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26 mar
Indignação seletiva X indignação nenhuma

Neste exato momento, enquanto escrevo estas linhas, enquanto você curte seu final de semana e toma sua cerveja, uma pessoa (muito provavelmente) está sendo assassinada no mundo. Ou morrendo de fome. Ou desfalecendo numa maca de hospital.

É possível viver normalmente sabendo que, enquanto vivemos nossas vidas, outras pessoas perdem injustificadamente as suas?

Pensem no seguinte: a conta do restaurante ou da balada em que você se encontra neste exato momento seria suficiente para comprar algumas dúzias de vacinas que salvariam a vida de algumas dúzias de crianças na África. Será que é justo tomar uma cerveja sabendo que esse dinheiro poderia estar sendo usado para efetivamente salvar uma vida, ou talvez várias?

Essas são perguntais difíceis e bastante incômodas. Gente como Peter Singer tentam nos pressionar a pensar nessas coisas e perceber a imoralidade de nossa própria situação. Mas não gostamos de pensar nisso, e continuamos vivendo.

E talvez a única alternativa seja essa. Talvez haja uma justificativa moral para não sermos altruístas efetivos, como quer o Singer. Talvez haja algum argumento, perdido ou meio escondido, para justificar luxos diante de tanta miséria.

A grande questão, no entanto, é que não nos incomodamos com isso. Não pensamos, enquanto ajudamos uma pessoa necessitada, das tantas outras que não ajudamos. Nem pensamos, enquanto aproveitamos um momento de lazer, do que poderíamos estar fazendo para salvar outras tantas pessoas. Pelo menos ajudamos alguém, não é mesmo?

Quando o que está em jogo é uma questão política, contudo, a resposta parece ser “não”. Já não falo, agora, das pessoas que não ajudamos, mas das tragédias que não lamentamos. Quantas pessoas são brutalmente assassinadas todos os dias no Brasil? Várias. Muitas.

Não lamentamos todas essas mortes, assim como não ajudamos a todas as pessoas que poderíamos.

No entanto, se ajudar uma única pessoa já é um ato valioso, lamentar uma única tragédia também deveria sê-lo. Ainda mais quando esta tragédia é representativa de tantas outras, é simbólica da violência sistemática que aflige a todo um país. Às vezes, lamentar uma tragédia é lamentar muitas outras.

O problema é que, possuindo a tragédia uma indiscutível conotação política, surgem aqueles, rápidos e barulhentos, a nos apontar as tantas outras que não lamentamos. A revolta só é justificada, pensam, se for precedida de uma revolta, em igual medida e intensidade, por todas as tragédias que já ocorreram. Há uma ordem de revolta que deve ser preenchida, antes de podemos nos revoltar contra algo.

Não preciso dizer que a hipocrisia desse argumento começa porque os acusadores não raro escolhem suas próprias tragédias para lamentar, esquecendo tantas outras que possam não lhes ser convenientes.

Mas há algo de ainda mais hipócrita nisso tudo: é que vivemos, sempre e a todo momento, escolhendo. Escolhendo quem ajudar, escolhendo do que lamentar e contra o que se revoltar. Se essa posição não está moralmente justificada, só posso dizer que os “fiscais da revolta alheia” não se sairiam melhor ao analisarem suas vidas com base nessa mesma escala moral.

Seria melhor nos revoltamos contra tudo, lamentarmos todas as tragédias? Seria. Assim como seria bom abandonar nossos luxos e ajudar, com aquele dinheiro gasto em coisas supérfluas, pessoas realmente necessitadas.

Mas não somos assim. E pior: estamos cada vez mais anestesiados diante de tantas brutalidades diárias. As tragédias são tantas que, mesmo que quiséssemos, não conseguiríamos lamentar por todas elas.

Isso não tira o mérito da revolta e do lamento por uma única tragédia. Ainda mais quando ela pode romper o ciclo de letargia e passividade a que uma onda aparentemente irrefreável de criminalidade nos lançou.

A morte de uma inocente é sempre uma tragédia. Lembrar de uma, de duas ou de cem, não é um problema: é o mínimo.

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3 Comentários em "Indignação seletiva X indignação nenhuma"

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Eneida Alencar

Ótima reflexão!

évila Lopes

👏👏👏👏👏

Salomão

Bom texto, poderia nos enriquecer mais ainda de informações se relatar que hábitos de consumo seus se transformaram em vacinas ou que hábitos de consumo ainda mantém intactos.

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