No seu ensaio “a condição humana”, Hannah Arendt remonta aos primórdios da cultura democrática grega para entender os elementos constitutivos do fazer político. No ensaio, percebe-se certa crítica ao gap existente, na sua visão, entre a tradição e a modernidade em filosofia política.
No entanto, o seu olhar se fixa na experiência da polis grega (sobretudo em Atenas), onde etimologicamente foi cunhada a democracia como governo do povo e para o povo, para de lá extrair importantes lições sobre a essência da compreensão do homem como um animal político.
Na obra ela aborda dois pilares da política grega: a ação e o discurso. Pontua ela, que, para os gregos, “o discurso e a ação eram tidos como coevos ou iguais, da mesma categoria e da mesma espécie; e isso originalmente significava não apenas que a maioria das ações políticas, na medida em que permanecem fora da esfera da violência, são realizadas por meio de palavras, mas também, mais fundamentalmente, que o ato de encontrar as palavras certas no momento certo, independentemente da informação ou comunicação que transmitem, constitui uma ação”.
Assim, o discurso, ao lado da ação (práxis), ocupava um lugar central na polis grega. Todos os cidadãos acorriam à ágora, espaço onde eram decididas as questões públicas, para discorrerem entre sim e para acompanhar cada discurso. Os grandes discursos, os grandes oradores eram naturalmente celebrados e admirados.
Entre eles ressalta a figura de Demostenes, eminente orador grego. Essa proeminência do discurso no mundo grego reflete a própria cosmovisão grega, reflete o espirito de um povo.
O povo que, iniciando pela filosofia, elevou a razão ao status de importância coletiva. A palavra grega “logos” é eloquente para expressar o modo de pensar grego. Carregada de significados, a palavra passou a designar uma série de conceitos que vai desde “fala”, “discurso”, “raciocínio lógico”, “razão”, entre outros. Cotejando todas as acepções da palavra, para dela extrair uma noção moderna, poder-se-ia afirmar que ela é uma expressão da racionalidade em todas as suas facetas, inclusive no discurso.
A capacidade de articular ideias, através de palavras e frases, com auxilio entonação da voz e da linguagem corporal, requer certo grau de inteligência (que não coincide aqui com educação formal), utilizada na política, sobretudo, para influenciar pessoas. Nesses termos, o orador é uma espécie de artesão da palavra. Talvez daí decorra o velho preconceito em relação àqueles que almejam a vida pública e padeçam de dificuldades na articulação de ideias nos seus discursos.
Muitos enxergam nessa dificuldade um pecado capital para o desempenho do encargo público. O âmago desse preconceito latente, talvez fundado na tradição política, subjaza na ideia de que aquele que está perdido na sua fala e no seu discurso, não poderia conduzir a coisa pública, pois se não pode realizar com destreza algo mais simples como falar de modo compreensível, claro e inteligível, como poderia ser apto para toda complexidade da administração pública? O fundamento de tais questionamentos é o uso da razão humana em todas as suas potencialidades.
Outra questão importante relativa ao discurso na política: o homem público é uma espécie de profeta, que angaria apoio político por meio da persuasão. Não se pode esquecer o fato de que o líder nazista antes de tomar as armas, empunhou microfones. O profeta precisa que sua mensagem seja compreendida. Linguagem e discurso devem ser os mais ortodoxos possíveis. Um político sempre vende algo; geralmente promessas. Mas tudo isso é viável por meio do discurso (ou das armas, é claro!).
Dentro do âmbito democrático, antes de fazer, o político precisa falar. Com essas afirmações estar-se aqui a mitigar o pensamento maquiavélico que profetas armados são, ironicamente, os mais eloquentes e que os que se fazem melhor entender. Contudo, mesmo os profetas armados precisam da adesão inicial realizada por meio do discurso. Para se convencer as massas pelas armas, é preciso antes convencê-las pelo discurso. É o que se percebe nas revoluções russas e cubanas. Tudo começa no âmbito dos ideais, de novos mundos que são profetizados e que vão ganhando adesão.
Diante do que foi exposto, na maior parte das vezes, a análise da viabilidade política de certo candidato deve perpassar, enfática e inicialmente, em seu discurso, já que nem sempre é possível perceber a eloquência de suas ações nas coisas privadas, de onde ele emerge. A ressalva à “maior parte das vezes” é utilizada prudentemente aqui porque a vida comporta uma série de contingências que não se adequam à regra geral. Por exemplo, no fim do regime militar é possível que qualquer civil, independente do discurso, fosse preferível à manutenção do poder nas mãos dos mandatários militares. Não obstante, o discurso continua sendo, embora considerando a ruptura do fio da tradição política e histórica, fundamental, embora, vez ou outra, ele não seja mais que meras palavras vazias.
Avenida Presidente Kennedy, 1100 - São Cristovão - 64052-335 - Teresina-PI
Telefone: (86) 3133-7070 - E-mail: contato.icev@somosicev.com
Deixe um comentário
Seja o Primeiro a Comentar!