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30 jan
STF e a desnecessária agitação midiática em torno da “demissão sem justa causa”: na prática, nada mudará para as empresas

Artigo escrito por Raphael Miziara, Doutorando em Direito do Trabalho (USP)

Os primeiros dias do ano de 2023 começaram agitados para o Direito do Trabalho. Circula nas redes sociais, com alguma intensidade, a notícia de que o STF poderá “proibir demissão sem justa causa”. O fato tem causado pânico e preocupação em muitos empresários.

Não poderia ser diferente, pois a imprensa, como tem sido praxe nos tempos de “caça cliques”, tem propagado a notícia de forma totalmente deturpada e sem o devido compromisso técnico, sempre com o objetivo de atrair e chocar o leitor. Contudo, o que mais causa espanto, é a quantidade de comentários e postagens recheadas de equívocos feitas pelos próprios profissionais da área trabalhista nas super confiáveis dicas de instagram e de tiktok, algumas, inclusive, com erros banais, tal como tratar como sinônimos os institutos da despedida sem justa causa e o da despedida imotivada.

Diante das considerações acima, tornou-se necessário um texto que tenha por objetivo esclarecer importantes pontos sobre a tão divulgada notícia. Em síntese, é preciso explicar os motivos pelos quais não há praticamente nenhuma chance de, na prática, os empregadores não mais poderem realizar despedidas sem justa causa e, inclusive, de forma imotivada. Na prática, para fins de despedida imotivada e/ou de demissão sem justa causa, nada vai mudar com o julgamento do STF, como será explicado a seguir, sendo que toda a repercussão midiática em torno do assunto tem mais a “cara” de terrorismo desnecessário do que o real propósito de informar.

De forma sucinta, porém, sem descuidar de detalhes necessários ao entendimento da questão, além das colocações até aqui descritas, o texto ainda está dividido em quatro partes: i) inicialmente, apresenta ao leitor o que é e do que trata a Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); ii) posteriormente, o texto apresenta a discussão existente quanto aos requisitos ou pressupostos necessários para que uma Convenção da OIT seja retirada do ordenamento jurídico brasileiro; iii) em terceiro lugar, busca o texto apresentar um breve resumo do que está em jogo perante o STF, ou seja, tenta demonstrar o que envolve a controvérsia que o STF irá julgar e o motivo pelo qual esse caso está sob julgamento. É o que no meio jurídico se denomina, em síntese, de “objeto” da ação; iv) por fim, objetiva o texto explicar os motivos pelos quais não há praticamente nenhuma chance de, na prática, os empregadores passarem a ser obrigados a terem que motivar suas despedidas, ou seja, na prática, para fins de demissão imotivada e sem justa causa, nada vai mudar com o julgamento do STF.

 

Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

No ano de 1982, a OIT aprovou a Convenção n.º 158, intitulada “Convenção sobre o Término da Relação de Trabalho”, que impõe aos empregadores a obrigação de justificar o término da relação de emprego, conforme previsto em seu artigo 4º, a seguir transcrito: “Art. 4 — Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.”. Como se nota, de acordo com a referida norma internacional, a extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregador deve ser, necessariamente, justificada (motivada). Dito de outro modo, a Convenção proíbe a despedida imotivada do empregado, o que não se confunde com despedida sem justa causa.

Neste ponto, uma importante distinção se mostra necessária. Despedida sem justa causa é aquela na qual o empregador, por sua iniciativa, põe fim ao contrato de trabalho sem se basear em alguma das hipóteses de justa causa previstas no artigo 482 da CLT. Instituto diverso é o da despedida imotivada, entendida como aquela por meio da qual o empregador coloca fim ao contrato sem que exponha os motivos que ensejaram a ruptura do contrato. Em nenhum momento a Convenção n.º 158 da OIT proibiu a despedida sem justa causa. O objetivo da norma internacional é evitar a despedida imotivada. Apenas por essa distinção já é possível notar os equívocos das manchetes dos principais noticiários do país que relacionam o caso do STF com a despedida “sem justa causa”.[1]

Para que uma norma internacional tenha validade e vigência dentro do Brasil é necessário que ela passe por uma sistemática procedimental de internalização. Em apertada síntese, o procedimento possui quatro fases: a) assinatura, em regra, pelo Presidente da República; b) aprovação da norma internacional pelo Parlamento brasileiro; c) ratificação; d) publicação do decreto executório.

A Convenção n.º 158 da OIT teve a sua aprovação pelo Congresso Nacional brasileiro por meio do Decreto Legislativo n.º 68, de 16.09.1992. Sua ratificação se deu em 05.01.1995 e a sua promulgação se pelo Decreto n.º 1.855, de 10 de abril de 1996. Ocorre que pouquíssimo tempo depois, o Presidente da República, sem a participação do Congresso Nacional, denunciou a Convenção, por meio do Decreto n.º 2.100, de 20.12.1996. E, foi justamente em razão dessa denúncia que se instaurou a controvérsia perante o STF, pois uma das questões mais controvertidas em relação à denúncia dos tratados é a legitimidade do Poder Executivo ou do Poder Legislativo na iniciativa unilateral para denúncia de um tratado. A controvérsia gira em torno da aplicação dos chamados princípios do ato contrário e o da continuidade da vontade nacional.

Pelo princípio do ato contrário, se a participação do Congresso Nacional é obrigatória para a ratificação dos tratados internacionais, a sua desconstituição (denúncia) também torna imprescindível a participação do Congresso Nacional. Sucintamente, o tratado só pode ser denunciado caso sejam observadas as mesmas condições que o originaram. Logo, se das duas vontades tiverem de somar-se para a conclusão do pacto, é preciso vê-las de novo somadas para seu desfazimento.

Por outro lado, a teoria da Continuidade da Vontade Nacional propugna que se ambas as vontades (Executivo e Legislativo) são necessárias para que o Estado possa se obrigar originariamente, lançando-se numa relação contratual internacional, reputa-se suficiente a vontade de apenas um daqueles dois poderes para desobrigá-lo por meio da denúncia. Isso quer dizer que nenhum tratado pode continuar vigendo contra a vontade de um dos poderes. Assim, para Franciso Rezek, por exemplo, o ânimo negativo de um dos dois poderes em relação ao tratado há de determinar sua denúncia, visto que significa o desaparecimento de uma das bases em que se apoiava o consentimento do Estado.

Tradicionalmente, a praxe brasileira sempre acolheu a teoria da Continuidade da Vontade Nacional. Mas, o STF terá agora a chance de impor a adoção do princípio do ato contrário. O resultado desta ADI passará a balizar a problemática de legitimidade ou não do Executivo e do Legislativo na primazia de denúncia de tratados.

A discussão, que não é nova, foi recentemente retomada em razão do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 1625. Referida ADI foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura – CONTAG com o objetivo de questionar a constitucionalidade do Decreto n.º 2.100/1996, por meio do qual o então Presidente da República deu publicidade à denúncia à Convenção n.º 158 da OIT. Na ADI, sustenta-se que o Decreto que denunciou a Convenção é inconstitucional por violar a separação dos poderes, pois, ao fim e ao cabo, seria necessária a participação do Parlamento, como bem orienta o princípio do ato contrário.

Em resumo, a discussão consiste em saber qual é o procedimento a ser adotado no âmbito do direito interno para promover a denúncia de preceitos normativos decorrentes de acordos internacionais. Enfim, se a norma constitucional (artigo 49, I, CRFB/88) só se refere à aprovação ou também à denúncia.

Alguns Ministros já votaram. O saudoso Ministro Teori Zavascki acompanhou a orientação de que é necessária a participação do Poder Legislativo na revogação de tratados e sugeriu modulação de efeitos para que a eficácia do julgamento seja prospectiva. Em seu voto, propôs tese segundo a qual “a denúncia de tratados internacionais, pelo presidente da República, depende de autorização do Congresso Nacional”.

Já nas palavras da Ministra Rosa Weber, “a derrogação de norma incorporadora de tratado pela vontade exclusiva do presidente da República, a meu juízo, é incompatível com o equilíbrio necessário à preservação da independência e da harmonia entre os Poderes (artigo 2º da Constituição da República), bem como com a exigência do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV) […] por isso, não se coaduna com o Estado Democrático de Direito”.

Atualmente, a situação é a seguinte: já foram proferidos 8 (oito) votos. Dos ministros que já votaram, já há maioria formada pela necessidade de participação do Congresso Nacional na denúncia de um tratado, o que indica que prevalecerá a tese do princípio do ato contrário.

Até 03.11.2022, o feito estava com vista ao Ministro Dias Toffoli, que na referida data proferiu voto-vista no sentido de julga improcedente o pedido formulado na ADI, mantendo a validade do Decreto nº 2.100, de 20 de dezembro de 1996, mas com a proposta de tese no sentido de que “a denúncia pelo Presidente da República de tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, para que produza efeitos no ordenamento jurídico interno, não prescinde da sua aprovação pelo Congresso, entendimento que deverá ser aplicado a partir da publicação da ata do julgamento, mantendo-se a eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal, formulando, por fim, apelo ao legislador para que elabore disciplina acerca da denúncia dos tratados internacionais, a qual preveja a chancela do Congresso Nacional como condição para a produção de efeitos na ordem jurídica interna, por se tratar de um imperativo democrático e de uma exigência do princípio da legalidade”.

Em seguida ao voto do Ministro Dias Toffoli, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes. Já o Ministro Ricardo Lewandowski antecipou seu voto e acompanhou o voto da Ministra Rosa Weber (Presidente). Não votam no caso os Ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia por sucederem, respectivamente, aos Ministros Teori Zavascki, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Maurício Corrêa (Relator) e Nelson Jobim, que já proferiram voto em assentadas anteriores.

Contudo, mesmo que a ADI seja julgada procedente e a Convenção nº 158 se reestabeleça, o efeito prático poderá ser nenhum, pois é preciso lembrar que no julgamento da medida cautelar na ADI 1480, que questionava a constitucionalidade da Convenção 158 da OIT (sobre término da relação de trabalho por iniciativa do empregador), o STF entendeu que as normas da Convenção não eram inconstitucionais, desde que fossem interpretadas como sendo não autoaplicáveis, pois a sua aplicação direta violaria a reserva de Lei Complementar do art. 7º, I, da CR/88. (ADI 1480, Relator: Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/1997, DJ 18/05/2001), de modo que a Convenção teria conteúdo meramente programático, ou seja, uma mera intenção sem efeito vinculante.

Além da questão da reserva de Lei Complementar, outro ponto mostra-se importante para demonstrar que, na prática, nada mudará: mesmo que a ADI seja julgada procedente, por certo o STF modulará os efeitos da decisão, de modo que o novo entendimento só vincule a partir do julgamento, ou seja, com efeitos para o futuro, mantendo-se a eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal. Isso porque, caso os efeitos não sejam modulados, o que geraria eficácia ex tunc (desde a data da publicação do decreto de denúncia), todas as despedidas realizadas seriam consideradas nulas, o que geraria, sem dúvidas, caos desnecessário com o consequente ajuizamento de milhares de ações judiciais.

[1] Isto É: “Sem justa causa? Sindicatos e STF podem arrasar o mercado de trabalho”. Disponível em <https://istoe.com.br/sem-justa-causa-sindicatos-e-stf-podem-arrasar-o-mercado-de-trabalho/>; Folha: “O que está em jogo no julgamento do STF sobre demissões sem justa causa”. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/01/o-que-esta-em-jogo-no-julgamento-do-stf-sobre-demissoes-sem-justificativa.shtml>; O Globo: “STF pode proibir demissão sem justa causa? Entenda”. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/01/stf-pode-proibir-demissao-sem-justa-causa-entenda.ghtml>

 

Artigo escrito por

Raphael Miziara

Doutorando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) – Mestre em Direito do Trabalho e das Relações Sociais (UDF) – Especialista em Direito do Trabalho e Governança Global pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha) – Advogado e Consultor Jurídico nas áreas trabalhista e de proteção de dados

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