O sujeito pretende comprar um automóvel. Sem dinheiro, ele opta por algum tipo de financiamento. O Banco, evidentemente, precisa de uma garantia de que receberá o dinheiro que emprestou. O sujeito resolve, então, dar o próprio carro que pretende comprar em garantia. É mais ou menos isso que se chama de alienação fiduciária. Bom para todos, certo?
Depende. O consumidor pode pagar só uma parcela da dívida com o Banco e criar para este o ônus de ir atrás do bem dado em garantia. Dá trabalho, mas ao menos o Banco sabe que poderá reaver o bem, posteriormente vendê-lo e, assim, compensar suas perdas. Ou saberia. Imaginem o caso.
O nosso mesmo sujeito hipotético adquiriu o bem, pagou mais de 90% do financiamento e, por conta das circunstâncias da vida, deixou de pagar as últimas cinco ou seis parcelas. Isso autorizaria o Banco a reaver o automóvel cujo financiamento já havia sido quase integralmente pago?
De acordo com a teoria do adimplemento substancial, não. Se você paga substancialmente sua dívida, o credor não pode – ou não poderia – se valer da parte pequena que você não pagou para tentar rescindir o contrato. Parece justo, não é? Tudo bem que você está inadimplente. Mas pera lá, certo? A parcela inadimplente não é nada perto daquilo que você pagou. É mais justo que eu fique com o bem, que o contrato permaneça e que o Banco tente, de outras formas, receber o valor que não foi pago.
Pois é. Esse parecia o entendimento – para usar um termo caro aos juristas – pacífico na jurisprudência nacional. Até a 2ª Seção do STJ pegar todos de surpresa e decidir, no REsp 1.622.555, que a teoria do adimplemento substancial não se aplica aos contratos de alienação fiduciária.
Além da surpresa – o STJ adora a teoria do adimplemento substancial – o destaque ficou para os trechos do voto-vencedor, do Ministro Marco Aurélio Bellizze, que consideravam que a aplicação da teoria, antes de proteger o consumidor, prejudicava todo o sistema.
O tipo de garantia existente nesses tipos de contrato – o próprio veículo financiado – confere uma relativa segurança à instituição financeira, que não depende da eventual existência de patrimônio do devedor para assegurar a quitação da dívida.
E se o Banco não puder, a partir de um determinado limiar, reaver o bem, qual seria o resultado principal? O aumento do risco. Se a garantia da alienação fiduciária era relativamente simples e facilmente executável, agora pode ficar mais complexa, já que os Bancos teriam que apelar a outros meios de cobrança para conseguir o adimplemento integral do débito do devedor.
O que o Ministro Bellizze observou é que esse aumento do risco se refletiria num custo adicional para as operações de alienação fiduciária. E esse custo adicional resultaria em juros maiores. Juros maiores que nenhum consumidor gostaria de pagar. Ainda que a busca e apreensão de um automóvel quase integralmente quitado pareça excessiva, ela é o que garante uma certa segurança no contrato, o que impacta, diretamente, o custo do financiamento.
Ainda não há como saber o que essa decisão significará para o futuro do direito do consumidor (e do direito privado em geral). Mas é interessante observar uma mudança na lógica da decisão: o STJ considerou, dentre outros fatores, o impacto econômico da decisão. E fez mais: considerou não impacto desta decisão específica, mas o impacto que a aplicação do “entendimento” adotado teria naquele micro-sistema de crédito. Será isso a indicação de novos tempos?
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