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14 nov
Advogado lança aplicativo para promover democracia on-line

No início de 2013, Ronaldo Lemos, 41, viu um grande amigo cometer suicídio. Era Aaron Swartz, fundador do Reddit e ativista da internet, que foi preso nos EUA após hackear artigos de uma revista científica no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) e torná-los públicos.

O episódio de repercussão mundial fez martelar uma questão na cabeça do advogado brasileiro, mestre em direito por Harvard e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e líder do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS): qual o futuro de quem é ativista e luta pela democratização da tecnologia?

A morte trágica do colega e a pressão para consolidar as demandas que resultariam no Marco Civil da Internet, lei que regula o uso da rede no Brasil, fizeram com que Lemos emagrecesse 20 kg. Ele também deixou a barba crescer e repensou sua atuação.

Até ali, colecionava feitos significativos. Além de ter montado e liderado o grupo de trabalho de tecnologia e sociedade na Fundação Getúlio Vargas, ajudou a regulamentar as “creative commons” (que trata de direitos autorais), questionou o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) sobre o repasse de verbas para produções digitais e já assinava coluna na Folha.

Infância high-tech

Ao mapear a indústria cultural das periferias do Brasil para o livro “Tecnobrega – O Pará Reinventando o Negócio da Música”, ele confirmou as enormes potencialidades da tecnologia. “A chave para entender o Brasil está na base da pirâmide. O brasileiro tem uma capacidade incrível de subverter e criar em cima da tecnologia, seja para fazer música, seja para montar um negócio. Isso é referência para o mundo.”

A sociedade tecnológica e da informação em que vivemos hoje se revelou para Lemos ainda na infância. Isso porque, quando tinha dez anos, sua cidade natal, Araguari (MG), foi escolhida pelo Ministério das Comunicações para o projeto piloto de TV a cabo no país.

“Não sei por que foi escolhida. Mas o impacto que isso provocou, após meados dos anos 1980, foi imensurável”, recorda-se ele, menino do interior que tinha acesso a todos os canais estrangeiros. “Nem os jornais tinham isso.”

O contato com as novidades tecnológicas o ajudou a alcançar seu primeiro emprego. Estudante da Universidade de São Paulo (USP), na faculdade do largo São Francisco, na capital paulista, ele foi contratado por um escritório de advocacia em 1995 por ser um dos raros universitários a ter uma conta de e-mail.

“Eu queria cursar cinema, mas optei por direito, por ser mais palatável para meus pais”, conta. Mas já era um universitário conectado. “Na época da conexão discada, o pessoal fazia fila na minha casa para ver como era. Eu tinha e-mail, o rol@usp.com.br, que era do grupo de pesquisa da faculdade.” Colocou a informação no currículo e, depois, descobriu que fora contratado em razão deste diferencial.

O emprego colocou de novo Lemos diante do fator de transformação na sua vida: o escritório para o qual trabalhava estava envolvido na elaboração da Lei do Cabo (de 1995 e revogada em 2011), que ditou a implantação da TV a cabo no país.

O mergulho definitivo na seara tecnológica se deu quando, com uma bolsa de estudos, o mineiro foi para os EUA, onde fez mestrado em Harvard. Em seguida, tornou-se pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.

Referência

Ao voltar ao país, fundou o Centro de Tecnologia e Pesquisa (CTS), embrião do ITS, em 2003. Conheceu sua mulher, a artista plástica Vivian Caccuri, em 2005, e passou a estruturar o seu grande legado, o Marco Civil da Internet, que levou sete anos para ser consolidado e virou lei no Brasil em abril de 2014.

Se você joga Pokémon Go ou assiste à Netflix, deve isso ao Marco Civil e a Lemos. Se você usa um celular que veio de fora do país ou não é homologado pela Anatel, saiba que ele ainda funciona graças a Lemos e ao ITS.

Além de garantir a neutralidade da rede, a privacidade de quem a utiliza e a liberdade de expressão, o Marco Civil da Internet- e Lemos, por tabela – virou referência mundial.

Assim, em 2013, quando se questionou sobre qual poderia ser seu futuro, o empreendedor mineiro refletiu sobre como potencializar a tecnologia para impactar a vida das pessoas.

“Eu trabalho num emprego que criei, no ITS. Então, eu penso que tenho que trabalhar o dobro para mostrar o valor dele, ser criativo, inovador e gerar impacto.”

Protagonismo popular

Além de concretizar o Marco Civil, elogiado até pelo criador da web (www) Tim Berners-Lee, Lemos concluiu que deveria sanar o que mais afligia a população: a crise de representatividade política e a falta de confiança nos políticos.

Pesquisou, então, quantas leis tinham sido criadas no país a partir da vontade popular. E descobriu que esse número era de apenas cinco desde o fim da ditadura, na década de 1980, sendo a última a Lei da Ficha Limpa, em 2010.

Em conversa com o juiz aposentado Márlon Reis, autor do texto, detectou que o maior entrave para a representatividade nas leis era a coleta de assinaturas e sua posterior auditoria.

Foi, então, procurar a resposta na tecnologia. E encontrou a solução no “blockchain”, sistema capaz de criar banco de dados único, seguro e certificado. No caso, Lemos o utilizou para garantir a coleta de assinaturas digitais, com dados de CPF e título de eleitor.

Surgiu, dessa forma, de conhecimentos compartilhados (“Eu nunca faço nada sozinho”), o aplicativo “Mudamos”, que coleta os dados para projetos de lei de iniciativa popular de forma segura e simples.

“É fantástico como a tecnologia pode permitir mudanças. Para colher as assinaturas da Ficha Limpa, foram dois anos. E tinha o risco de um deputado pedir prova de autenticidade, como uma auditoria nas assinaturas. Agora, isso pode ser feito em meses, dias”, afirma Reis.

Lançado em março de 2017, o “Mudamos” foi baixado por mais de 500 mil usuários, que podem propor ou endossar projetos de lei na plataforma.

A confiança na ferramenta se apega ao artigo 61 da Constituição, que, em suma, diz que o Congresso ou as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais devem apreciar iniciativas populares ou projetos de lei que tenham a adesão de 1% do número de votantes da última eleição.

“Isso fará com que a população seja protagonista novamente, não apenas nas eleições”, afirma Lemos.

O “Mudamos” exibe hoje temas que vão do recall de parlamentares (a possibilidade de revogar mandatos) e do voto limpo (contra a compra de apoio político) até ações para limpar rios em Curitiba e convocar plebiscito em São Paulo (sobre privatização).

A plataforma está aberta a crescer, como Lemos, o advogado high-tech que virou empreendedor social.

Fonte: Folha de São Paulo

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