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07 jan
Situações da prática do crime de evasão de divisas por meio de criptoativos

A transferência de criptoativos e sua conversão em moeda estrangeira para depósito no exterior

Foto: Pixabay

Os criptoativos são um fenômeno surgido a partir do lançamento do bitcoin em 2008, no contexto da grave crise financeira mundial que se iniciou com a quebra de grandes bancos nos Estados Unidos, deixando claro que o sistema bancário não era digno de toda a confiança que julgava ostentar. Assim, o bitcoin foi a primeira tecnologia exitosa em alcançar a transferência de valores diretamente entre as partes, sem a necessidade da intervenção de um terceiro que as legitimasse.

Antes do bitcoin, as tentativas de desenvolvimento de tecnologias de transferência de valores diretamente entre as partes fracassaram em razão da falta de solução do problema de se assegurar a autenticidade das operações sem a presença desse terceiro, o que foi resolvido a partir da engenhosidade conhecida como blockchain e nada mais é do que o uso combinado de (1) criptografia para conferir a autenticidade dos usuários e (2) do incentivo da mineração, que é a contraprestação paga aos pontos do sistema que mantém uma cópia integral do livro-caixa com a integralidade das transações (chamado de bitcoin core).

Dessa forma, quando um usuário dá a ordem de transferência de determinado valor de bitcoin para outro usuário, indicando o número da carteira do destinatário (wallet)[1], esse comando lança um desafio matemático cuja solução tem quatro principais consequências: (1) a efetiva transferência do valor da carteira do remetente à do destinatário; (2) o acréscimo de um novo um bloco (block) ao livro-caixa (bitcoin core), cujas cópias estão armazenadas nos múltiplos computadores que sustentam a rede desse sistema distribuído; (3) o titular do computador que resolveu o desafio matemático é retribuído com valores em bitcoin, o que é conhecido como mineração; (4) todos os outros computadores que armazenam o livro-caixa (bitcoin core) acrescem à sua respectiva cópia essa nova operação, esse novo bloco (block).

Pelo que cada uma das transações que vão sendo solucionadas pelos computadores representam um novo bloco (block) nessa corrente (chain), que é a sequência integral das transações realizadas no sistema bitcoin. Por esse motivo a denominação blockchain.

Feita essa sucinta análise do funcionamento do bitcoin, o pioneiro dos criptoativos, a partir do qual foram desenvolvidas as outras tecnologias, passemos a discutir a prática do crime de evasão de divisas, na forma do art. 22, caput e parágrafo único da Lei nº 7.492/86:

Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País:

Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.

Segundo lição de Leandro Bastos Nunes[2], o bem jurídico tutelado pela referida norma penal é a preservação das reservas cambiais. Dessa forma, se busca a manutenção de valores no plano interno, de modo a prestigiar a economia nacional, já que um dos grandes riscos à economia de qualquer país é a fuga de capitais para o exterior, o que demonstra a falta de confiança na economia local, sendo um presságio de grave crise econômica.

Do ponto de vista da ciência econômica, uma moeda se presta a servir como: (1) reserva de valor, (2) meio de pagamento e (3) unidade de conta. No entanto, nenhum desses atributos são plenamente cumpridos pelos criptoativos, o que impede seu reconhecimento como tal[3]. Além disso, criptoativos não são emitidos pelos Estados, de modo que não são moeda também no plano jurídico. Dessa sorte, o Bacen editou o Comunicado nº 31.379, de novembro de 2017, no qual informa que o conceito de moeda eletrônica, prevista na Lei nº 12.685/2013, não se confunde com moeda virtual (criptoativo).

No entanto, tal como proposto desde o nascedouro do bitcoin, os criptoativos servem como instrumentos de transferência de valores, com alcance global, podendo ser rápida e facilmente convertidos em moeda soberana por meio das exchanges.

Exchanges são instituições que atuam como corretoras virtuais, permitindo a conversão de moeda soberana em criptoativos e vice-versa. Seu funcionamento é muito parecido com o das instituições que prestam serviços de compra e venda de renda variável no mercado financeiro. A pessoa interessada em operar criptoativos registra uma conta pessoal na exchange, a partir do que lhe será possível realizar transferências de moeda soberana, mediante instrumento bancário ou cartão de crédito, por exemplo. Uma vez depositados os valores em moeda soberana em sua conta pessoal, é possível ao usuário comprar e vender os criptoativos oferecidos pela instituição. As exchanges oferecem basicamente dois serviços, compra e venda de criptoativos e a custódia desses valores em carteiras (wallets) a ela vinculadas.

Assim, por exemplo, se utilizando de uma exchange domiciliada no Brasil, um usuário promove a conversão de R$ 2 milhões em bitcoin. Em momento posterior, por meio de uma outra exchange, domiciliada no exterior, esse mesmo usuário faz a operação inversa, e vende seus bitcoins, recebendo em moeda soberana local, ilustrativamente, euro. Na sequência, ele transfere seus euros para uma conta que possui em uma instituição bancária no estrangeiro, sem comunicar as autoridades brasileiras.

Todos os atos descritos podem ser praticados em poucos minutos, pela mesma pessoa, de qualquer ponto do planeta com conexão à internet. No caso narrado, houve a conversão de moeda nacional em estrangeira, com sua remessa para fora do país. É inegável que foi realizada operação de câmbio não autorizada, configurando o crime do caput do art. 22 da Lei nº 7.492/86, conforme já reconhecido pelo STJ (CC 161.123, Rel. Sebastião Reis Junior, 3ª Seção, DJE 05.12.2018).

No entanto, situação diferente é a do parágrafo único do art. 22 da Lei nº 7.492/86, onde não há operação de câmbio para a remessa de moeda para o exterior.

Leandro Bastos Nunes, no trabalho anteriormente mencionado, acertadamente, traça paralelos da utilização do bitcoin como meio para a prática da evasão de divisas, com os casos do emprego de “dólar-cabo” para o mesmo fim ilícito, cuja tipicidade penal foi reconhecida pelo STF (Ação Penal 470):

(…) a materialização do delito de evasão de divisas prescinde da saída física de moeda do território nacional. Por conseguinte, mesmo aceitando-se a alegação de que os depósitos em conta no exterior teriam sido feitos mediante as chamadas operações “dólar-cabo”, aquele que efetua pagamento em reais no Brasil, com o objetivo de disponibilizar, através do outro que recebeu tal pagamento, o respectivo montante em moeda estrangeira no exterior, também incorre no ilícito de evasão de divisas. Caracterização do crime previsto no art. 22, parágrafo único, primeira parte, da Lei 7.492/1986, que tipifica a conduta daquele que, “a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior” – destacamos. (STF, Tribunal Pleno, Rel. Joaquim Barbosa, j. 17/12/2002)

Dessa forma, retomando o exemplo trazido anteriormente neste trabalho, caso o usuário, após comprar bitcoin com reais e os transferir para uma exchange estrangeira, se utilize dos serviços desta instituição para conversão do criptoativo em moeda estrangeira, ainda que, posteriormente, não venha a movimentar esses valores em moeda estrangeira para uma instituição bancária no exterior, v.g., caso mantenha os valores em euro na conta vinculada à exchange estrangeira, em não tendo sido comunicada essa operação à Receita Federal (o que se exige, ainda, por força do art. 6º, II, a, da Instrução Normativa nº 1.888/2019 da Receita Federal), há o crime de evasão de divisas da parte final do parágrafo único, a depender do valor mantido em depósito, na medida em que houve a disponibilização, no estrangeiro (na exchange estrangeira), de valor em moeda estrangeira.

No entanto, caso não tenha ocorrido a conversão dos valores de criptoativo em moeda estrangeira, ainda que mantido o depósito dos criptoativos na exchange estrangeira, em razão de os criptoativos não serem moeda ou divisa, a conduta é atípica.

Veja-se que nesta situação estarão depositados na carteira (wallet), mantida junto à exchange estrangeira, valores em criptoativo e não em moeda estrangeira.

Por fim, pontuamos que discordamos da expressão “bitcoin-cabo” cunhada pelo mencionado autor, por se mostrar tecnicamente imprópria, já que a operação de “dólar-cabo” exige a presença dos doleiros como peças centrais que registram e compensam as operações de transferência de valores, ainda que não haja a movimentação física do dinheiro. Por sua vez, o bitcoin, como tratado anteriormente, permite que as movimentações sejam feitas diretamente entre as partes, dispensando a intervenção de qualquer terceiro. Desse modo, tal como trazido no exemplo, uma única pessoa, usando os serviços de uma exchange no exterior, pode praticar o crime em análise.

Em conclusão, a transferência de criptoativos e sua conversão em moeda estrangeira, seguida de movimentação desses valores para depósito em banco no exterior, sem comunicação às autoridades competentes, a depender do valor, configura o crime previsto no caput do art. 22 da Lei nº 7.492/86, já que nesse caso os criptoativos são utilizados como meios de transferência de valores, servindo para a prática de operação cambial irregular com o fim de promover evasão de divisas do país. Entretanto, para a tipificação da figura assemelhada, prevista na parte final do parágrafo único do referido excerto normativo, é preciso verificar se houve ou não a conversão do criptoativo em moeda estrangeira pela exchange no exterior, ainda que não tenha havido a movimentação desses valores para o sistema bancário estrangeiro. Em caso positivo, se aperfeiçoou a figura delituosa; em caso negativo, o fato é atípico.


Publicado por JOTA

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