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25 out
Direito e tecnologia: o Direito antecipou as TICs?

O direito está, desde sempre, ligado à tecnologia. Se pensarmos na invenção da escrita, por exemplo, uma das tecnologias mais antigas e mais revolucionárias já criadas, logo poderemos encontrar uma interseção com o direito, pois entre os mais antigos textos de que se tem notícia estão precisamente os das leis, como o Código sumério de Ur-Nammu ou o Decálogo de Moisés.

A própria ideia, ínsita à dinâmica da norma jurídica, de que um texto escrito pode prefigurar uma conduta humana e uma consequência dependente da ocorrência ou não dessa conduta, controlando-a remotamente, é uma tecnologia simbólica altamente complexa. Com as adaptações necessárias, esse mesmo princípio está também na base do conceito de “cibernética”, palavra criada apenas no século XX pelo matemático Norbert Wiener, com a mesma raiz de “governo”.

Não seria exagero dizermos que o direito antecipou muitas das ideias hoje presentes nas tecnologias da informação. Para começar, as leis jurídicas precedem os algoritmos na concepção de que se pode estabelecer um procedimento rígido para a consecução de um objetivo. Depois: o que é um processo judicial senão um grupo fechado de discussões, entre partícipes determinados e em torno de um assunto, muito antes da invenção dos “chats”? O que seria o Diário Oficial senão um “sítio” para onde devem se dirigir os possíveis interessados em certas notícias? O que seriam os cartórios extrajudiciais senão “provedores” que nos permitem navegar num conjunto vasto de documentos e produzir outros? E assim sucessivamente.

Hoje, no entanto, é a tecnologia que avança e traz consigo necessidades jurídicas. Os romanos, na sua infinitamente aguçada intuição prática, tinham um brocardo: o impossível a ninguém obriga (“ad impossibilita nemo tenetur”). O reverso do brocardo é talvez mais perspicaz: tudo o que é possível de ocorrer, é juridicamente relevante e pode obrigar. Ou seja, tudo que pode vir ao caso interessa ao direito.

Acontece que a ciência está ampliando o horizonte do possível e criando novas e inusitadas maneiras de realizar coisas de que já éramos capazes. Desde que o homem conseguiu “projetar o seu pensamento em engrenagens” (Dionysius Lardner), os fatos que podem ocorrer aumentam mais e mais. Então, o direito se amplia concomitantemente.

Incumbe aos juristas a função de acomodar esses novos fatos e novos procederes, que surgem aos borbotões, dentro do “sistema operacional jurídico”, que funciona sobre a base do binômio lícito/ilícito. Esta é a relação mais peculiar, hoje, entre o direito e a tecnologia, embora talvez não a mais evidente, nem a mais corriqueira.

São tantas e tão diferentes as novas relações sociais que surgem a todo momento por causa das tecnologias que o direito sequer está tendo condições de responder de imediato às necessidades de seu uso. Basta pensar, a título exemplificativo, na recente polêmica em torno do bloqueio do WhatsApp para cumprimento de ordem judicial; ou nas inúmeras discussões em torno do direito de ter certos fatos do passado apagados da Internet (right to be forgotten). Que dizer, então, das altamente complexas questões que são e serão cada vez mais colocadas pela Inteligência Artificial? É patente a necessidade de um novo pensamento jurídico, mais interdisciplinar e resiliente para lidar com essas situações imprevistas. O jurista hoje não pode mais saber apenas direito. É absolutamente indispensável que conheça minimamente os diferentes campos de saber que se abrem a todo instante, ainda que apenas por livros de divulgação científica.

É preciso também que o jurista desenvolva a sua “imaginação jurídica” para que compreenda toda a complexidade dos novos tempos e possa formular respostas inéditas para problemas inéditos. As primitivas fontes éticas do direito recobrarão naturalmente a sua importância num campo tão aberto e sem referências conhecidas; a argumentação jurídica deverá buscar aportes técnicos de outros campos.

Os problemas que estão por vir serão realmente ainda mais desafiadores. A que ponto chegarão as tecnologias? Ninguém pode dizer. Chegaremos talvez, um dia, a nos perguntarmos se as máquinas poderão ser titulares de direitos, ao lado dos seres humanos, e a resposta provavelmente será positiva em algum momento. Isaac Asimov, num conto clássico (“Homem Bicentenário”), imaginava já nos anos 1970 a situação de um juiz do futuro que estivesse julgando um pedido de liberdade feito por um robô senciente. O veredito do juiz, na fundamentação imaginada por Asimov, apoiou-se no seguinte pensamento: “ninguém tem o direito de recusar liberdade a qualquer criatura de inteligência suficientemente desenvolvida a ponto de compreender o conceito e desejar essa condição”. Não é implausível que um caso assim possa mesmo vir a ocorrer e tenha uma solução semelhante a essa. É claro que não seria esse um caso prosaico, mas ele acena com um mundo incrível de possibilidades que sequer podemos conceber.

Enfim, o futuro do direito está interligado a muitos campos do saber, da biologia à astronomia, passando pela medicina, pela computação, e tantas outras áreas. Em todos esses variados saberes, têm surgido fatos inabituais, descobertas exóticas que produzem novas e inusitadas relações sociais. O direito precisará, usando a sua velha técnica de preordenar comportamentos, dirigir e, em certos casos, quiçá obstruir, as novas sendas que se abrem.

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