jurista, matemático, sociólogo e filósofo.
Luís Gama
Negro, filho de africana e escravo durante a sua infância. Ao crescer, formou-se em Direito e se transformou em um dos abolicionistas mais ativos da história do Brasil. Gama ainda foi integrante da Academia Paulista de Letras, poeta, jornalista e sempre lutou para que outras pessoas não passassem pelo que o ele enfrentou quando ainda era uma criança.
Heráclito Fontoura Sobral Pinto
Heráclito Fontoura Sobral Pinto foi um dos juristas mais famosos do país e acumulou passagens em todos os acontecimentos importantes no decorrer do século 20. Durante as duas ditaduras brasileiras, o Estado Novo de Vargas e a Ditadura Militar, ele se posicionou a favor dos direitos humanos dos presos políticos. Ele também foi integrante importante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Márcio Thomaz Bastos
Falecido aos 79 anos no fim de 2014, Bastos foi um dos principais advogados do Brasil e atingiu até mesmo o cargo de Ministro da Justiça. Marcio Thomaz Bastos foi um advogado criminalista e durante a carreira chegou a representar: Edir Macedo, o médico Roger Abdelmassih e Carlinhos Cachoeira.
Clóvis Beviláqua
Atualmente, um acadêmico de Direito, em algum momento do seu curso, vai ouvir o nome de Clóvis Beviláqua. Isso acontece em função do grande destaque deste profissional no Direito brasileiro, ao deixar uma grande obra, não contendo somente assuntos jurídicos, como ainda colaborando sobre história, filosofia e literatura. Vale ressaltar ainda que Beviláqua foi o grande responsável pela atualização do Código Civil Brasil, que antes da sua revisão era bastante antiquado e ultrapassado.
Francisco Müssnich
O escritório de Francisco Müssnich foi selecionado pelo Comitê Organizador Local da Copa de 2014, o que acabou lhe deixando a frente de todos os assuntos jurídicos de um dos maiores eventos que o país já recebeu. Antes do Mundial de 2014, ele trabalhou para a Confederação Brasileira de Futebol. Ele é conhecido como um tipo de solucionador de problemas e por trabalhado em diversos negócios famosos do Brasil, como, por exemplo, a venda da Brasil Telecom em 2008.
Quais mais você acrescentaria à essa lista?
Fonte: Blog Jurídico Certo
A preocupação com as chamadas notícias falsas também mobilizou parlamentares dos mais variados partidos. Tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, foram apresentadas iniciativas buscando alterar legislações como o Código Penal e o Marco Civil da Internet para instituir formas de coibir a disseminação de conteúdos falsos e punir responsáveis, dos que elaboram aos que compartilham. Mas as propostas estão longe de serem consensuais dentro do Parlamento.
Boa parte dos projetos apresentados propõe regras de dois tipos: ou criminalizam os usuários que produzem ou difundem as chamadas notícias falsas ou impõem às plataformas digitais (como Facebook, Google e Instagram) a obrigação de fiscalizar o conteúdo que circula em seu interior, sujeitando essas empresas a multas caso não removam mensagens falsas ou consideradas prejudiciais. Em regra, alteram leis como o Código Penal, o Código Eleitoral e o Marco Civil da Internet.
Há polêmicas em relação às duas soluções. No caso da criminalização de produtores e distribuidores, os defensores apontam a medida como eficiente para coibir a prática, com sanções proporcionais, uma vez que a difusão desses conteúdos tem potencial de arruinar reputação de pessoas, marcas e instituições, bem como de influenciar eleições.
Já os críticos pontuam que não há necessidade de tipificar a prática, pois a legislação brasileira já prevê os crimes contra a honra – calúnia, injúria e difamação. Além disso, consideram a prisão, por exemplo, uma penalidade desproporcional em um cenário em que a capacidade de checagem dos usuários é reduzida.
Já a proposta de responsabilizar as plataformas, punindo Facebook e Google caso não removam notícias falsas, é defendida pelos autores como a forma mais eficaz diante da lentidão da Justiça para determinar a exclusão de um conteúdo e da rapidez da disseminação dessas mensagens. Os favoráveis a essa proposta se inspiram em legislação aprovada na Alemanha, com regras neste sentido.
Os segmentos contrários alertam para dois problemas nessa medida. O primeiro seria a incapacidade de as plataformas definirem o que é verdade e o que não é ou julgar as diferentes formas de desinformação. O segundo seria o estímulo a uma cultura de censura, já que as plataformas podem, com receio das multas, passar a derrubar qualquer conteúdo que possa ser levemente apontado como notícia falsa.
Câmara
Mais de 10 projetos de lei sobre o tema tramitam na Câmara. O PL 8.592 de 2017, do deputado Jorge Corte Real (PTB-PE), inclui no Código Penal a prática de “divulgar ou compartilhar, por qualquer meio de comunicação social capaz de atingir um número indeterminado de pessoas, informação falsa ou prejudicialmente incompleta, sabendo ou devendo saber que o são”. O texto prevê penas menores, de um a dois anos de prisão.
O PL 7.604 de 2017, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), prevê a responsabilização de provedores de conteúdo nas redes sociais em casos de divulgação de informações falsas, ilegais ou prejudicialmente incompletas. A multa nesses casos seria de R$ 50 milhões no caso de a plataforma não retirar o conteúdo em até 24 horas.
Na opinião de Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), a necessidade de regulação é justificada pelo alcance deste tipo de conteúdo atualmente, a despeito do fenômeno das mentiras e desinformação ser uma marca história da política. “É um momento em que o Brasil e toda a humanidade estão preocupados com os efeitos negativos que recaem sobre a sociedade, empresas, pessoas e poderes. No processo eleitoral não é diferente”, comenta.
Já o deputado Celso Pansera (PT-RJ), relator de alguns projetos sobre o tema, considera que a legislação atual, em especial o Marco Civil da Internet e o Código Civil (que prevê os crimes de calúnia, injúria e difamação), já têm instrumentos suficientes para punir os autores de fake news. Ele cita a provável aprovação da Lei de Proteção de Dados Pessoais, que já está na pauta do Senado, como outra legislação importante. Além disso, acrescenta o parlamentar, a Justiça Eleitoral vem adotando medidas, e se multiplicam os projetos de checagem de dados e informações – patrocinados inclusive pelos veículos de imprensa. “Há uma mobilização para enfrentar essas eleições com instrumentos que já temos disponíveis”, disse à Agência Brasil.
Contudo, a regulação do tema tem um aliado de peso. Em audiência sobre o tema realizada na Câmara dos Deputados no dia 19 de junho , chamada de comissão geral, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), posicionou-se entre os que defendem a necessidade de estabelecer regras sobre o assunto. “Se as pessoas estão sendo manipuladas por notícias falsas, precisamos encarar este fenômeno e regulá-lo”, pontuou. Em seu texto, Maia convocou os presentes a debater uma “legislação de consenso” sobre as notícias falsas e o discurso de ódio na internet.
Senado
No Senado, Ciro Nogueira (PP-PI) também apresentou um PL alterando o Código Penal tornando crime “divulgar notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante”, com pena de um a três anos no caso de uso da internet.
Para além da proposição, na Casa, o principal palco de discussões sobre o tema vem sendo o Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão criado pela Constituição para auxiliar o Congresso nas matérias na área. No início de junho, o CCS aprovou relatório sobre as matérias em discussão no Parlamento.
O parecer apresentado pelo relator, Miguel Matos, integrante do conselho e editor do Portal Migalhas, concluiu que “as referidas matérias não conseguem abarcar a complexidade do fenômeno das notícias fraudulentas” e sugeriu a continuidade das discussões dentro do Legislativo sobre a temática.
Riscos
A Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom) divulgou documento em que alerta para o risco de medidas de combate às fake news provocarem violações à liberdade de expressão e ao direito à informação por criminalizar a difusão de informações e fomentar uma cultura de remoção de conteúdos pelas plataformas . “A nossa democracia precisa, sim, se debruçar sobre este fenômeno sem, entretanto, incorrer em medidas que cerceiem a liberdade de expressão e a privacidade dos usuários da internet no Brasil”, opina.
Em vez das propostas de legislação, a frente defende combater as notícias falsas com mais informação, fomentando a diversidade na internet; reconhecendo a legislação brasileira e fortalecendo-a com a aprovação da Lei de Proteção de Dados; garantindo neutralidade e transparência nas plataformas e promovendo programas de educação para a mídia e as tecnologias digitais.
Calendário apertado
A falta de consenso é um dos obstáculos à aprovação de uma legislação ainda a tempo das eleições deste ano. Nenhum dos muitos projetos de lei está na pauta do plenário nas duas Casas. Em razão do pleito de outubro, o Congresso deve ter um calendário apertado com uma disputada pauta de votações. Embora a aprovação de uma legislação tenha no presidente da Câmara um aliado, na avaliação do deputado Celso Pansera dificilmente proposições sobre o assunto devem ser votadas a tempo da disputa eleitoral.
Fonte: Agência Brasil
Juristas gostam de raciocinar a partir de casos hipotéticos, então comecemos com um: imaginem que a polícia descobre que determinada pessoa praticou um crime bárbaro. A descoberta ocorreu porque os policiais conseguiram, no curso de uma investigação, interceptar uma ligação entre o criminoso e sua esposa, na qual ele confessava, sem margens para dúvidas, que havia praticado o crime. Aquela era a única prova material que a polícia conseguira em meses de investigação. Finalmente, a justiça poderia ser feita. Só havia um problema: a polícia havia interceptado a ligação sem ter pedido a um Juiz que a autorizasse previamente.
Aquele criminoso, se não existirem outras provas, provavelmente será absolvido. O direito brasileiro não admite provas que tenham sido obtidas por meio de interceptação telefônica não autorizada judicialmente. Policiais, promotores, advogados e – principalmente – juízes poderão ouvir a gravação, saber do que se trata, ter certeza que nela consta uma confissão expressa de crime, e ainda assim deverão concordar que o criminoso sem escrúpulos não poderá ser condenado.
Pessoas comuns, diante disso, ficam consternadas. Será que é correto deixar que um assassino ou um corrupto saia impune de um tribunal por conta de uma pequena minúcia técnica em um processo criminal? O formalismo jurídico, com suas regras, seus procedimentos, suas milhares de brechas para nulidades e vícios, não é, afinal de contas, um tipo de artificialismo imoral?
Os juristas tentam encontrar – ou formular – justificativas morais para situações como essa. Eles argumentam, por exemplo, que os formalismos são uma salvaguarda do cidadão em face do arbítrio do Estado. Pequenas violações de garantias, que muitos gostam de chamar de “fundamentais”, acabarão se transformando em violações progressivamente mais graves. O cidadão comum que consentiu com uma pequena violação, acabará sendo, posteriormente, vítima de outra.
É melhor absolver um culpado do que condenar um inocente, dizem os juristas. As garantias – e nulidades que muitas vezes dela decorrem – tentam assegurar que poucos inocentes serão injustamente condenados. Idealmente, que nenhum será. Se alguns culpados serão soltos como decorrência, paciência. É o preço a se pagar.
Mas será mesmo? Nosso criminoso hipotético havia confessado o crime, e ninguém tinha dúvidas quanto a isso. Será moralmente correto deixá-lo livre em nome de supostos inocentes que poderiam ser condenados num futuro que não sabemos se chegará?
A resposta do Direito é “sim”. Ou melhor: “não importa”. O cidadão comum vê com estranhamento as formalidades jurídicas porque encara problemas como o do criminoso hipotético a partir de seu julgamento moral sobre o caso. E o julgamento moral do cidadão comum, corretamente, considera que um criminoso confesso deve ser punido, e que é injusto não fazê-lo.
Contudo, é esse tipo de julgamento moral que o Direito tenta afastar do raciocínio jurídico. Na lógica dos juristas, a avaliação moral das circunstâncias de um caso pode ser relevante no momento da criação de uma lei. Mas, uma vez promulgada, cabe aos profissionais do Direito aplicá-la, de acordo com os cânones de interpretação jurídica que aprenderam em seus livros de doutrina e nas decisões judiciais anteriores. Não é seu papel avaliar moralmente a situação. Seria melhor que o Direito fosse mais flexível em termos de obtenção de provas por meio de interceptação telefônica? Até poderia ser. Mas ele, atualmente, não é, e o juiz, ainda que triste e resignado, deverá curvar-se à lógica do direito.
Não é lógico, do ponto de vista moral, que um criminoso seja punido? Até pode ser, mas os juristas costumam objetar que o Direito tem a sua própria lógica. O mundo do Direito é um mundo paralelo, com suas próprias regras, suas próprias leis e seus próprios critérios do que é certo e do que é errado.
Isso não significa, então, que deveríamos abrir mão do Direito, e deixar que nosso julgamento moral e nosso senso de justiça decidam os casos, à medida que eles surjam? Existem várias razões – alguns diriam racionalizações – para termos um sistema de normas com as características do Direito. Ele pode servir para diminuir os conflitos sociais que surgiriam das divergências sobre a interpretação de uma norma moral. Ele pode facilitar a coordenação social entre pessoas que pensam e agem de maneiras distintas. Ele pode conferir segurança e previsibilidade às relações entre cidadãos. As razões são muitas.
Mas quero chamar atenção, aqui, não para a estranheza gerada no cidadão comum pela diferença entre a lógica artificial do direito e o nosso próprio senso de moral e justiça. Quero chamar atenção para o fenômeno inverso: a substituição do nosso senso de moral e justiça pela lógica artificial do direito. Em outras palavras: a falta de estranhamento diante do Direito.
A lógica implacável do Direito pode levar a decisões que contradizem o que achamos correto, tudo o mais considerado. O cidadão comum que esteja convencido da importância do Direito aceitaria o resultado com um certo sentimento de resignação. Infelizmente, pensa ele, esse é o preço que temos que pagar. Mas algumas pessoas, ao invés de um sentimento de resignação ou de revolta contida, passam a equiparar a sua própria regra moral com a regra do Direito. Não há mais a sensação de estranhamento diante do conflito entre consciência moral e regras jurídicas porque não há mais diferença entre consciência moral e regras jurídicas. Uma absolvição jurídica é também uma absolvição moral.
O filósofo inglês Jeremy Bentham ficava horrorizado diante da imensa complexidade do direito inglês, com seus métodos artificiais de prova, suas leis prolixas e obscuras, e seu excesso de formalismo. Mas, como nota H.L.A. Hart, Bentham ficava ainda mais horrorizado com a facilidade com que juristas aceitavam os abusos do Direito e propagavam a “enervante superstição” de que esses abusos eram “naturais e inevitáveis” (Essays on Bentham: Studies in Jurisprudence and Political Theory. Oxford: Oxford University Press, 1982, p. 26).
A mistificação do Direito denunciada por Bentham podia ser vista no uso recorrente de expressões que o filósofo chamava de “passion-kindling appellatives” e “imposter terms“: expressões que tinham um sentido mais emocional do que descritivo. Bentham citava o uso da expressão “manutenção da lei e da ordem” – ao invés da simples “aplicação da lei” – como uma dessas expressões, mas podemos encontrar outras: as regras processuais que não são simples regras, mas, sim, “garantias fundamentais”; a não observância de uma dessas regras, que não é vista apenas como uma nulidade, mas também como uma violação ao “Estado de Direito”.
Mistificar o Direito, assim, é elevá-lo à condição de regra moral natural que uma criação humana imperfeita não deveria ter. A existência do Direito pode ser necessária, mas a sua mistificação definitivamente não é. O criminoso hipotético, cuja confissão foi interceptada em um ato ilegal da Polícia, não deve ser condenado, segundo o Direito. Isso não significa que não devamos impor-lhe o castigo da reprovação moral e, a depender do caso, política, que sua conduta merece.
Diante da prova cabal de um crime, que consequências o criminoso deveria sofrer? Se a prova foi obtida de maneira ilegal, ele não deveria ser punido pelo Direito. Isso significa que não deva ser punido na esfera moral e política? Algumas pessoas, críticas da suposta sanha justiceira do cidadão comum, parecem crer que não. Estes, no entanto, não percebem que, por trás de um alegado compromisso sentimental com o Estado de Direito, estão reprimindo sua própria sensibilidade moral em nome da mistificação de uma criação humana importante, útil, porém falível e parcial. No mundo paralelo do Direito, deve vigorar a estrita lógica jurídica; no mundo da moral e da política, não.
(Artigo originalmente publicado aqui)
Quando entramos no curso de Direito, somos ensinados que podemos escolher dois caminhos:
A primeira opção, considerada a melhor por grande parte (senão a maioria) dos aspirantes juristas, costuma atrair muito pelo apelo a estabilidade, a uma “vida ganha” e a um salário relativamente alto para o mercado jurídico. Claro, existem aqueles que seguem realmente sua vocação no serviço público e o prestam de maneira magistral, com bom gosto e um sentimento de realização profissional incrível. Agora, via de regra, são aqueles apelos que direcionam a massa de concurseiros que, se não descobrirem a vocação após a aprovação para os cargos públicos que virão a ocupar, tendem a cair na perversa rotina do funcionalismo público de má vontade que prejudica tanto a eles próprios quanto ao país como um todo.
A segunda opção, por sua vez, acaba se tornando uma ótima alternativa para aqueles que não são tão apegados a uma rotina 100% fixa de trabalho e que têm certa facilidade em defender os interesses de outras pessoas. Com um currículo bem tecnicista e programado quase que inteiramente para aplicação nua e crua da letra da lei (e dos entendimentos cada vez mais fluidos dos diversos tribunais), os cursos de Direito parecem muito mais inclinados a formarem algo similar com “operador do Direito” do que efetivamente um militante dos interesses alheios legítimos que escuta, compreende, orienta e busca soluções para os conflitos daqueles que o procuram – qualidades que, estas sim, eu identifico como essenciais a um advogado.
Longe de mim querer simplificar e colocar todos os navegantes de cada um desses caminhos em um mesmo barco. Sei que existem milhares de diferenças relacionadas a áreas, nichos, segmentos, personalidade, etc, que fariam qualquer simplificação desse tipo cair por terra. Fato é que, existem esses dois caminhos e existem distintas razões para que as pessoas optem por um ou por outro, só fiz enumerar algumas delas.
Meu objetivo aqui, na verdade, é apontar uma terceira alternativa. Um caminho que escolhi e que é muito pouco explorado, ainda que tenha um potencial de transformação enorme. Falo aqui do empreendedorismo no Direito. Vale lembrar que empreendedorismo é
“(…) o processo de criar algo diferente e com valor, dedicando tempo e o esforço necessários, assumindo os riscos financeiros, psicológicos e sociais correspondentes e recebendo as consequentes recompensas da satisfação econômica e pessoal”
Isso mesmo! Um mercado que movimenta em torno de 50 bilhões de reais e 100 milhões de processos por ano; além de contar com mais de 1 milhão de atores no setor privado e 440 mil no setor público; e ainda impactar significativamente todas as outras esferas (econômicas ou não) da sociedade não pode se dar ao luxo de não contar com agentes transformadores que busquem soluções para os problemas dele.
Muitos acreditam que o único modo de empreender no Direito é criando seu próprio escritório de advocacia. Bem, se aventurar na constituição de uma sociedade de advogados é com certeza desafiador e intrigante, envolve autonomia, controle do seu próprio horário e gestão. Ainda assim, esse é só um dos caminhos que um profissional graduado no Direito pode optar para empreender em sua área.
Em um mercado tão robusto, o que não faltam são problemas a serem resolvidos! Ainda que muitas as empresas e setores governamentais já se dediquem de maneira exaustiva a solucioná-los, os desafios são enormes e extremamente diversificados. O próprio Jusbrasil se propõe a fazer isso, conectando pessoas à Justiça por meio do acesso à informação jurídica e da intermediação do contato de consulentes com advogados. Outras empresas tentam atacar problemas como a morosidade do aparato judicial, a falta de dados estatísticos confiáveis, a dificuldade de comunicação com clientes, a gestão e a produção desse número absurdo de peças processuais feitas todos os dias, dentre outros tantos que permeiam o mundo do Direito.
Hoje, contamos ainda com ferramentas poderosas para atacar de maneira mais efetiva esses diversos problemas. Avanços tecnológicos ligados à massificação da internet e ao crescimento da capacidade computacionaldos aparelhos conectados à rede abrem margem para todo um novo universo de possibilidades para exercer a criatividade desses desbravadores de novos caminhos – que chamamos aqui de empreendedores.
Como disse, são muitas as possibilidades nesse meio ainda muito pouco explorado. Mas como os principais players desse mercado estão atuando hoje?
Algumas empresas têm trabalhado com a intermediação da contratação de advogados, tanto para clientes finais como para outros advogados. Outras ainda têm se proposto a fornecer uma plataforma para a resolução online de conflitos, evitando até mesmo a judicialização de controvérsias, contribuindo para o avanço das formas consensuais de resolução de conflitos e para a diminuição do enorme estoque de processos pendentes no país.
A coleta, armazenamento e processamento de bases enormes de dados (fenômeno popularmente chamado big data), ao ser aplicada ao Direito, abre portas para a chamada jurimetria. Essa nova área se propõe a traçar perfis detalhados de tribunais, juízes e mesmo de advogados, a fim de conferir um subsídio muito mais sólido para que juristas tomem decisões acerca de seus casos.
O big data, aplicado em conjunto com inteligência artificial e aprendizado de máquina, tem transformado a análise de licitações pelo TCU e a fiscalização de doações eleitorais TSE. Existem ainda uma série de possibilidades com essas tecnologias aplicadas ao setor público e o próprio STF tem investido nelas para agilizar a tramitação dos processos que chegam na Suprema Corte.
O blockchain promete ser uma alternativa muito mais viável para a validação de documentos públicos nos próximos anos, além de permitir a criação de contratos auto-executáveis e inteligentes (os chamados smart contracts). Ele também tem sido utilizado cada vez mais para validação de todo tipo de transação de valores, inclusive de moedas.
Essas e outras soluções tecnológicas prometem revolucionar o Direito e, ao mesmo tempo, ampliar significativamente as áreas de atuação dos empreendedores jurídicos e o próprio acesso à Justiça!
Fonte: Kadu Mourão*/JusBrasil
(*) Kadu Mourão é graduando em Direito pela UFMG, entusiasta em Direito e Tecnologia.
Fundadores e colaboradores das startups têm filosofias de vida bem características. Dispensam a formalidade na hora de lidar com clientes e parceiros e aproveitam esse estilo de vida para conduzir seus negócios, que, muitas vezes acabam se tornando um baita sucesso.
Esses empreendedores descolados usando camiseta e bermuda não são mais um fenômeno particular do Vale do Silício. No Brasil, a lista tem crescido bastante e demandado uma assistência indispensável: a dos advogados.
Será que os profissionais da área estão preparados para lidar com esse segmento?
Antes de você achar que basta por uma camiseta e uma roupa descolada, é bom ouvir o que um advogado brasileiro especialista em startups tem a dizer.
Erik Fontenele Nybø é advogado formado pela Fundação Getúlio Vargas/FGV-SP, Head de Inovação no Molina Advogados e fundador da EDEVO, escola de negócios, inovação e comportamento. Coordenador e Professor no INSPER, já foi gerente jurídico global da Easy Taxi. Está lançando em coautoria com outros autores o livro Direito das Startups, pela Saraiva, e já lançou um curso sobre o tema.
Nesta entrevista, Erik fala sobre o cenário brasileiro das startups, a carência de profissionais para atender o setor e aponta cinco características de um bom profissional do segmento.
Pensando no cenário atual de empreendedorismo, como uma empresa tradicional se diferencia de uma startup?
Erik Nybø – Existem várias formas de caracterizar o termo startup. O conceito que eu adoto é o conceito que congrega as seguintes características em uma empresa: encontra-se em estágio inicial no desenvolvimento dos negócios empresariais; marcada pela ausência de processos internos e organização; possui perfil inovador; existe um controle de gastos e custos significativo; utiliza capacidades próprias e complementares dos sócios fundadores para funcionamento inicial da startup já que não há recursos disponíveis para contratação de um time robusto; o produto ou ideia explorado é escalável, ou seja, opera sob o conceito de economia em escala; é inicialmente operacionalizado por meio de um produto mínimo viável (MVP).
Esses pontos diferenciais acabam justificando uma segmentação e especialização dentro do Direito?
EN – Esses diferenciais fazem com que a estrutura do direito empresarial atual não dê conta sozinho de atender as demandas desse mercado. Existem relações muito diferentes daquelas relações jurídicas estabelecidas por empresas comuns. Isso justificaria uma forma diferente de aplicar o Direito e a criação de contratos e outros institutos voltados para startups. Tanto é que são diversas as leis e políticas públicas criadas nos últimos anos para este segmento, existem contratos típicos para esse mercado como o vesting por exemplo, dentre outros.
Existe uma limitação de disponibilidade de advogados especializados em Startups? Como fica a “cobertura” desse setor na ausência de profissionais focados?
EN – Hoje são poucos profissionais do segmento jurídico focando nesse segmento, mas isso tem mudado por conta dos esforços dos advogados que atuam nesse setor.
Você acredita que advogados empresarialistas, como conhecimento existente, estão preparados para atender a demanda brasileira atual do setor?
EN – Sou um advogado que atua exclusivamente com startups. No meu dia a dia recebo diversos clientes que nunca contrataram advogados por receio do excesso de formalismo, além daqueles que tiveram experiências negativas com advogados “tradicionais”.
Há algum tempo li um artigo que destrinchava razões pelas quais empreendedores americanos mais “descolados” não gostavam de lidar com advogados. Dentre os motivos destacava-se a falta de habilidade em se comunicar com clareza e em ouvir, além de apresentar soluções que nem sempre são “inovadoras”, mas tradicionais. Como você enxerga isso e quais os desafios que um advogado que deseje lidar com a cultura de startups deve encarar?
EN – Enxergo da mesma maneira. O advogado que deseja trabalhar com startups deve entender mais sobre negócios, ter conhecimento sobre tecnologia, estar disposto a defender pontos de vista diferentes e assim lidar com os formuladores de políticas públicas. Por conta da ausência dessas características notamos que muitos advogados ainda não estão aptos a atender as necessidades desse segmento e isso realmente é uma reclamação comum dos empreendedores do segmento.
Pensando na estruturação de uma startup, o que há de particular em relação às empresas tradicionais?
EN – As características mencionadas anteriormente fazem com que startups tenham modelos de negócio e uma dinâmica de funcionamento interno claramente diferentes de uma empresa tradicional. Hoje, as empresas tradicionais estão aprendendo com as startups. Não à toa vemos o fortalecimento cada vez maior de temas como growth hacking, olacracia, metodologias ágeis, MVP, dentre outros, que são utilizados por startups e agora estão indo para a cultura empresarial mainstream.
O venture capital é uma das principais fontes de financiamento das startups. Como ele funciona, basicamente, e como estamos encarando isso legalmente, aqui no Brasil?
EN – O venture capital é basicamente o capital aventureiro ou capital de risco. Trata-se do investidor que investe em empresas nascentes que possuem modelos de negócio diferentes do tradicional e, por isso, representam um risco grande por não terem um modelo provado ainda. Do ponto de vista legal houve inovação para criar meios que permitissem o crescimento desse segmento no país, mas é um setor muito novo ainda no país. Por essa razão, inclusive, vemos que os grandes investimentos realizados em startups são geralmente realizados por venture capitalists estrangeiros.
No geral, empreender no Brasil é um desafio muitas vezes frustrante. Você enxerga algum obstáculo a mais para o desenvolvimento de startups por aqui?
EN – São diversas as dificuldades para empreender no Brasil, sempre há obstáculos a serem considerados, por mais que alguns já tenham sido citados. Vejo que além dos riscos do diaadia o risco político e legislativo tornam-se relevantes para as startups uma vez que temos diversos políticos olhando para esse segmento e buscando regular as atividades das startups sem sequer entender o conceito por trás delas. Regular com desconhecimento do mercado torna-se um risco para o desenvolvimento das startups e, consequentemente, à inovação no país.
Conseguiria indicar cinco características essenciais de um advogado que deseje atuar no ramo das startups?
EN – As cinco características essenciais para um advogado que deseja atuar no segmento de startups são: (1) Saber não só sobre Direito, mas sobre negócios; (2) buscar a interdisciplinariedade; (3) estar disposto a mudar padrões tradicionais no exercício da sua advocacia; (4) acompanhar inovações e (5) ter boa capacidade de se relacionar com pessoas.
*Matheus Galvão é advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia.
Fonte: JusBrasil
No conto “O Jardim das Veredas que se Bifurcam”, de Borges, certo personagem abandona riqueza e poder para se dedicar à elaboração de um romance e à criação de um labirinto. O romance, afinal escrito, mostrou-se contraditório. Num capítulo, o herói se encontrava morto; no outro, o herói estava vivo. E o labirinto nunca foi encontrado.
Aqui o primeiro spoiler: romance e labirinto não eram objetivos díspares. O livro era o labirinto e o labirinto era o livro.
O livro era o labirinto e no labirinto se encontrava o jardim das veredas. O jardim de veredas que se bifurcam é uma parábola cujo tema é o tempo. Ts’ui Pen (esse era o nome do personagem) criou um labirinto no qual o tempo não é linear. Ao contrário, existem linhas temporais concomitantes – por isso o herói do romance poderia estar morto em um lapso temporal, e vivo em outro – que não se excluem. É um labirinto de tempo. E é infinito, pois o tempo se bifurca em infinitas possibilidades.
Em 2018, alguns personagens do Judiciário iniciaram discussão sobre caminhos que também se entrelaçam. Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso debateram, na ADI n° 5.766, a aplicabilidade da análise econômica do Direito (“AED”) para a questão, as inclinações ideológicas da abordagem e, ainda, sua compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro.
Como na história de Borges, também a AED tem o poder de produzir caminhos capazes de coexistirem. No entanto, assim como a obra de Ts’ui Pen – de início não compreendida -, os ministros parecem não atentar que as múltiplas interpretações providas pela AED não são necessariamente excludentes entre si.
A discussão se inicia pela reserva do ministro Ricardo Lewandowski. A AED possuiria “matiz conservador e de direita”. Em seu entender, certos princípios constitucionais, como a dignidade humana, não poderiam ser interpretados à luz da eficiência e do utilitarismo, como, em sua opinião, faria o Law and Economics.
Luís Roberto Barroso segue outro caminho. Diz que a aritmética não é nem de esquerda nem de direita, e que a matemática é indiferente à ideologia. Ainda que o pragmatismo e o utilitarismo possam se inclinar mais à esquerda ou à direita, não se trataria, no caso em julgamento – as mudanças na concessão da gratuidade de justiça na legislação trabalhista – de optar por uma ideologia, mas, sim, de verificar custos individuais e sociais no sistema jurídico e, a partir daí, saber qual comportamento deve ser incentivado.
Os dois ministros destacam-se pelo papel arquetípico de seus discursos. Personificam duas das principais representações atuais da AED no Brasil.
A primeira, a de Luís Roberto Barroso, sugere que a AED possuiria cunho algo objetivo, alcançado por conta do diálogo com a Economia, esta “mais científica” do que o Direito. Do outro lado, Lewandowski formula a crítica de que a AED pode representar uma ameaça às garantias individuais, pois funcionaria por meio de uma lógica de aumento de riqueza e de busca por lucratividade, numa representação de eficiência que não poderia se coadunar com o discurso jurídico.
Como peças em um quebra-cabeça, as ideias propaladas não necessariamente se opõem. Ao contrário, elas se completam, dando significado a um todo maior.
Não se trata de saber qual área do conhecimento humano se sobrepõe, ou mesmo de defender tal ou qual ideologia. A AED é – como não deixa de ser o próprio ordenamento jurídico – um instrumento, um método, apto a ser utilizado para se alcançar determinados fins.
Problemas da AED no Brasil
A AED, assim como o labirinto da metáfora de Borges, possui sucessivas linhas temporais. O problema é que, no desenrolar da disciplina, nas linhas temporais aplicáveis à AED – momentos normalmente delineados como “os três Posners” –, os objetos de estudo do jurista e do economista começaram a se confundir. Então, a AED, no Brasil, passou a ser encarada como algo que ela não é, como ilustra o aparte de Lewandowski no trecho em que conceitua a AED como “de direita”.
São três os principais problemas que interferem na percepção da AED no Brasil: (i) a visão da disciplina ainda é muito arraigada àquela propagada pela Escola de Chicago; (ii) existem problemas de tradução dos termos econômicos recepcionados pelo Direito, o que gera uma compreensão equivocada, por parte do jurista, sobre o que seria a Economia e sobre como funcionaria o seu diálogo com o ordenamento jurídico; e (iii) o sentimento messiânico, advindo de uma visão na qual a AED é a solução de todos os males.
Problemas de tradução
Existem diversos problemas de tradução no diálogo entre Direito e Economia. O jurista enxerga na Economia uma possibilidade de sofisticar o Direito por meio de um aprofundamento de sua cientificidade, fato que, presumivelmente, geraria um ordenamento jurídico de maior qualidade. O ponto é que os profissionais do Direito acabam por distorcer conceitos econômicos. O próprio Posner, em um momento inicial da AED – conforme a primeira e a segunda edição de seu livro clássico –, chega a falar que o comportamento da Common Law é “ineconômico”. Ora, nenhum economista fala “ineconômico”.
Trata-se de situação recorrente. É interessante notar como tradução e percepção de termos técnicos se interpenetram, como fica claro na passagem de Deidre McCoskley, ao comentar o termo criado por Richard Posner:
O argumento na passagem é lastreado em parte no uso equívoco do vocabulário econômico: “alocar”, “maximizar”, “valor” e “escassez” são termos técnicos em economia, com significados precisos, mas aqui eles são usados em sentidos mais amplos, para evocar um senso de poder científico, para afirmar precisão sem necessariamente empregá-la. O artifício mais memorável (sweetest turn) é o uso de “ineconômico”, que não é, de fato, um termo técnico em economia, mas encapsula o argumento de que os magistrados seguem modelos econômicos, já que agir de outra maneira seria desperdício.
Denuncia-se que uma “tradução” mal feita – uso de termos econômicos em desacordo com seu significado na Economia – traz como efeito uma “percepção” científica do Direito (situação que ilumina outro problema: o que seria, afinal, ciência?).
O problema no diálogo entre as disciplinas não se limita à má compreensão da Economia pelo Direito. A falha de comunicação também ocorre no outro sentido. Existem situações no do Direito que escapam à compreensão convencional do economista.
Veja-se a colisão de princípios jurídicos. Ainda que um princípio seja posto de lado em certo episódio, não é removido do ordenamento, podendo prevalecer em outro caso. Como criar previsibilidade a partir disso? Outra situação de difícil aceitação diz respeito à função social dos contratos, na qual, por exemplo, introduz-se uma cláusula rebus sic stantibus por via judicial – o economista lidaria mal com uma alteração que desrespeitasse a cláusula da autonomia da vontade das partes expressa ex ante. Tais problemas fazem com que vários economistas considerem o Direito uma caixa-preta.
Segue-se o segundo spoiler: a “Juseconomia” não é algo metodologicamente distinto da Economia, possuindo objeto específico e se abrindo às especificidades deste objeto. Direito e Economia é o uso de ferramentas da Economia para a compreensão de fenômenos jurídicos, respeitando as tradições e o modo de funcionamento do ordenamento jurídico.
Com isso, percebe-se que há um problema de heteropercepção da AED no Brasil. Propaga-se a ideia imprecisa de que a AED, ao proporcionar a recepção da Economia pelo Direito, aumentaria o teor de cientificidade da prática jurídica. No entanto, a própria Economia não se compreende como científica, ao menos no sentido mais rigoroso do que viria a ser ciência.
Isso não quer dizer que a incorporação de termos econômicos pelo Direito seja destituída de funcionalidade caso não haja uma tradução exata. Não é esse o ponto, até porque, visto se tratarem de saberes distintos, uma tradução completamente fiel é impossível. Defende-se, na verdade, que tais termos não sejam alheios a seus significados originais, a ponto de se tornarem irreconhecíveis pelo seu campo originário e, assim, acarretar sua perda de cientificidade possível – cientificidade esta que, lembre-se, é um dos objetivos a se alcançar por meio deste diálogo.
A captura pela Escola de Chicago
Muito do que se produz em relação à disciplina ainda é pensado, no Brasil, sob a ótica da Escola de Chicago, seja em ideologia, seja em método.
Apresenta-se o terceiro spoiler: nem toda AED é Chicago. Aliás, nem Richard Posner, desde meados da década de 90, professa visão tão ortodoxa da AED. A AED, entre nós, no atual momento, pode se beneficiar de certo sincretismo metodológico, tão ao gosto de nossa exegese constitucional.
Interpretar a AED por meio de uma ótica plural não significa, necessariamente, desnaturá-la. A AED trabalha com a lógica de incentivos. Esses incentivos não podem, no entanto, ser reduzidos a um emaranhado de cálculos probabilísticos, como, erroneamente, alguns juristas contrários à AED cogitam. Da mesma forma, não é correto pensar que o pensamento econômico, aplicado ao Direito via AED, pretende reduzir o conceito de justiça a uma equação de custo-benefício.
Mas, de fato, a AED possui intenção de dotar o ordenamento jurídico de maior eficiência. Essa pretensa eficiência adviria, dentre outras formas, da interpretação do sistema legal. Um juiz, ao julgar um caso, deveria, segundo a ótica da AED, considerar qual interpretação maximiza a eficiência na aplicação das leis. Não há, no entanto, definição clara do que seja eficiência.
Trata-se de assunto delicado. É comum, nas discussões e artigos que envolvem Economia e Direito, que haja a defesa de determinada interpretação do que seria, em tese, mais eficiente. No entanto, não há preocupação em definir o que é eficiência. Esse tipo de situação remete àquilo que talvez seja o principal ponto de debate sobre a recepção da Economia pelo Direito e do movimento interdisciplinar como um todo: a equalização entre os conceitos de eficiência e justiça.
Diversos autores, a exemplo de Ronald Dworkin, Guido Calabresi, e do próprio Richard Posner, debatem sobre como essas duas grandezas se relacionam. O debate é complexo, mas um resumo satisfatório indica que eficiência (o que inclui, em seu núcleo semântico, o aumento de riqueza de uma sociedade) é ingrediente da justiça (acompanhado de maior ou menor grau de distribuição). O ponto é que os conceitos não são sucedâneos.
E mais do que isso. O intuito da AED não é tornar o Direito subserviente à Economia ou vice-versa. O objetivo é, esse sim, dotar o Direito de mais uma possibilidade de avaliação dos fenômenos sociais. Trata-se de enriquecer e não de subverter. Nesse ponto, dialoga-se com o discurso do ministro Barroso no sentido de que sim, de fato, a avaliação de custos individuais e a comparação destes com os custos sociais, em dada situação recorrente no sistema judicial brasileiro, pode nos mostrar que o Estado está, na verdade, fornecendo incentivos errados aos operadores do Direito.
Não menos importante é salientar que a AED, ao contrário do que considerou Ricardo Lewandowski, não é necessariamente “de direita”. Nada é necessariamente de direita ou de esquerda. São os discursos humanos, simpáticos a determinadas ideologias, que capturam ideias, dados, campos do conhecimento, e os transmutam de acordo com aquilo que se pretende defender. “Direita” e “Esquerda” traduzem uma noção de subjetividade humana, e não de objetividade científica.
A discussão ganha importância ainda maior quando a AED é tropicalizada; quando é trazida a uma ordem constitucional distinta, com vocação redistributiva mais explícita do que a do cenário norte-americano. A importação acrítica da AED, sem sua ressignificação pelo ordenamento brasileiro, pode tornar a disciplina incompatível com a ordem constitucional nacional e se tornar, afinal, contraproducente.
A visão messiânica da AED
Vem aí o último spoiler: a AED não é solução mágica, mas método. Trata-se de instrumento a ser utilizado pelo jurista para acrescentar, ao Direito, um ponto de vista; a ideia é tornar o sistema legal mais apto a compreender os fenômenos jurídicos, a cada dia mais complexos.
Além de estar longe de ser solução mágica, os resultados na utilização da AED dependem não só da compreensão e domínio desse método por quem o aplica, mas também dos objetivos de quem o faz.
É preciso separar as coisas: não é que a AED tenha o condão, intrinsecamente, de esvaziar os direitos fundamentais; o que ocorre é que alguém, ao utilizar a AED – que, frise-se, é método – poderia ser capaz de o fazer, pois pode ocorrer, por exemplo, seu uso inadequado.
A visão messiânica é oposta à principal contribuição que a AED pode fornecer ao Direito brasileiro, qual seja, aumentar as formas de aplicação e interpretação das normas e práticas jurídicas, permitindo o desenvolvimento de nossas ciências jurídicas e reduzindo seu risco de estagnação.
Os vários futuros da AED
Ts’ui Pen, no conto de Borges, profere a seguinte frase: “deixo aos vários futuros (não a todos) meu jardim de veredas que se bifurcam”. A AED, como no jardim de veredas, pode se bifurcar em diferentes caminhos, aptos a gerar diversos futuros. Como na obra de Ts’ui Pen, as linhas temporais, – e os futuros -, não se anulam. Eles podem coexistir.
Não se trata de importar algo pronto e acabado, ademais pensado sob outra sociedade e ordenamento. Trata-se de adicionar mais um ponto de vista ao leque do Direito brasileiro. Lega-se então esse desejo para a AED no Brasil: que ela seja capaz de nos permitir explorar muitos futuros.
Fonte: JOTA
A grave crise de desabastecimento que aflige o Brasil, por conta da greve de caminhoneiros, tem resultado, infelizmente, no aumento muitas vezes arbitrário de preços praticados aos consumidores. Diz-se arbitrário pois – a não ser que se tratem de estoques novos adquiridos por preços mais elevados já por conta da escassez de oferta – representaria um aumento na margem de lucro não por otimização dos processos de aquisição, armazenamento, distribuição e venda de produtos, mas por mero aproveitamento do estado de necessidade social ocasionado pela crise de abastecimento.
Para além de este ser um comportamento deplorável e contrário ao necessário senso de comunidade e ao propósito constitucional de construção de uma sociedade solidária, é atitude ilegal à luz da lei brasileira. Veja-se:
Código de Defesa do Consumidor
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.
Lei Federal nº 8.137/1990
Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:
II – formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando:
Lei Federal nº 12.529/2011
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
III – aumentar arbitrariamente os lucros.
Portanto, não devem ser admitidas tais condutas exploratórias, especialmente em momentos socialmente graves como o atual. A população não pode ser duplamente prejudicada, pelo desabastecimento, e pela cobrança não justificada de preços mais elevados durante esse período de maior vulnerabilidade. Nos casos em que os consumidores identificarem possíveis práticas dessas condutas, a autoridade policial e o Ministério Público devem ser notificados.
(Originalmente publicado aqui)
A Júlia Castelo Branco tem 18 anos e é aluna do 1º período de Direito na Escola de Direito Aplicado do iCEV. Há poucos meses ela teve uma ideia: compartilhar os resumos que ela faz, quando tá estudando, com o mundo. Criou o instagram @studyemfoco, que já virou o nosso queridinho.
“Eu sempre acompanhei studygrams (perfis no instagram voltados para o compartilhamento de materiais de estudo), e sempre achei muito legal”, diz a estudante. “Um dia eu pensei que poderia ser legal ter um, perguntei aos meus amigos o que achavam e eles apoiaram. Aí eu criei”, nos conta em entrevista.
A Júlia não vê o tempo gasto nas redes sociais como perdido. “Eu sigo várias pessoas que têm força de vontade e estão sempre estudando e mostrando que o estudo é a melhor forma de alcançar o que se deseja”, comenta ela, para quem o instagram pode ser fonte de inspiração. “Às vezes quando estou com preguiça, vou lá e olho o feed e dá mais vontade”.
Além da organização, os resumos de estudo da Júlia chama atenção por ter uma preocupação estética: eles tem combinação de cores e desenhos. “O fato de estar tudo bonitinho e colorido faz parecer mais fácil”, diz a estudante que é atraída pelo visual. “Isso me ajuda na hora da prova: eu lembro do desenho que fiz e a informação que estava nele”.
Pedimos a Júlia para listar algumas dicas de estudo para os leitores desse blog.
Anota tudo e bons estudos! 😉
DICAS DA JÚLIA
1-Não deixe para a última hora. A véspera da prova não é o momento para aprender conteúdo novo. “O preferível é já estar com o assunto em dia só para revisar”, diz a Jú.
2- Faça resumos. Organizados, claros e atraentes. “Não precisam ser com desenhos, aquela coisa perfeitinha, mas precisam te deixar com mais vontade de estudar”.
3- Procure a melhor plataforma de leitura para você. Alguns estudantes gostam de ler em e-reader, outros no computador ou tablet, mas há aqueles que não abrem mão do bom e velho papel. “Todo texto que é enviado para estudo, eu prefiro imprimir”, diz a Júlia. “Eu gosto de ler marcando, isso me ajuda a fixar e adicionar às informações dos slides”.
4 – Preste atenção na aula! Há estudantes mais visuais, outros mais ouvintes – mas quem consegue conciliar as duas habilidades acaba rendendo mais. “Eu tento absorver o que o professor fala em sala de aula, acho que ajuda muito”, diz a Júlia. “A gente chega em casa para estudar e não fica perdido”.
5 – Pense nos seus objetivos. Passar na OAB, ser juíza, são alguns dos desejos que movem a Júlia. “Isso me motiva porque sei que é algo a longo prazo”, diz a estudante. “Pensar em fazer um curso bem feito e daqui a cinco anos olhar para traz e sentir que fiz tudo o que pude”.
Uma estratégia comercial muito comum no Brasil, que poderia talvez ser qualificada como enganosa, é a de ofertar produtos e serviços com pagamento parcelado “sem juros”. Nada mais ilusório ao consumidor, já que não há em um país com taxas de juros médias tão altas como as brasileiras a possibilidade de existir o retardo no pagamento sem que isto traga consigo uma carga de juros embutida. Afirmar não haver juros é, na maioria das vezes, propaganda enganosa, nos termos da lei:
Código de Defesa do Consumidor
Art 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.
As propagandas, em geral, deveriam afirmar que não há aumento progressivo nas parcelas. Isso é verdadeiro. Dizer que não há juros, não. Isso porque os juros são calculados de antemão e embutidos em todas as parcelas, de maneira que ao final do parcelamento o consumidor terá pagado o capital principal e mais a carga de juros escolhida pelo fornecedor do produto ou serviço como remuneração pelo dinheiro no início emprestado ao consumidor para que ele pudesse fazer a aquisição desejada.
A fim de ilustrar, imagine-se o exemplo em que um fornecedor compra um celular de uma marca qualquer diretamente de sua fábrica por R$ 500,00 e deseje revendê-lo ao consumidor com margem de lucro de 50%. Nesta hipótese, deveria ofertá-lo à vista por R$ 750,00. Ocorre que no Brasil não há o costume de as compras serem feitas à vista, mas sim parceladas no cartão de crédito, ou em crediários. Nestes casos, o pagamento total que seria recebido à vista é retardado para dez meses à frente.
No Brasil, a taxa de juros Selic no momento é de 6,5% e a inflação oficial acumulada nos últimos doze meses é de 2,76%. Isso quer dizer que R$ 750,00 hoje não valem os mesmos R$ 750,00 dez meses depois pois a inflação corrói o poder de compra, motivo pelo qual também há a remuneração de dinheiro emprestado por meio de juros.
Voltando ao exemplo anterior, o fornecedor para atingir maior público então ofertará o pagamento daquele celular em dez prestações mensais. Entretanto, o valor que seria inicialmente cobrado à vista (R$ 750,00) deve ser atualizado tanto para combater a inflação do período quanto para remunerar o capital que estará quase que silenciosamente emprestando ao consumidor para que este compre o produto desejado.
Assim, ainda exemplificando, calcula uma taxa de juros mensal de 3%, o que atualiza o valor final em dez meses para R$ 1.007,94. Arredondando para um valor comercialmente mais atrativo, R$ 1.000,00. Neste total, há o capital principal (R$ 750,00) mais os juros remuneratórios (R$ 250,00). A oferta ao público no caso se daria costumeiramente como sendo o preço à vista de R$ 1.000,00, ou em dez parcelas mensais de R$ 100,00 “sem juros”.
Perceba-se: embora não haja atualização nos valores das parcelas, sendo todas do mesmo valor, os juros remuneratórios foram previamente calculados e embutidos em todas aquelas parcelas. Isso faz com que, em geral, o consumidor sempre pague juros no Brasil, tanto no pagamento à vista quanto no pagamento parcelado.
Por conta disso, a legislação brasileira foi alterada em 2017 para que fosse autorizada a diferenciação de preços nas ofertas públicas aos consumidores em função do prazo e do meio de pagamento: “Lei Federal nº 13.455/2017, art. 1º. Fica autorizada a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado”.
Isso também para contornar problema reforçado pela jurisprudência brasileira que proibia essa prática comercial no afã de proteger o consumidor (e.g. Erro! A referência de hiperlink não é válida.), mas que gerava como resultado prático o pagamento de juros tanto por quem pagava à vista quanto por quem parcelava, uma vez que não poderia haver tal diferenciação de preços nessas duas modalidades.
Portanto, é razoável se afirmar que inexistem parcelamentos “sem juros” no Brasil.
(Originalmente publicado aqui)
Juristas gostam de raciocinar a partir de casos hipotéticos, então comecemos com um: imaginem que a polícia descobre que determinada pessoa praticou um crime bárbaro. A descoberta ocorreu porque os policiais conseguiram, no curso de uma investigação, interceptar uma ligação entre o criminoso e sua esposa, na qual ele confessava, sem margens para dúvidas, que havia praticado o crime. Aquela era a única prova material que a polícia conseguira em meses de investigação. Finalmente, a justiça poderia ser feita. Só havia um problema: a polícia havia interceptado a ligação sem ter pedido a um Juiz que a autorizasse previamente.
Aquele criminoso, se não existirem outras provas, provavelmente será absolvido. O direito brasileiro não admite provas que tenham sido obtidas por meio de interceptação telefônica não autorizada judicialmente. Policiais, promotores, advogados e – principalmente – juízes poderão ouvir a gravação, saber do que se trata, ter certeza que nela consta uma confissão expressa de crime, e ainda assim deverão concordar que o criminoso sem escrúpulos não poderá ser condenado.
Pessoas comuns, diante disso, ficam consternadas. Será que é correto deixar que um assassino ou um corrupto saia impune de um tribunal por conta de uma pequena minúcia técnica em um processo criminal? O formalismo jurídico, com suas regras, seus procedimentos, suas milhares de brechas para nulidades e vícios, não é, afinal de contas, um tipo de artificialismo imoral?
Os juristas tentam encontrar – ou formular – justificativas morais para situações como essa. Eles argumentam, por exemplo, que os formalismos são uma salvaguarda do cidadão em face do arbítrio do Estado. Pequenas violações de garantias, que muitos gostam de chamar de “fundamentais”, acabarão se transformando em violações progressivamente mais graves. O cidadão comum que consentiu com uma pequena violação, acabará sendo, posteriormente, vítima de outra.
É melhor absolver um culpado do que condenar um inocente, dizem os juristas. As garantias – e nulidades que muitas vezes dela decorrem – tentam assegurar que poucos inocentes serão injustamente condenados. Idealmente, que nenhum será. Se alguns culpados serão soltos como decorrência, paciência. É o preço a se pagar.
Mas será mesmo? Nosso criminoso hipotético havia confessado o crime, e ninguém tinha dúvidas quanto a isso. Será moralmente correto deixá-lo livre em nome de supostos inocentes que poderiam ser condenados num futuro que não sabemos se chegará?
A resposta do Direito é “sim”. Ou melhor: “não importa”. O cidadão comum vê com estranhamento as formalidades jurídicas porque encara problemas como o do criminoso hipotético a partir de seu julgamento moral sobre o caso. E o julgamento moral do cidadão comum, corretamente, considera que um criminoso confesso deve ser punido, e que é injusto não fazê-lo.
Contudo, é esse tipo de julgamento moral que o Direito tenta afastar do raciocínio jurídico. Na lógica dos juristas, a avaliação moral das circunstâncias de um caso pode ser relevante no momento da criação de uma lei. Mas, uma vez promulgada, cabe aos profissionais do Direito aplicá-la, de acordo com os cânones de interpretação jurídica que aprenderam em seus livros de doutrina e nas decisões judiciais anteriores. Não é seu papel avaliar moralmente a situação. Seria melhor que o Direito fosse mais flexível em termos de obtenção de provas por meio de interceptação telefônica? Até poderia ser. Mas ele, atualmente, não é, e o juiz, ainda que triste e resignado, deverá curvar-se à lógica do direito.
Não é lógico, do ponto de vista moral, que um criminoso seja punido? Até pode ser, mas os juristas costumam objetar que o Direito tem a sua própria lógica. O mundo do Direito é um mundo paralelo, com suas próprias regras, suas próprias leis e seus próprios critérios do que é certo e do que é errado.
Isso não significa, então, que deveríamos abrir mão do Direito, e deixar que nosso julgamento moral e nosso senso de justiça decidam os casos, à medida que eles surjam? Existem várias razões – alguns diriam racionalizações – para termos um sistema de normas com as características do Direito. Ele pode servir para diminuir os conflitos sociais que surgiriam das divergências sobre a interpretação de uma norma moral. Ele pode facilitar a coordenação social entre pessoas que pensam e agem de maneiras distintas. Ele pode conferir segurança e previsibilidade às relações entre cidadãos. As razões são muitas.
Mas quero chamar atenção, aqui, não para a estranheza gerada no cidadão comum pela diferença entre a lógica artificial do direito e o nosso próprio senso de moral e justiça. Quero chamar atenção para o fenômeno inverso: a substituição do nosso senso de moral e justiça pela lógica artificial do direito. Em outras palavras: a falta de estranhamento diante do Direito.
A lógica implacável do Direito pode levar a decisões que contradizem o que achamos correto, tudo o mais considerado. O cidadão comum que esteja convencido da importância do Direito aceitaria o resultado com um certo sentimento de resignação. Infelizmente, pensa ele, esse é o preço que temos que pagar. Mas algumas pessoas, ao invés de um sentimento de resignação ou de revolta contida, passam a equiparar a sua própria regra moral com a regra do Direito. Não há mais a sensação de estranhamento diante do conflito entre consciência moral e regras jurídicas porque não há mais diferença entre consciência moral e regras jurídicas. Uma absolvição jurídica é também uma absolvição moral.
O filósofo inglês Jeremy Bentham ficava horrorizado diante da imensa complexidade do direito inglês, com seus métodos artificiais de prova, suas leis prolixas e obscuras, e seu excesso de formalismo. Mas, como nota H.L.A. Hart, Bentham ficava ainda mais horrorizado com a facilidade com que juristas aceitavam os abusos do Direito e propagavam a “enervante superstição” de que esses abusos eram “naturais e inevitáveis” (Essays on Bentham: Studies in Jurisprudence and Political Theory. Oxford: Oxford University Press, 1982, p. 26).
A mistificação do Direito denunciada por Bentham podia ser vista no uso recorrente de expressões que o filósofo chamava de “passion-kindling appellatives” e “imposter terms“: expressões que tinham um sentido mais emocional do que descritivo. Bentham citava o uso da expressão “manutenção da lei e da ordem” – ao invés da simples “aplicação da lei” – como uma dessas expressões, mas podemos encontrar outras: as regras processuais que não são simples regras, mas, sim, “garantias fundamentais”; a não observância de uma dessas regras, que não é vista apenas como uma nulidade, mas também como uma violação ao “Estado de Direito”.
Mistificar o Direito, assim, é elevá-lo à condição de regra moral natural que uma criação humana imperfeita não deveria ter. A existência do Direito pode ser necessária, mas a sua mistificação definitivamente não é. O criminoso hipotético, cuja confissão foi interceptada em um ato ilegal da Polícia, não deve ser condenado, segundo o Direito. Isso não significa que não devamos impor-lhe o castigo da reprovação moral e, a depender do caso, política, que sua conduta merece.
Diante da prova cabal de um crime, que consequências o criminoso deveria sofrer? Se a prova foi obtida de maneira ilegal, ele não deveria ser punido pelo Direito. Isso significa que não deva ser punido na esfera moral e política? Algumas pessoas, críticas da suposta sanha justiceira do cidadão comum, parecem crer que não. Estes, no entanto, não percebem que, por trás de um alegado compromisso sentimental com o Estado de Direito, estão reprimindo sua própria sensibilidade moral em nome da mistificação de uma criação humana importante, útil, porém falível e parcial. No mundo paralelo do Direito, deve vigorar a estrita lógica jurídica; no mundo da moral e da política, não.
Na semana anterior iniciou-se a apresentação da temática da busca pela retomada da segurança jurídica. Disse-se que “é preciso que se volte a discutir acadêmica e socialmente a teoria de divisão de Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) em uma República como a brasileira, bem conformando-se o papel de cada qual”. Isso envolve a refuncionalização do Direito como sistema normativo de ordenação social, no sentido de que seja possível a convivência prevalentemente pacífica entre os mais variados grupamentos sociais e que a política, e não a força bruta, seja o veículo de construção de maiorias e de determinação do modelo de Estado e de suas políticas públicas.
Esse propósito demanda que haja certa previsibilidade quanto à amplitude interpretativa e aplicativa do Direito. Por certo, se em tese qualquer interpretação, decisão e aplicação de normativa jurídica fosse possível, não haveria a menor necessidade de haver ordenamento jurídico legislado; bastaria a boa vontade, ou o bem senso, dos bons. A distância para o arbítrio seria mínima – se existente. Não se quer com isso dizer que não exista, ou não deva existir, certa margem discricionária no processo decisório. Ao contrário, tal margem existe e deve sempre existir, pois permite que o sistema jurídico tenha zonas de amortecimento e flexibilidade para alterações paulatinas na jurisprudência, que a adaptam aos novos problemas que a vida social sempre há de criar.
O que não é possível – e não deve ser admitido – é que o aplicador do Direito, seja do Poder Executivo ou do Judiciário, aja conforme sua própria consciência ou senso de justiça em desconsideração ao Direito posto. Surge então a importante questão que requer um difícil equilíbrio: como se formatar um sistema que permita ao mesmo tempo o império da lei e a liberdade de interpretação-decisão-aplicação das normativas jurídicas? Aparentemente, os instrumentos para o alcance desse objetivo já estão anunciados no próprio sistema jurídico brasileiro. São eles, principalmente, (a) a estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência de nossos tribunais; e (b) a validação de certos cânones interpretativos pela comunidade científica do Direito. Isto é, tais mecanismos tendem a concomitantemente reforçar o respeito aos precedentes no direito brasileiro, e a aproximar os nossos tribunais à doutrina.
Esses serão os tópicos abordados nesta coluna nas próximas semanas.
(Originalmente publicado aqui)
A atividade docente é bom termômetro para a identificação de característico sintoma vivido nos últimos anos pela sociedade brasileira: o sentimento de insegurança jurídica. Isto é, comumente surge em sala de aula debate motivado pela perplexidade do corpo estudantil quanto ao distanciamento, cada vez mais elástico, entre a teoria do direito e a realidade social. Mais que isso: sente-se um esgarçamento do direito normatizado que traz consigo o indesejado efeito de perda de um referencial normativo que traga previsibilidade às relações sociais e, a seu reboque, paz às pessoas em todas as suas atividades, públicas e privadas.
Aparente e infelizmente, todas as carreiras que atuam na dinâmica jurídica têm dado contribuições ao incremento desta sensação de insegurança jurídica. Entre outras causas, certamente há a percepção majoritária na sociedade de que o direito legislado não serve mais às demandas republicanas. Em uma democracia, não podem haver tabus, de maneira tal que é legítimo que sejam discutidos publicamente os mais variados temas, desde, exemplificativamente, o combate à corrupção até a criação de títulos cambiais privados e paralelos ao sistema bancário destinados ao financiamento do agronegócio brasileiro.
Todavia, é importante se ter em conta que ainda somos uma democracia consideravelmente jovem e em processo de amadurecimento. Quer-se com isso dizer que todos os nossos problemas jurídicos não serão resolvidos por decreto e imediatamente. A democracia tem seus caminhos, nem sempre lineares, mas que devem ser respeitados a fim de que as atualizações no ordenamento jurídico – afeitas aos atuais problemas sociais – sejam implementadas solidamente. Alterações bruscas, não dialogadas, e por vezes violentas (pela ação ou pelo discurso), tendem a ter vida breve pois causam tensionamentos entre os diversos agrupamentos sociais, que sempre divergirão sobre determinadas questões.
Divergências sempre existirão, mas estamos todos fadados a conviver neste incrivelmente belo e fértil país – o nosso Brasil. Precisamos construir uma nação que saiba dialogar, que seja tolerante com a divergência e que conviva em paz. É preciso amadurecer a prática e a vivência democrática, acreditando em seus veículos políticos de debate e de consolidação do Direito como instrumento de harmonização social. Se este possivelmente não seja o caminho mais curto, certamente é o mais duradouro. Nesse quadro, é preciso que se volte a discutir acadêmica e socialmente a teoria de divisão de Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) em uma República como a brasileira, bem conformando-se o papel de cada qual. Tudo no propósito, reafirme-se, de que o jogo democrático volte a operar de modo menos disruptivo, como tem ocorrido nos últimos anos no Brasil.
(Artigo originalmente publicado aqui)
Neste exato momento, enquanto escrevo estas linhas, enquanto você curte seu final de semana e toma sua cerveja, uma pessoa (muito provavelmente) está sendo assassinada no mundo. Ou morrendo de fome. Ou desfalecendo numa maca de hospital.
É possível viver normalmente sabendo que, enquanto vivemos nossas vidas, outras pessoas perdem injustificadamente as suas?
Pensem no seguinte: a conta do restaurante ou da balada em que você se encontra neste exato momento seria suficiente para comprar algumas dúzias de vacinas que salvariam a vida de algumas dúzias de crianças na África. Será que é justo tomar uma cerveja sabendo que esse dinheiro poderia estar sendo usado para efetivamente salvar uma vida, ou talvez várias?
Essas são perguntais difíceis e bastante incômodas. Gente como Peter Singer tentam nos pressionar a pensar nessas coisas e perceber a imoralidade de nossa própria situação. Mas não gostamos de pensar nisso, e continuamos vivendo.
E talvez a única alternativa seja essa. Talvez haja uma justificativa moral para não sermos altruístas efetivos, como quer o Singer. Talvez haja algum argumento, perdido ou meio escondido, para justificar luxos diante de tanta miséria.
A grande questão, no entanto, é que não nos incomodamos com isso. Não pensamos, enquanto ajudamos uma pessoa necessitada, das tantas outras que não ajudamos. Nem pensamos, enquanto aproveitamos um momento de lazer, do que poderíamos estar fazendo para salvar outras tantas pessoas. Pelo menos ajudamos alguém, não é mesmo?
Quando o que está em jogo é uma questão política, contudo, a resposta parece ser “não”. Já não falo, agora, das pessoas que não ajudamos, mas das tragédias que não lamentamos. Quantas pessoas são brutalmente assassinadas todos os dias no Brasil? Várias. Muitas.
Não lamentamos todas essas mortes, assim como não ajudamos a todas as pessoas que poderíamos.
No entanto, se ajudar uma única pessoa já é um ato valioso, lamentar uma única tragédia também deveria sê-lo. Ainda mais quando esta tragédia é representativa de tantas outras, é simbólica da violência sistemática que aflige a todo um país. Às vezes, lamentar uma tragédia é lamentar muitas outras.
O problema é que, possuindo a tragédia uma indiscutível conotação política, surgem aqueles, rápidos e barulhentos, a nos apontar as tantas outras que não lamentamos. A revolta só é justificada, pensam, se for precedida de uma revolta, em igual medida e intensidade, por todas as tragédias que já ocorreram. Há uma ordem de revolta que deve ser preenchida, antes de podemos nos revoltar contra algo.
Não preciso dizer que a hipocrisia desse argumento começa porque os acusadores não raro escolhem suas próprias tragédias para lamentar, esquecendo tantas outras que possam não lhes ser convenientes.
Mas há algo de ainda mais hipócrita nisso tudo: é que vivemos, sempre e a todo momento, escolhendo. Escolhendo quem ajudar, escolhendo do que lamentar e contra o que se revoltar. Se essa posição não está moralmente justificada, só posso dizer que os “fiscais da revolta alheia” não se sairiam melhor ao analisarem suas vidas com base nessa mesma escala moral.
Seria melhor nos revoltamos contra tudo, lamentarmos todas as tragédias? Seria. Assim como seria bom abandonar nossos luxos e ajudar, com aquele dinheiro gasto em coisas supérfluas, pessoas realmente necessitadas.
Mas não somos assim. E pior: estamos cada vez mais anestesiados diante de tantas brutalidades diárias. As tragédias são tantas que, mesmo que quiséssemos, não conseguiríamos lamentar por todas elas.
Isso não tira o mérito da revolta e do lamento por uma única tragédia. Ainda mais quando ela pode romper o ciclo de letargia e passividade a que uma onda aparentemente irrefreável de criminalidade nos lançou.
A morte de uma inocente é sempre uma tragédia. Lembrar de uma, de duas ou de cem, não é um problema: é o mínimo.
Há sete meses, o site JOTA publicou uma lista com os 20 livros jurídicos mais vendidos do primeiro semestre de 2017. No entanto, como os cinco primeiro livros eram Vade Mecums, a nova seleção optou por deixá-los de fora da lista.
Caso não fossem excluídos, os Vade Mecums representariam sete dos dez livros mais vendidos no último ano. Ainda assim, alguns dos livros mais comprados por estudantes de Direito, advogados, juízes, defensores públicos, promotores e procuradores no último ano são de legislação seca específica.
A lista das obras mais vendidas foi elaborada pela consultoria Nielsen, a partir da ferramenta Bookscan. Os dados para formar o ranking foram coletados a partir do caixa das livrarias, e-commerce e varejistas colaboradores de todo o país.
Confira abaixo os 15 livros mais vendidos de 2017, sem contar os Vade Mecums:
1) Direito Constitucional Esquematizado (Edição 2017), de Pedro Lenza
2) Novo CPC, Saraiva
3) Direito Processual Civil Esquematizado, de Marcus Vinicius Rios Gonçalves
4) Manual de Direito Civil – Volume Único, de Flávio Tartuce
5) Direito Administrativo Descomplicado, de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo
6) Direito Constitucional Esquematizado (Edição 2016), de Pedro Lenza
7) Código de Defesa do Consumidor, Lipel
8) Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Saraiva
9) Direito Constitucional Descomplicado, de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino
10) Manual De Direito Civil, de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho
11) Dos Delitos e das Penas, de Cesare Beccaria
12) Constituição da República Federativa do Brasil, Saraiva
13) Minicódigo Civil e Constituição Federal, Saraiva
14) CLT: Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Saraiva de Bolso
15) Direito Civil Brasileiro – Vol. 1 – Parte Geral, de Carlos Roberto Gonçalves
Fonte: JOTA
Regulações podem viabilizar a existência de mercados, mas também podem torna-los ineficientes e desestimular a competição e a inovação, a depender de como são estruturadas as regras que organizam as atividades econômicas. Assim acontece tanto nas atividades econômicas em geral, como na advocacia, que é autorregulada pela Ordem dos Advogados do Brasil com os parâmetros fixados na Lei nº 8.906/1994.
Uma questão que frequentemente é objeto de discussões no âmbito da regulação da advocacia é o tratamento normativo da publicidade dos advogados, à qual são impostas relevantes e especiais restrições, segundo o disposto no Capitulo VIII, do Código de Ética e Disciplina da OAB.
Recentemente, o tema da regulação da publicidade na advocacia foi objeto de um artigo do Professor Joaquim Falcão publicado no JOTA¹ . No texto, o professor da FGV Direito Rio expôs algumas ideias sobre os limites impostos à publicidade dos advogados, tendo como mote o caso da entrevista do advogado Cristiano Zanin, concedida após o julgamento do ex-presidente Lula – seu cliente – pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região.
No artigo, Falcão observou que a publicidade realizada pelos advogados é uma forma de esclarecer as pessoas sobre os seus direitos e, por essa razão, um instrumento útil para ampliar o acesso à justiça e fortalecer o Estado Democrático de Direito. Com este argumento, o Professor conclamou a OAB a liderar um debate sobre o assunto, não para permitir tudo ou nada, como nos Estados Unidos, mas para responder às demandas do “mercado”, inclusive a respeito das aplicações de ferramentas de tecnologia da informação à publicidade.
A opinião do professor não é objeto de consenso no meio jurídico. Há uma posição mais conservadora (e aparentemente dominante) a respeito dos limites à publicidade dos advogados. O argumento central desta posição é o de que a advocacia não é atividade empresarial e a publicidade seria uma forma de “mercantilizar” a profissão, o que é vedado por lei. Além do mais, a publicidade da advocacia incentivaria litígios (temerários) num judiciário já abarrotado de processos, impondo custos que ao final serão arcados pela própria sociedade.
Todavia, em termos práticos, será mesmo que a publicidade dos serviços advocatícios incentiva o litígio e origina custos sociais que mais prejudicam que fortalecem o acesso à justiça e o Estado Democrático de Direito? Ou será que a regulação mais restritiva e conservadora da publicidade é uma causa de ineficiências e desincentivo à inovação na advocacia e, neste sentido, prejudicial à promoção do acesso à justiça?
Essas questões podem ser examinadas sob a perspectiva do direito concorrencial. Sob este ângulo, dois argumentos podem ser contrapostos à conclusão daqueles que são favoráveis às restrições mais severas à publicidade dos serviços jurídicos.
O primeiro argumento centra-se no fato de que a restrição à publicidade pode gerar impactos na dinâmica do respectivo mercado profissional, tornando-o mais ou menos dinâmico e eficiente de acordo com o nível das limitações ao exercício do direito de publicidade pelos advogados. Quanto maiores forem as restrições à publicidade, maiores tendem a ser as barreiras de entrada aos novos profissionais e maior será a probabilidade de que o mercado de serviços jurídicos tenha pouca inovação e permaneça com uma feição mais tradicional, ou seja, dominado por agentes e métodos estabelecidos há mais tempo. E à baixa dinamicidade do mercado está associada a elevação nos custos dos serviços de advocacia e, nesse passo, a imposição de uma possível limitação econômica ao acesso à justiça.
O segundo argumento tem a ver com a cristalização de certa perspectiva que se tem do exercício da profissão e o bloqueio à diferenciação profissional e ao desenvolvimento de novos métodos de trabalho na advocacia.
Os que defendem as limitações à publicidade dos serviços de advocacia com o argumento de que publicidade é, neste caso, causa de litigiosidade, destacam e implicitamente reforçam uma perspectiva unidimensional da profissão: a dos advogados como agentes a serviço do litígio (“the lawyer as a hired gun”2). Algo que, pode-se dizer, não é compatível com a atual sistemática do Código de Processo Civil, na qual se incentiva expressamente a utilização de meios alternativos de solução de conflitos3.
O problema da recepção deste argumento nas normas que tratam da publicidade da advocacia é o incentivo regulatório criado à prestação de serviços jurídicos de modo litigioso, bloqueando – ainda que de forma implícito – o exercício das formas de serviços jurídicos mais aderentes ao nosso tempo e às nossas leis, seja no campo consultivo, na estruturação de projetos4, no aconselhamento e nas negociações judiciais e extrajudiciais.
O que pode ser observado, portanto, é que o tratamento anacrônico dado pela regulação à publicidade da advocacia no Brasil termina por incentivar o litígio, considerando que petrifica a imagem do advogado como um agente de disputas e põe de lado a figura do advogado que trabalha para diminuir os custos de cooperação social ou, em outras palavras, para “economizar” os custos de transação (“the lawyer as a transaction cost engineer”5).
Desse modo, a conclusão do Professor Joaquim Falcão parecer ser correta. Um “debate sério e contemporâneo” sobre o tema pode contribuir para promover a viabilidade da advocacia como atividade liberal e função essencial à justiça, além de tornar a profissão mais atrativa aos futuros graduados em Direito. Além disso, como visto neste artigo, a revisão da regulação da publicidade na advocacia poderá também promover maiores dinamicidade e eficiência ao mercado de serviços jurídicos, trazendo benefícios aos cidadãos sem necessariamente ter como consequência o aumento da litigiosidade social.
NOTAS:
¹FALCÃO, Joaquim. A publicidade do advogado do Lula. Disponível em https://www.somosicev.com/blogs/publicidade-do- advogado-de- lula/. Acesso em 20 fev. 2018.
²BERNSTEIN, Lisa E. "The Silicon Valley Lawyer as Transaction Cost Engineer?,” 74 University of Oregon Law Review 239 (1995).
³Entre outros, v. os artigos 3º, §3º, 174, 175, do Código de Processo Civil.
4DE MENDONÇA, José Vicente Santos. A verdadeira mudança de paradigmas do direito administrativo brasileiro: do estilo tradicional ao novo estilo. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 265, p. 179-198, jan. 2014.
5 GILSON, Ronald J. “Value Creation by Business Lawyers: Legal Skills and Asset Pricing.” The Yale Law Journal, vol. 94, no. 2, 1984, pp. 239–313.
Caro leitor(a), recentemente atualizamos aqui no escritório, o software jurídico para gestão de nossas atividades, e com esta nova implementação, durante a configuração do sistema, pude perceber o quanto assuntos relacionados a administração estão ligados à nossa atividade jurídica.
Por isto, resolvi abordar o tema “a importância da administração na advocacia”.
É bem verdade, que ao longo de nossa graduação, pouco ou quase nada vemos sobre administração, tema este que deveria ao menos ser abordado por no mínimo um semestre inteiro.
Isto remete a uma grade curricular que muitas vezes não prepara o profissional para se tornar um advogado, e sim um bacharel em ciências jurídicas.
Outro equívoco que por um pensamento engessado não nos fazem querer acreditar é que a advocacia é como qualquer outro negócio, e não importa o que venham dizer ao contrário e sobre as especificidades da atuação do advogado em relação ao seu código de ética, um escritório assim como qualquer outro prestador de serviços, possui CNPJ, compromissos com o imposto de renda, setor de RH, contas a pagar e a receber e a necessidade muitas vezes prejudicada de se fazer publicidade para atingir novos clientes e continuar mantendo o negócio ou até mesmo fazendo ele crescer.
Diante deste pensamento, analisando os inúmeros dados que o software jurídico que implementamos nos solicitou, não tirei da cabeça toda aquelas informações tão inerentes a administração que neste momento passa a ser crucial que não nos ensinam durante a faculdade.
Com isto, de forma completamente autodidata, os advogados que não começam a gerir seu negócio com o mínimo de noção da boa administração, pode ter sua atividade fadada ao fracasso.
Com a devida licença para ir além, ter uma boa administração não é importante apenas para quem deseja gerir seu próprio escritório embora para este seja fundamental.
A administração está diretamente correlacionada a outras carreiras dentro do universo jurídico, pois a gestão de prazos e pessoas é tão importante quanto saber seu fluxo de caixa.
Pois bem, ter uma boa administração do negócio, irá lhe proporcionar um controle maior sobre sua retirada de lucros, sobre o reinvestimento destes valores na empresa, possibilitando seu crescimento e sobrevivência em momentos de crise.
Outro ponto que ajuda bastante dentro de uma administração bem realizada, é o controle de clientes em potencial, administrar aquela pessoa que liga e acaba não fechando negócio é fundamental para você aprender e melhorar sua captação de clientes, tendo exatamente a noção de onde ele veio e qual tipo de “publicidade” funciona.
Gerir processos é uma questão fundamental, e dentro de um controle bem estruturado de atividades, você dificilmente perderá prazos ou deixará que aquele processo antigo fique sem movimentação por muito tempo.
Todas estas possibilidades são fantásticas, e graças a evolução da tecnologia, sistemas jurídicos podem facilitar muito o dia a dia do advogado criando rotinas administrativas que farão com que seu cliente não seja esquecido e que você não se esqueça de tudo que deve fazer no dia a dia da sua gestão.
Claro que não precisamos que você advogado se torne um exímio administrador, afinal existe uma brilhante graduação para se tornar um profissional nesta área, mas assim como gerir suas despesas pessoais e o quanto você precisa para juntar para conseguir a tão sonhada compra do carro novo, ter um controle administrativo coerente dentro do seu escritório de advocacia será fator determinante para cada vez mais diferenciar quem ficará e quem sairá do mercado.
Por Philipe Monteiro Cardoso, advogado e sócio fundador no escritório de Advocacia Cardoso & Advogados.
Fonte: Jusbrasil
Na entrevista coletiva depois do julgamento no TRF4, Cristiano Zanin apareceu na frente de um backdrop, grande painel de publicidade, escrito: Teixeira Martins Advogados.
Esse painel foi divulgado em toda a mídia. Do Jornal Nacional à internet. Melhor impossível.
Inusitado. Causou polêmica dentro do próprio PT e na elite tradicional dos advogados.
Esse painel é usado por empresas, clubes de futebol, governos, McDonald’s, Nike, Adidas, etc. Mas também por hospitais prestigiados, universidades e Polícia Federal.
Lauro Jardim informa que a Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul investiga se o painel fere ou não o Código de Ética da Advocacia, que proíbe advogados e escritórios de fazerem publicidade.
Fere?
Acredito que não.
Nada de vergonhoso ou antiético no painel de Teixeira Martins Advogados. Aliás, é hora da OAB, faculdades, profissionais, debaterem esta tradição-proibição de tempos pré-tecnológicos.
Acreditava-se que fazer publicidade era atividade exclusiva de comerciantes. Advogados não são comerciantes. Donde a proibição.
O erro é do conceito. Publicizar é antes de tudo comunicar, informar, formar.
Na sociedade tecnológica de massa, quanto mais cidadãos conhecerem seus direitos e tiverem advogados para os defender, melhor.
Melhor se cumpre o preceito constitucional de que o advogado é imprescindível à administração da justiça.
Como diz o Prof. Luís Xavier, da Universidade Católica de Lisboa, o interesse público é no sentido de mais e mais pessoas poderem ter seus direitos defendidos por advogados. Espanha permite publicidade. Inglaterra e Estados Unidos também. Canadá. Alemanha.
No Canadá, escritórios se uniram em campanha contra lesões que passam legalmente impunes. Nos Estados Unidos, nada mais comum na TV do que escritórios de advocacia oferecendo serviços para defesa de clientes auditados pelo fisco. Consumidores lesados por medicamentos. Ou como acionar seguradoras em sinistros de trânsito.
Para ampliar o acesso à justiça, há que se ampliar o acesso aos advogados. Ampliar o acesso a advogados é ampliar o mercado profissional.
Pesquisa de Castelar e Holanda, na FGV Direito Rio, mostra que quanto mais educado vier a ser o brasileiro, mais provavelmente procurará o Judiciário.
Grandes escritórios têm meios elegantes de fazer sua divulgação no círculo restrito de seus grandes clientes.
Divulgação de eventos, patrocínio de livros, seminários, a própria cobertura da mídia. Além do contato pessoal nas grandes festas judiciais, coquetéis, medalhas, jantares, solenidades múltiplas. Networking.
Mas os consumidores, contribuintes, cidadãos mais pobres não são convidados. Precisam de mais informação e acesso.
Inclusive para que ocorra, diria o ministro Ayres Britto, paridade de armas.
Dizem que não há nada mais poderoso que uma ideia cujo tempo chegou. Parafraseando, inexiste inevitabilidade maior do que o acesso à informação cuja tecnologia viabilizou.
Não se trata de permitir tudo ou nada, tipo Estados Unidos. Mas se a OAB não liderar um debate sério e contemporâneo, perde a liderança na crescente demanda do mercado. Pagar sponsored list do Google é permitido? Backdrop pode? E por aí vamos.
A tecnologia está batendo à porta da OAB. A regulamentação da profissão não pode ser petrificada.
Por Joaquim Falcão – professor da escola de Direito da FGV Direito Rio
Fonte: JOTA
Os recém-formados no curso de Direito encontram atualmente variadas oportunidades de trabalho no mercado nacional. Além dos setores mais tradicionais, como o civil e o criminal, existem novos segmentos que estão “aquecidos” e demandam por mão de obra. Direito da internet, Direito desportivo e Direito do petróleo e gás são exemplos dessas novas áreas de atuação no setor jurídico que advogados interessados em boa remuneração podem procurar.
A seguir conheça melhor um pouco mais sobre esses novos segmentos do Direito.
Direito da Internet (Ciberdireto)
No país ainda existem poucas leis relacionadas à segurança da informação na internet. Mas os advogados que forem atuar nesse setor vão, por exemplo, focar na reparação de dano moral decorrente de delitos cometidos online, como a divulgação indevida de de fotos e vídeos íntimos de uma pessoa sem autorização, crimes cometidos contra a honra de alguém em redes sociais, casos de pirataria etc.
Direito do Entretenimento
Neste setor, o advogado vai trabalhar na regulamentação de grandes eventos, como shows e festivais, na elaboração de contratos de artistas e licenças para o evento ocorrer. Há também possibilidade de atuação no ramo dos direitos autoriais e liberdade de expressão.
Direito de Petróleo e Gás (Direito Ambiental)
Os advogados que atuam nessa área vão trabalhar com a regulamentação e exploração de matizes energéticas, como petróleo e gás, por exemplo. Neste caso, o profissional precisa entender sobre o funcionamento do pagamento de royalties no país. Porém, há a possibilidade de atuação em questões como as indenizações por danos ambientais.
Direito Desportivo
Para esse segmento, o advogado deve estar apto a tratar de relações existentes nas atividades desportivas, como, por exemplo, a venda de um jogador de futebol para um novo time. Então, ele deve entender questões como pagamento de multas e indenizações, penalidades dadas a atletas que cometeram alguma infração durante uma competição etc.
Direito Societário
Nesta área, o profissional irá se especializar em aquisições e funções de empresas, por exemplo. Ou seja, o advogado precisará tratar de conflitos entre sócios, como controle de participação de cada um, e atuação de acionistas.
Segundo os especialistas, todas essas áreas irão, nos próximos anos, demandar por mão de obra, mas somente os mais especializados estarão aptos a conquistar os melhores cargos. Por isso, Ahmed indica aos envolvidos no setor muito estudo.
Hoje, temos desde os cursos de extensão, mais curtos, que dão ao advogado o primeiro conhecimento com a matéria, até os mestrados e doutorados. Há também um fortalecimento dos mestrados profissionalizantes, que tem perspectiva diferente do acadêmico, pois tem um perfil mais orientado na atuação no mercado e trabalho.
Fonte: Extra
Avenida Presidente Kennedy, 1100 - São Cristovão - 64052-335 - Teresina-PI
Telefone: (86) 3133-7070 - E-mail: contato.icev@somosicev.com