fbpx

18 maio
Nem luddista, nem zumbi: o minimalismo digital

Diz um antigo provérbio chinês: “Quando os ventos da mudança sopram, uns constroem muros; outros, moinhos de vento”. Eu ousaria acrescentar: “e outros apenas se deixam arrastar pela ventania”.

Lembrei desse sábio provérbio chinês e pensei na sua atualização, ao ler o magnífico livro de Cal Newport: Minimalismo Digital: para uma vida profunda em um mundo superficial” (tradução brasileira publicada pela editora Alta Books). Esse livro deveria ser obrigatório nas escolas, pois chama a atenção para um problema gravíssimo, que, no entanto, é difícil de perceber, porque ele está envolto num embrulho muito atraente.

O autor fala do que está acontecendo conosco, todos os usuários da internet (e particularmente das redes sociais, sites de notícias e sites de compra), de como a nossa atenção e a nossa energia criativa estão sendo dragadas pelo vício em internet.

Não é difícil reconhecer-se logo nos primeiros exemplos dados pelo autor: um consumidor voraz e insaciável de notícias, fofocas e fotos de terceiros, que passa a maior parte do tempo entre a condição de sentinela do próprio smartphone, ou de náufrago da internet, que pula de ilha em ilha em busca de não-sei-o-quê, perdendo um tempo enorme, sem produzir nada realmente útil.

O autor mostra que o vício que leva à compulsão pelas telas não é exatamente casual. Na verdade, é muito bem planejado e induzido pelas pessoas que comandam os processos criativos da internet. Segundo ele, uma das linhas de ação principais assenta-se em uma fragilidade psicológica bastante conhecida, que nasce do chamado “feedback positivo imprevisível”.

A coisa funciona mais ou menos assim: se você tem que realizar alguma atividade que você já sabe o que obterá, seja uma coisa boa, ou uma coisa ruim, isso dificilmente se tornará viciante, porque logo entrará em cena o tédio. O risco de viciar-se é maior quando a recompensa boa, aquela que você espera, é imprevisível. Basta pensar nos jogadores e apostadores inveterados para confirmar essa regra: eles ficam sempre naquela esperança de que “na próxima partida” tudo mudará para melhor.

A vadiagem aleatória por sites de notícia, redes sociais, e pela internet em geral, segue exatamente esse roteiro: o usuário, em meio a uma série de sensaborias, espera que na próxima aba apareça alguma coisa que valha a pena, e assim ele sai explorando a internet como quem abre uma Matrioshka infinita. Aqui e ali verá algo interessante; e esse algo provavelmente não surgirá por acaso, mas sim pelo perfil de navegação dele, já conhecido dos desenvolvedores (quem nunca apertou num “sim” para os cookies? Para saber o que são os cookies, ver: O que são cookies? Entenda os dados que os sites guardam sobre você | Internet | TechTudo)).

Outra isca quase infalível para nos encerrar na lamentável condição de vigilantes do próprio smartphone é a nossa primitiva necessidade de aprovação social. Aqui se destaca o botão “curtir”, inventado em 2009 (há pouco mais de 10 anos, portanto), usado nas redes sociais. Quem posta nessas redes, espera normalmente obter a aprovação que imagina merecer. E essa aprovação é um clássico caso de “feedback positivo imprevisível”, pois não se sabe de antemão quem e quantos irão “curtir”. Se não foi você, mas sim uma amiga ou amigo quem postou, há o chamariz oposto que consiste no dilema sobre “curtir” ou não a postagem. Assim todo mundo fica preso numa rede de aprovação recíproca que se retroalimenta indefinidamente.

Não é nada surpreendente, portanto, que o usuário fique atualizando o perfil, em curtos intervalos de tempo, para saborear as curtidas, ou para curtir a postagem de alguém. Isso estimula a secreção de dopamina e, por isso, queremos mais e mais…

Em todo caso, se por um milagre você não ficar atualizando o seu perfil de modo compulsivo, e para não correr o risco de lhe deixar escapar, as “notificações” se encarregarão de “alertar-lhe” sobre todas as interações que ocorreram no meio tempo enquanto você esteve “negligentemente” sem olhar para o seu celular.

Cal prova que não por acaso as notificações têm a cor vermelha. Isso foi resultado de estudos sobre a cor que mais desperta a curiosidade e o interesse do usuário. O negócio é capturar a atenção e impedir a todo custo que o usuário pense em outra coisa que não seja no seu smartphone e no que nele pode obter.

O mercado da atenção lida com valores astronômicos. O simples fato de conseguir fisgar os olhos de muitas pessoas nas telas tem um valor econômico enorme, e quanto mais tempo essas pessoas passam cativas de seus gadgets, mais dinheiro é ganho pelas empresas responsáveis por essa engenharia toda.

Sem nenhum exagero, Cal diz que a situação assemelha-se à de um “hackeamento” do nosso cérebro. É como se fosse introduzido em nossas cabeças um vírus que drena a nossa atenção e nos obriga a entregar toda ela, todo o nosso foco para a internet. Claro que isso tem consequências catastróficas, tanto do ponto de vista individual como social, pois a nossa atenção é que permite que o cérebro se ocupe de coisas diferentes, a cada momento, enriquecendo-se. Quando deixamos que a internet vampirize totalmente a nossa atenção, então aderimos a um processo de empobrecimento progressivo, que nos levará a uma situação cada vez pior, como todo vício.

O autor, porém, não é um luddista. Ele não nega as óbvias vantagens e comodidades trazidas pela internet e também pelas redes sociais. O que ele propõe é que tenhamos consciência do que nos espreita na internet e que adotemos uma estratégia inteligente para poder usar os recursos da rede, sem nos deixarmos escravizar por ela.

A essas estratégias ele chama de “minimalismo digital”. A ideia é contra-atacar, usando metodicamente a nossa vontade e autodisciplina para nos defender da arapuca que está armada para cativar a nossa atenção. Não vem ao caso aqui expor todas essas estratégias (melhor ler o livro), mas convém mencionar a mais óbvia e necessária medida: é preciso repensar a relação com o smartphone. Afinal, como diz Cal, “libertar-se do smartphone é provavelmente o passo mais sério para abraçar a resistência à atenção. Isso ocorre porque os smartphones são o Cavalo de Troia preferido da economia da atenção digital”.

Retomando o provérbio chinês: não devemos renegar os ventos da mudança, construindo muros, como os luddistas; nem devemos também nos expor à ventania, para sermos arrastados como zumbis errantes; devemos pensar em como construir os moinhos de vento, que aproveitam a energia da mudança, sem tirar os pés do chão.

 

Deixe um comentário

Seja o Primeiro a Comentar!

avatar
Está com dúvidas?
Estamos aqui pra ajudar! Envia um e-mail ou chama no whatsapp: (86) 3133-7070
Entrar em contato!
© 2017 iCEV Instituto de Ensino Superior
Esse domínio pertence ao Grupo Educacional Superior CEV
CNPJ: 12.175.436/0001-09